“É duro ver que toda essa engrenagem já sente a ferrugem lhe comer”. Em “Admirável Gado Novo”, o paraibano Zé Ramalho, indiretamente, colocou em versos o retrato histórico dos times nordestinos no Brasileirão de pontos corridos. A “engrenagem” raramente funcionou para os clubes da região, que pouco conseguiram se destacar na competição. Mas o ano de 2025 pode representar a virada de chave para o Nordeste, que tem cinco representantes na elite do futebol do país de forma inédita.
➡️ Siga o Lance! no WhatsApp e acompanhe em tempo real as principais notícias do esporte
Bahia, Ceará, Fortaleza, Sport e Vitória são os protagonistas desse novo momento do futebol nordestino. Esses times tradicionais que carregam milhares de torcedores, formam, pela primeira vez na era dos pontos corridos, um quinteto do Nordeste na Série A do Brasileirão.
Para quem acompanhou as edições de 2004, 2005 e 2015, quando só um representante da região disputou o torneio (Vitória, Fortaleza e Sport, respectivamente), dificilmente se imaginava que um dia cinco equipes dividiriam esse mesmo espaço. O número representa 25% dos clubes que vão brigar pela taça. Um feito em tanto.
Mas, desde 2003, quando o Brasileirão passou a ser disputado em pontos corridos, os nordestinos nunca deixaram de marcar presença.
- 2003 (três) - Bahia, Fortaleza e Vitória;
- 2004 (um) - Vitória;
- 2005 (um) - Fortaleza;
- 2006 (dois) - Fortaleza e Santa Cruz;
- 2007 (três) - América-RN, Náutico e Sport;
- 2008 (três) - Náutico, Sport e Vitória;
- 2009 (três) Náutico, Sport e Vitória;
- 2010 (dois) - Ceará e Vitória;
- 2011 (dois) - Bahia e Ceará;
- 2012 (três) - Bahia, Náutico e Sport;
- 2013 (três) - Bahia, Náutico e Vitória;
- 2014 (três) - Bahia, Sport e Vitória;
- 2015 (um) - Sport;
- 2016 (dois) - Sport e Vitória;
- 2017 (três) - Bahia, Sport e Vitória;
- 2018 (três) - Ceará, Sport e Vitória;
- 2019 (quatro) - Bahia, Ceará, CSA e Fortaleza;
- 2020 (quatro) - Bahia, Ceará, Fortaleza e Sport;
- 2021 (quatro) - Bahia, Ceará, Fortaleza e Sport;
- 2022 (dois) - Ceará e Fortaleza;
- 2023 (dois) - Bahia e Fortaleza;
- 2024 (três) - Bahia, Fortaleza e Vitória.
Neste período, Vitória, Bahia e Sport foram as equipes que mais jogaram Série A, com 11 edições cada.
Feito para a história
A última vez que os apaixonados torcedores do Nordeste viram proporção superior de equipes da região na elite do futebol nacional foi no confuso Campeonato Brasileiro de 1986, conhecido como Copa Brasil. Àquela época, a fase principal do torneio tinha 48 times, sendo 15 deles nordestinos (31,25%).
São eles: Bahia, Vitória, Sport, Santa Cruz, Ceará, CSA, Náutico, Central, Treze, Sergipe, Botafogo-PB, Sampaio Corrêa, Alecrim e Piauí.
De lá pra cá, os times do Nordeste tiveram conquistas importantes, como o título Brasileiro do Sport, na polêmica edição de 1987, e do Bahia, em 1988, além da conquista do leão pernambucano na Copa do Brasil de 2008. Mas poucas vezes os clubes nordestinos como um todo estiveram em espaço tão privilegiado na prateleira do futebol nacional.
Fortaleza
Nada mais justo do que começar esse passeio pelos clubes com o Fortaleza, que pode ser considerado o propulsor desse novo momento do futebol nordestino.
Depois de chegar à Série A em 2019 como campeão da Segundona, o Tricolor do Pici não largou mais a elite e a cada ano mostrou que podia mais. Neste período, foram três classificações para a Libertadores, duas para a Sul-Americana e a certeza de que o time chegou para ficar.
