Após Botafogo, Felipe Conceição está invicto no Macaé: ‘Rompi a barreira’
Treinador do Alvianil esteve à frente do Glorioso durante cerca de 40 dias neste início de ano. Sem mágoa após demissão, ele fala ao L! sobre a nova missão numa nova realidade<br>
Em maio do ano passado, você pôde ler neste LANCE! uma entrevista com um então auxiliar-técnico do Botafogo. De lá para cá, Felipe Conceição assumiu o cargo de treinador do Glorioso, teve pouco mais de um mês de trabalho, foi demitido e, agora, está invicto no comando do Macaé, na Série D do Campeonato Brasileiro. Três vitórias e um empate para o líder do Grupo A12.
Um ano depois, no Norte Fluminense, o trabalho continua num computador, numa cafeteria a meio caminho entre o treino e o retorno para casa. Em meio à nova rotina - já mais longa que no Alvinegro -, o treinador recebeu a reportagem para nova conversa. Da saída precoce da Estrela Solitária, nenhuma mágoa. Sobre o futuro, os planos.
Depois do turbilhão que foi esse início de ano, como você está hoje?
Muito bem, feliz. Estou num clube em que as coisas estão andando, apesar das dificuldades de ter perdido pontos do segundo turno (do Carioca) no primeiro julgamento, que aconteceu antes da estreia na Série D. É um momento conturbado para o clube, mas estamos juntos, empenhados e trazendo alegria para a cidade, para o clube. Estou me sentindo bem no Macaé.
Já são alguns dias a mais que os de Botafogo. Já mostrou o que gostaria no Macaé ou tem mais?
Mesmo sendo mais que no Botafogo, no profissional - porque na base tive bom tempo de 2013 a 2016) e fizemos grande trabalho com todos que estavam lá. Uma geração que está dando frutos e vai dar mais ainda. Aqui no Macaé, estamos com quarenta e poucos dias e a equipe vem crescendo a cada semana. Tivemos uma pré-temporada de 15 dias, aproximadamente, a aproveitamos bem e tem a vantagem de jogar uma vez por semana. A gente consegue, a cada semana, colocar conteúdos para os atletas ou reforçar os que a gente vem trabalhando desde o início. Com isso a gente vem conseguindo perceber que a equipe está cada vez mais consistente, equilibrada, aguentando até o final. O gol na última partida (vitória sobre a URT por 2 a 1) foi depois dos 40 do segundo tempo. Estamos no caminho certo. Grupo muito difícil, duas equipes que brigaram pelo acesso no ano passado (além da URT, o Espírito Santo FC) e outro que é o Itumbiara, tradicional em Goiás, que tem um grande treinador (Estevam Soares). É um grupo pesado, mas fizemos um primeiro turno muito bom. Agora começa o returno, temos que continuar na mesma pegada (primeiro jogo já disputado, com nova vitória sobre a URT).
Qual a sua expectativa de carreira a partir de agora?
Vim para o Macaé procurando ajudar o clube num momento complicado e é uma troca. Não deixa de ser uma oportunidade para mim de fazer um trabalho a longo prazo. A ideia é essa. Crescer junto com o clube. O time já esteve na Série B, já teve dias de alto nível nacional, o que não é fácil para um clube pequeno do Rio. Estamos nessa expectativa. Hoje o time está na Série D, mas vamos lutar com todas as forças pelo acesso. Se vier a curto prazo melhor, mas a ideia é a longo prazo.
Sobre o período no Botafogo: 'Foi uma baita experiência de começo de carreira'
Houve muitas mudanças no elenco do Carioca para o Brasileiro?
Ficaram alguns atletas, como o Pipico, que é o capitão, nossa referência. O Cetim, goleiro; o Luis Felipe, zagueiro; o Júlio César, volante que chegou na metade do Estadual; Alex, meia-atacante. Ficou metade da equipe que terminou jogando o estadual. Fora isso, foi uma reformulação, com outros contratados. Elenco curto, com 22, 23 atletas, sendo quatro da base, pensando a longo prazo. É um trabalho diferente que estamos plantando. Colhendo no início, o que não era o esperado. Pensando não só no fim de semana, como no futuro do clube
O Lucas Campos quase foi seu jogador de novo...
Solicitei ele e o Kanu, do Botafogo. Sobre o Kanu, não houve acordo. O Lucas chegou a vir, mas as taxas da CBF e da Ferj chegaram a ficar acima do que o clube está gastando com cada atleta. Ninguém esperava que fossem tão altas.
Como é a sua rotina? Sai dos treinos e vem para cá (cafeteria)?
Agora estou vendo a última rodada. Às vezes faço isso, gosto de tomar um café, ver o jogo com calma, e não gosto de levar muito trabalho para casa. Casa é para tirar um pouco da cabeça do trabalho. Quando tenho coisa para fazer, paro aqui.
Na sua primeira entrevista coletiva no Botafogo, te perguntamos se você esperava que a oportunidade fosse tão cedo. A resposta: na hora e momento certo. Hoje, foi?
Sim, e sou grato pelo momento, pela hora, por contribuir num momento difícil do clube. Se não andou ali (a minha carreira), foi o início. E eu a construí desde a base, subindo. Então foi com méritos também. Não vejo, mesmo com o pouco tempo lá, como negativo. Rompi a barreira. Hoje sou treinador profissional, tanto que o Macaé me contratou. Apenas 38 anos, passando pouco tempo no time anterior, com aproximadamente quatro anos até me tornar profissional. Que eu me lembre, nunca vi. Chegar rápido tem o lado bom e a questão de as pessoas te enxergarem como novato, o que é normal. O que fica comigo é gratidão pela oportunidade. Não podia ser num lugar melhor para começar, pela identificação que tenho com o clube. E fiquei feliz pela sequência no Campeonato Carioca, de ter visto aquela sementinha que a gente plantou, apesar daquele ponto fora da curva, daquela semana, me dá satisfação. Participei do trabalho, talvez no momento mais difícil.
