Sentado na loja de equipamentos esportivos do Botafogo, localizada no estádio Nilton Santos, e cercado de escudos, camisas, bolas e tudo que remetia ao Glorioso, Roger observava tudo atentamente. De encontro com a reportagem do Lance!, o atacante foi tietado pelas poucas pessoas que ainda estavam na casa alvinegra. Cumprimentado pelos funcionários do estabelecimento, olhou para os repórteres e não se conteve:
- Temos tudo, mesmo, para fazer história. Quero um dia entrar em uma loja dessas e ver uma minha foto e de todo o time que fez história. Sonho com isso - falou, com o sorriso estampado no rosto de quem realmente vive uma fase leve.
Mas a constatação não é apenas de quem entrevista Roger. Veterano atacante aos 32 anos, já passou por grandes clubes na carreira. Teve oportunidades no São Paulo, Palmeiras, Fluminense, Sport, Ceará... Mas foi no Glorioso, onde chegou com desconfiança, que parece ter se achado. É no Engenhão, ao lado da torcida, que vivencia momentos que o mais otimista dos botafoguenses talvez duvidassem no início da temporada. Um gesto simbólico mostra o que é o camisa 9 para essa torcida e o que eles representam para ele. Ao apito final da vitória sobre o Nacional (URU), por 2 a 0, na última quinta-feira, ele se dirigiu aos torcedores e agitou um enorme bandeirão.
É clássico, duas grandes equipes, vira 50 a 50 por cento de chances. Se fosse favorito falaria, não tenho essa problema. Vocês me conhecem. O momento do clube e de torcida é nosso. Temos que tirar proveito sim do momento do Fla.
- Temos uns desfalques também, como Arnaldo, Marcus Vinícius...Poderiam jogar e fazer diferença. Não acredito em favoritos. Nosso momento é legal. Temos muitos jogos que estamos vencendo. É clássico, duas grandes equipes, vira 50 a 50 por cento de chances. Se fosse favorito falaria, não tenho essa problema. Vocês me conhecem. O momento do clube e de torcida é nosso. Temos que tirar proveito sim do momento do Flamengo. Chegando novo treinador, cara de fora do país, não conhece o grupo a fundo. Tem que tirar proveito disso, mas o Reinaldo Rueda deve conhecer a gente bem, porque enfrentou duas vezes na Libertadores - dá a receita.
ESCREVENDO A HISTÓRIA NO GLORIOSO
Sincero sempre, Roger não falou em momento algum o que botafoguenses ou qualquer outra pessoa gostaria de ouvir. O artilheiro da equipe resenhou com o coração. Sem meias-palavras, sem a política da boa vizinhança, mostrou o sentimento real de que todo alvinegro deve ter neste momento: a confiança de que pode chegar longe e entrar para história. Ele e seus companheiros podem alcançar feitos que nem Garrincha e Nilton Santos - que dá seu nome à casa do Glorioso - foram capaz de atingir: premiar a massa alvinegra com essa façanha continental, mesmo sem o grande nome da temporada, Montillo, que se aposentou após não conseguir render o esperado.
- Estamos prontos para isso. Prontos para fazer história. Isso te garanto. Não tem suas estrelas, talvez nossa grande estrela era o Montillo, que não está mais com a gente. E acredito, é engraçado até, mas acho que hoje ele faria a diferença. Nessas decisões esses caras f... crescem. Acham um passe, uma bola que ninguém consegue, um gol inacreditável. Agora a Libertadores está igual. Estamos prontos para ser campeão - garante, o camisa 9
'O TIME SER BATIDO'
Roger acha que o caminho trilhado pelo Glorioso, na sua visão passo a passo, deu cada vez mais força para o time estar entre os oito melhores da América. E ninguém vai assustar os comandados de Jair Ventura.
- Acho que somos o time a ser batido. Os oitos times que estão lá podem ganhar. Acho que o River Plate (ARG) por ser o River, ser argentino, tem que haver um grande respeito, mas não faz medo nenhum. Não temos medo de enfrentar ninguém. Talvez, hoje, não seja bom enfrentar o Botafogo. Pelo contrário. Somos nós a sermos batidos - destaca.
- Esse time tem alma.
