O futebol é um esporte caótico por essência. Grandes dimensões, muitos jogadores em campo, ausência de regras quanto ao tempo que cada time pode ter em contato com a bola e, dependendo, nem jogar para ganhar o time precisa. Além disso, há a clara influência de fatores externos: vento, calor, frio, altitude, posição do Sol e, em situações limite, a neve a chuva.
Talvez o que mais mexa na essência do jogo, na sua parte técnica, seja a chuva. Altitude vai mudar a velocidade dos corpos e bola, mas é uma mudança uniforme. A neve irá deixar tudo mais rápido e escorregadio, mas o campo inteiro ficará razoavelmente da mesma maneira. A chuva, não. A chuva cria os espaços de velocidade e deslize onde o campo ainda não encharcou e cria as poças que serão sempre loterias, retardando e acelerando o jogo de acordo com a maneira que a bola encontra o espelho d`água.
A introdução é para falar do jogo entre Juventude e Fluminense no aguaceiro no fim de semana passado. Começando pelo fim, o Juventude soube competir, se adaptou melhor às péssimas condições de jogo e levou os três pontos. Méritos totais. Sem tirar nem por. O lado da competição está resolvido.
O que se pretende pensar no texto é o produto. Há toda uma regulamentação para que os atletas não joguem seguidamente com um mínimo de horas a serem observadas em cada intervalo, há toda a reclamação com o calendário, há a implementação do VAR para que os resultados não sejam contaminados por erros evitáveis – ainda que o VAR tenha escancarado que a arbitragem brasileira precisa de uma melhor formação – e há uma regra não escrita sobre as condições climáticas. A interferência dos fatores externos e sua delimitação acerca das condições do jogo ainda são subjetivas e dependem da régua dos responsáveis pela partida. Quem está no local decide com base em sua experiência. Obviamente, é uma decisão pressionada. Logística de clubes e organização, patrocinadores, detentores de direitos, etc, todos tem outras preocupações que pressionam a questão prioritária para apitar o começo do jogo, que é a parte técnica do espetáculo.
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O espaço aqui é da análise tática e técnica do jogo e com algumas métricas relacionadas ao passe, fundamento básico do futebol, se demonstra de maneira clara como um campo alagado altera o contexto de um jogo. Não por acaso, a nomenclatura dada por um analista para esse tipo de jogo é “Contexto Alterado”. Serve para um campo alagado e serve para um jogo após uma expulsão. O que muda o padrão de jogo, altera o contexto de análise.
A primeira grande revolução do futebol foi o passe, recebido com estranheza pelos ingleses, mas incorporado. Era clara a melhora do controle do jogo pelos times escoceses na virada do século XIX para o século XX. O Juventude, ganhador da batalha aquática na nona rodada do Brasileirão, deu 124 passes certos enquanto costuma acertar mais de 200 passes. O Fluminense acertou 111 e vinha de 446 passes certeiros contra o Flamengo. Os passes para trás, tão necessários para os times se reorganizarem, também sofreram uma redução drástica em função do charco. O Juventude recorreu a esse expediente três vezes menos que o seu padrão, com apenas 14 passes para trás; o tricolor respondeu com 23 passes para trás, o que não é nada para os times de Fernando Diniz. Por fim, se analisarmos a média de passes por posse de bola de cada time, o perde-e-ganha fica decretado. O Juventude trocou, em média, 1.83 passes por posse; o Fluminense, menos ainda, chegou a 1.6 passes por posse. O jogo virou totó, ou pebolim.
No vídeo se chama a atenção para o cuidado com os fatores do campo e do ambiente que podem influir no andamento padrão de uma partida e criar o “Contexto Alterado”. A chuva talvez seja a zona cinzenta, a que depende mais do bom senso que da regra.