'Estou tendo tempo para mostrar trabalho'
Perguntaria exatamente se você se sente parte do trabalho vencedor do Carioca...
Com certeza. Até porque o primeiro turno e a pré-temporada, que foi difícil, foi toda com a gente. Sem viajar, chegando novos atletas, após reformulação, pois saíram muitos atletas. O final do ano anterior foi muito ruim pela sensação de perder a vaga na Libertadores. Mas, como falei, foi uma baita experiência de começo de carreira. Contribuiu para mim, me faz melhor como treinador e ter conseguido já o Macaé é motivo de orgulho e gratidão.
Então sair de um time da primeira para a quarta divisão não te incomoda?
Não porque no início de carreira você quer mostrar trabalho. O importante é ter tempo e pessoas que confiam no seu trabalho. Fosse no Macaé, no Botafogo, em qualquer série. Ter tempo para mostrar um trabalho... eu estou tendo tempo para mostrar trabalho.
Você ficou pouco tempo exposto na grande vitrine. O pessoal já te reconhece nas ruas daqui?
Reconhece, e a gente fica mais feliz por não ser só reconhecimento de lá (do Botafogo), até porque jogamos aqui, ganhamos, fizemos um grande jogo, talvez o nosso melhor jogo. Fico mais feliz não só por estar sendo reconhecido por ter sido do Botafogo, mas por estarem reconhecendo um bom trabalho. Param na rua, agradecem pelo trabalho no clube e à autoestima da cidade.
O jogo cabal, contra a Aparecidense. Você considera ter errado, talvez na escalação menos utilizada?
Difícil falar. Essa questão de treinar pouco é muito complexo. Várias vezes treinei linha de três. Não é só a estrutura que dita o comportamento. Pode jogar com três, dois, quatro atrás, mas marcar bloco médio, alto ou baixo, pressionando o homem da bola com tantos zagueiros forem. Isso não muda tanto o comportamento. Conteúdo tático não se muda com estrutura. Não se perde o padrão. Não fizemos uma boa partida.
O que houve naquele jogo?
Não fizemos uma boa partida. Tem início de temporada, que em uma hora tem um jogo mais abaixo. Aconteceu naquele jogo. Até ali o time estava invicto, mesmo sem ninguém comentar. Falavam do Flamengo, do outro lado, com três vitórias e dois empates, e nós tínhamos duas vitórias e três empates. Nossa primeira fase da Taça Guanabara foi invicta, mesmo num grupo mais difícil. Foi provado isso com Portuguesa e Boavista, que complicaram o outro turno. Pegamos times menores mais fortes, como o Macaé. Jogamos sábado contra o Madureira, tivemos uma viagem desgastante até Goiás. No futebol, em um jogo, acontece. Tem outros esportes em que é mais difícil de uma equipe menor vencer, mas jogamos fora de casa, num campo em condições difíceis e aconteceu a derrota.
Já jogou demitido contra o Flamengo?
Não é pra mim (a pergunta). Nem quero saber. Como falei, me senti feliz sendo treinador do Botafogo. Foram 40 dias de dedicação total, entrega, muita experiência. Ter que tomar decisão todo dia... se eu estava (demitido), se não estava, se foi correto ou não, não é o que fica na minha cabeça. O que fica é gratidão. Não fica incômodo ou mágoa em relação à partida da Copa do Brasil. Também não é o que fica. É claro que a gente fica triste pela partida, mas não tinha dúvida de que estávamos no caminho certo. Mas entendemos o momento do clube, a pressão. Os mesmos que me demitiram foram os que me contrataram, então não tem mágoa. Como falei, ali foi divisor de águas na minha carreira. Até ali ela tinha sido mais na base do que no profissional. Fico feliz por isso. Cheguei a dirigir o São Gonçalo na Série C do Carioca. Aquele trabalho no Botafogo me permitiu estar aqui, até porque viemos aqui (em Macaé), fizemos um bom jogo e mostramos boas coisas.
Você chegou a receber convite para continuar no clube?
Agradeci ao clube, porém avisei que, se recebesse um convite de um outro clube, optaria por dar sequência na minha carreira como treinador, pois estava preparado para isso. E foi o que aconteceu.
O que você quer para a sua carreira daqui para frente?
Dar sequência. Continuar, dar sequencia no Macaé, e graças a Deus as coisas estão acontecendo. Sei do meu potencial, o que quero é desenvolvê-lo ao máximo possível e crescer naturalmente.
Sem comparar as realidades, qual a diferença de competitividade encontrada na Série D?
Nosso grupo é pesado. No primeiro turno, as equipes estavam equilibradas, competitivas. Fora de casa, tivemos dois jogos viajando 13 horas somando ônibus e avião. Certas dificuldades que você não encontra em divisões acima. Mas é bem rico, produtivo e de bom nível.
Quais os grandes talentos do Macaé hoje, e o que a torcida pode esperar neste processo?
Hoje, o mais bacana não é o individual, mas o crescimento de todos. Seja dos jovens que nem jogavam no Carioca, seja do Pipico, do Marquinho - que passou no Botafogo -, que cumprem novas funções, abdicam de privilégios pelo trabalho coletivo, ajudando, se empenhando.