Foi a frase mais dita por Roger nos cerca de 40 minutos de bate-papo na loja do Alvinegro. E isso o camisa 9 pode ilustrar ao contar momentos de bastidores dos confrontos na Copa Libertadores. A bobeada na derrota contra o São Paulo, no Brasileiro por 4 a 3 quando a equipe tomou três gols em 8 minutos, é algo praticamente improvável quando o assunto é a América. O grande sonho. O grande ideal.
- Acho que não tem segredo nenhum. Não estou aqui, como eu disse, pelo amor de Deus, não estou aqui para falar o que um time tem e o que não tem, estou falando o que o Botafogo tem. E tem muita alma. Espírito guerreiro demais. Vocês não tem oportunidade de estar no vestiário. Antes de cada jogo, vocês iriam entender o que falo. Olhe na cara de cada um, é cara de louco mesmo. Quando teremos uma oportunidade dessas aí. Falei isso contra o Olimpia (PAR). Tive 12 anos e meio atrás a chance de jogar essa competição. Quando teremos essa oportunidade novamente? Muitos clubes não estão. Corinthians, com toda essa campanha ficou fora. O São Paulo, multi-campeão, ficou de fora também. O Cruzeiro, nem se fala. Quando vamos ter outra chance? Isso tem feito a diferença. Nosso diferencial é alma. Temos isso. Pode perder, uma hora pode perder e ser eliminado. Não estou falando que é invencível. Para ganhar de nós, é preciso correr muito mais do que nós.
- Mas se o Grêmio pensar assim..."Temos que correr mais?" - questionamos.
- Aí é quem tem mais garrafa para vender (risos). Tem que esperar esse jogo daqui há muitos dias. Mas tem que correr muito para ganhar do Botafogo - rebateu, com a resposta pronta.
SURPRESA CONTRA O DITO BICHO-PAPÃO
Unânime era os palpites que envolviam o rival desta quarta-feira,o Flamengo. E Roger sabe disso. Sabe que o Botafogo era apenas um azarão no início do ano. Para os especialistas. Não para os alvinegros dentro do clube. Para os atletas que prometem, sempre, deixar alma, sangue e coração dentro das quatro linhas.
- Um clássico é sempre um clássico. Todo mundo fala desse jogo, não tirando o mérito de Grêmio e Cruzeiro (outra semifinal), mas é o jogo de um time surpreendente contra o considerado favorito em todas as competições da temporada. Gera mais tensão e atenção para todos. Mais capricho no treino, para chegar afiado no jogo. Sinceramente, acho que poderia ser qualquer adversário, pois a pegada seria a mesma. A fase semifinal gera esse desejo de conquista e atenção em todo mundo. A gente está há quatro jogos de fazer história. Talvez seja o maior resultado do clube nos últimos dez ou quinze anos - opina.
JOGO A JOGO: MAS A LIBERTADORES NÃO SAI DA CABEÇA
Roger quer aproveitar a oportunidade de eliminar o maior rival, em uma semifinal de competição nacional, como é a Copa do Brasil. Mas não consegue esquecer o desejo da América. Desejo esse, que é conversa em bares e rodas de resenhas futebolística, onde os botafoguenses são unânimes: mesmo sem nunca conquistar a Copa do Brasil, eles querem a Libertadores. Sem demagogia ou hipocrisia, o atacante passou o mesmo sentimento. Mas bate na tecla que o sucesso alvinegro é exatamente por pensar jogo a jogo. Decisão por decisão. Mas a Libertadores...
- É saborosa. Não posso mentir, que prefiro do que a Copa do Brasil. Seria idiotice falar que queria a Copa do Brasil e não levar essa torcida para Dubai (no Mundial de Clubes). Seria muita demagogia. Mas a gente só pensa jogo a jogo. É até engraçado isso. Quarta (hoje) tem o Flamengo. Domingo, a Ponte Preta. Na outra quarta, Flamengo de novo e essa é a batida. Juro que estamos com essa cabeça. Vamos ver quem está inteiro e joga com a Ponte, porque vencendo podemos chegar ao G6. É uma coisa que o Jair implantou desde o início: passo a passo. O grupo sabe lidar com isso. Que cada jogo e dia é uma coisa. Agora, é Flamengo. Não dá para pensar no Grêmio, que é daqui há 30 dias e nem na Ponte que é domingo. Jogo a jogo. Primeiro é o Flamengo - comenta, e ainda brinca:
- Falaram que caíamos para Colo Colo, Olimpia, no grupo da morte... E já ouvi dizer que a gente cai para o Grêmio de novo. Só falta dizer que vai cair para o Real Madrid. Eu quero ouvir isso, hein...(risos)
UM GOL E UMA NOVA FASE: O GOLAÇO NA ILHA DO RETIRO
Ao receber a bola, Roger dominou e com qualidade deu um corte seco, categórico, que deixou Matheus Ferraz, defensor do Sport, no chão. Toda a Ilha do Retiro olhou com atenção a pintura feita pelo camisa 9 do Glorioso. Ali, o Botafogo avançou para às quartas de final da Copa do Brasil, onde eliminou o Atlético-MG. Ali, ele sentiu-se em casa. Bota era, realmente, aos 32 anos, seu porto seguro.