Quem comandou o Fortaleza durante boa parte desse projeto sólido foi o técnico argentino Vojvoda, que está à frente do Laion desde 2021. No ano passado, levou o time à quarta colocação na Série A, com 68 pontos, e estabeleceu a melhor campanha de um clube nordestino na era dos pontos corridos. Antes o posto era ocupado por Vitória, que fez 59 pontos em 2013, e Sport, que também fez 59, em 2015.
Bahia
Outro Tricolor se destaca na região e tem um futuro promissor pela frente. Sob a gestão do Grupo City desde o início de 2023, o Bahia mostrou algumas dificuldades naturais no início do projeto, planejado pelo conglomerado como de médio a longo prazo, assim como o do primo distante Manchester City.
Mas, depois de uma temporada de luta contra o rebaixamento na Série A em 2023, os resultados começaram a aparecer em 2024. Sob o comando de Rogério Ceni à beira do campo e orquestrado por estrelas dentro das quatro linhas, como Jean Lucas e Everton Ribeiro, o Tricolor conquistou uma vaga na Libertadores após 36 anos.
A temporada 2025 será a terceira completa do Grupo City na gestão de futebol do Esquadrão e já começou com pé direito após classificação para a fase de grupos da competição continental e título baiano diante do rival Vitória. Lembrando que esse é só o começo de um projeto longevo, que promete investimentos bilionários e conquistas de relevância nacional e internacional nos próximos anos.
Vitória
Rival do Bahia, o Rubro-Negro baiano representa bem essa trajetória ascendente dos clubes do Nordeste. Em três anos, o Vitória saiu de um risco de queda para a Quarta Divisão a uma Copa Sul-Americana, com direito a título da Série B em 2023. Assim como nos outros quatro times, nada disso foi por acaso.
Os resultados são fruto de uma série de fatores, o principal deles talvez seja o planejamento. A diretoria do Vitória, sob a tutela do presidente Fábio Mota, tenta arrumar a casa, ajustar as finanças e elevar o patamar do time na medida do possível.
No ano passado, o Leão montou um elenco competitivo e terminou o Brasileirão em 11º, sem muitos sustos, e carimbou uma vaga na Copa Sul-Americana. Já em 2025, mesmo com o vice-campeonato estadual, o time comandado por Thiago Carpini largou muito bem na temporada, acumulou 22 partidas de invencibilidade (contando jogos de 2024) e promete dar trabalho nas competições que disputar.
Ceará
Mais ao norte, voltamos ao estado do Ceará, desta vez para falar do time que leva o mesmo nome do território.
O Vozão esperou dois anos na Série B antes de voltar para a elite. Depois de uma Série B decepcionante em 2023, quando amargou apenas a 11ª posição, o Ceará começou 2024 com as esperanças renovadas. Mas a oscilação do time de Vágner Mancini no início da Segundona resultou na demissão do treinador e na mudança de rota da equipe, que passou a ser comandada por Léo Condé.
Sob os olhares do novo técnico, o Ceará encontrou o equilíbrio, engatou uma sequência de vitórias com uma defesa sólida e um ataque letal e completou a dupla de nordestinos, junto com o Sport, que conquistou o acesso para a Série A.
Neste ano, Condé confirmou as altas expectativas criadas pelo torcedor com o título do Campeonato Cearense de forma invicta, em final contra o Fortaleza. Fica a expectativa para ver como essa equipe que vem crescendo no cenário regional e nacional vai se comportar diante de desafios maiores em 2025.
Sport
Por fim chegamos a Pernambuco, casa de um outro time que pode surpreender na temporada, sob o comando do técnico português Pepa. Após classificação na Copa do Nordeste e vitória no primeiro jogo da final do Campeonato Pernambucano, o Sport chega confiante para o Campeonato Brasileiro.
Depois de três anos na Segunda Divisão, o Leão da Ilha parou de bater na trave e conquistou o acesso no ano passado como terceiro colocado, já sob o comando de Pepa, que teve continuidade no trabalho. Em 2025, o treinador conta com peças interessantes no elenco, como o artilheiro Pablo, ex-Athletico, e o meia Lucas Lima, que podem guiar o time em direção a objetivos maiores na temporada, como uma Sul-Americana, desejo da diretoria rubro-negra.
Há elementos de sobra para confiar em boas campanhas do times do Nordeste em 2025, seja em Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Sul-Americana ou Libertadores. Mais importante que isso, é a construção de bases sólidas nos clubes para que lá na frente todos eles se consolidem na Série A e façam a engrenagem nordestina funcionar com mais frequência.