Ali a torcida viu que tinha alguma qualidade. Não é qualquer um que faz um gol daqueles. Começaram a ter mais amor e carinho ao me parar nas ruas. Comecei a me sentir mais leve com reconhecimento. Tive uma sequência de gols. Aí veio a confiança e a alegria.
- Acho que o jogo do Sport foi um diferencial. Fiz um golaço e fiz um grande jogo. Conseguimos uma classificação suada. O Botafogo não vinha avançando na Copa do Brasil, ultimamente. Ali a torcida viu que tinha alguma qualidade. Não é qualquer um que faz um gol daqueles. Começaram a ter mais amor e carinho ao me parar nas ruas. Comecei a me sentir mais leve com reconhecimento. Tive uma sequência de gols. Aí veio a confiança e a alegria. As pessoas reconhecem minha função no campo, que é marcar, dividir as bolas e servir os companheiros também. Não só fazer gols. Aquele jogo mudou muito para mim em tudo.
DE CANELEIRO A BATALHADOR: A EVOLUÇÃO NO BOTAFOGO
Virou óbvio ululante: Roger é um dos jogadores que mais lutam dentro de campo desse time alvinegro. A torcida reconheceu com o tempo e vê seu esforço com bons olhos. Aplausos viraram rotina para o antes questionado jogador. Mas como foi isso? No dia a dia em General Severiano e no Nilton Santos.
- Encontrei tudo aqui. Jogo o melhor futebol da minha vida. No jogo do Nacional, fui um cara que briguei o tempo todo. Servi companheiros, dividi bola... Fiz tudo bem feito. Existe esse reconhecimento da torcida. Acho que pensam: "Caramba, ele não faz só gol. Ele tem uma importância nesse time". Estou falando de um time que a forma de jogar é essa. Talvez a minha função, vamos dar um exemplo que é o Grêmio, talvez eu não ajudaria, não renderia. Ou teria 30 gols no ano. Sei lá, é tudo suposição. Nós jogamos com coração e com raça. Brigamos. Isso me fez achar esse melhor momento da minha vida. Está sendo bom demais. Estou desfrutando como há tempos não fazia.
Esse Roger, sincero e de coração aberto é a uma das esperanças desse time batalhador. De alma lavada e com coração na ponta da chuteira, ele pode fazer história. Vencendo o Flamengo nesta quarta. Vencendo a Libertadores. Já é um vencedor. Na vida, no campo e agora, com a camisa do Botafogo. As apostas estão na mesa. E pior para Flamengo, Grêmio e afins, Roger está no campo.
Números de Roger:
40 jogos
13 gols
6 gols em clássicos
1 gol na Libertadores
- Fiz um grande ano em 2016 (por Red Bull Brasil e Ponte Preta). O que me atrapalhou foi ter parado em outubro. A Ponte rescindiu meu vínculo porque assinei o pré com o Botafogo. Foram três meses sem jogar. Senti um pouco isso. Mesmo me mantendo em forma na academia não é igual quando você está treinando. Teve a retomada depois. A torcida entendeu que esse time de 2017, a grande característica não é jogar bonito ou ter o artilheiro. É correr e lutar, se empenhar mesmo. Estou feliz demais com esse reconhecimento. Sonhava em viver isso em um clube gigante. A bandeira foi uma forma de agradecer. Eles mereciam essa farra, foi para curtir com eles também.
Contudo, a cabeça dele é passo a passo. Jogo a jogo. Essa é a tônica. Esse é o "grande segredo" que tem feito do Botafogo vencedor em 2017. Tanto que ele não puxa o favoritismo para o Glorioso em momento algum. E apesar do sonho da Libertadores, ele sabe que o Flamengo, nesta quarta-feira, pelas semifinais da Copa do Brasil, é o grande desafio, momentâneo.