Estou certo de que muitos leitores perguntarão: quem é Pirillo, quem é Villizio? Eles não são. Foram. Já estão mortos. Mas me lembrei deles por causa de uma entrevista de Zagallo que está nas redes e de repetidas declarações aos jornais, por Neymar e outras pessoas, de que, antes de Pelé, a
camisa 10 era “apenas um número”.
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Comecemos pela entrevista de Zagallo. Ele diz que “nunca tinha visto Pelé” até o dia em que
aquele garoto “fininho, fininho” apareceu na concentração da Seleção Brasileira que se
preparava para a Copa do Mundo de 1958. Era Pelé, que tratava os veteranos como Zagallo e
Nilton Santos com humildade e respeito.
Quanto à humildade e respeito aos mais velhos (e até aos mais jovens) não duvido. Pelé sempre foi assim, educado e atencioso. Mas a memória positivamente não estava a serviço de Zagallo quando ele disse que nunca tinha visto Pelé. Como isto é possível? Zagallo era profissional, titular do Flamengo, desde 1951. Pelé era profissional do Santos desde que, aos 15 anos de idade, estreara pelo clube, em 1956. Será que Zagallo nunca tinha visto Pelé ou nunca tinha ouvido falar daquele fato inusitado: um garoto de 15 anos profissional em um grande time brasileiro?
Na entrevista, estabelece-se que Zagallo era um veterano e Pelé era um novato. Sim, concordo, mas concordo apenas em termos de veteranice em um clube profissional de futebol. Mas, em matéria de Seleção Brasileira de 1958, era o contrário. Zagallo, que estava para completar 27 anos, era o novato, era o jogador convocado pela primeira vez. Convocado para a Copa do Mundo, mas convocado pela primeira vez. Mas Pelé já era, ele sim, um veterano da Seleção Brasileira.
Pelé tinha sido, simplesmente, o jogador decisivo do titulo do Brasil na Copa Roca de 1957, contra a Argentina. Pelé entrara em campo no segundo tempo da partida em 7 de julho daquele ano, no Maracanã, no lugar de Del Vecchio. Foi um jogo ganho pelos nossos rivais, por 2 a 1. O importante porém é que o único gol do Brasil foi feito por Pelé, que tinha 16 anos. Três dias depois, em 10 de julho de 1957, Brasil e Argentina disputam a segunda partida, no Pacaembu. O Brasil ganha 2 a 0 e fica com o título da Copa Roca por diferença de gols. Os dois gols brasileiros foram marcados exatamente por aquele mesmo garoto de 16 anos, Pelé, que desta vez já iniciara a partida como titular.
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Outro ponto que precisa ser esclarecido: Zagallo homenageia Vicente Feola por ter sido o técnico com a coragem e a clarividência de convocar aquele guri, “com seus 16, 17 anos”, para a Seleção Brasileira. Ora, o técnico que convocou Pelé para a Seleção Brasileira naqueles dois jogos em 1957 - e, mais do que convocá-lo, o tornou titular - foi Sylvio Pirillo, antigo jogador do Flamengo e do Botafogo (ambos times de Zagallo). Pirillo, diga-se de passagem, foi artilheiro recordista do
Campeonato Carioca e como técnico trabalhou até 1980. Não merece ser esquecido.
Vamos à afirmativa de que “antes de Pelé, a camisa 10 era apenas um número”. É verdade. Não tinha maior importância. Depois de Pelé e da Copa do Mundo de 1958, todos queriam ser o “camisa 10”. Mas Pelé só foi camisa 10 naquela Copa do Mundo graças a um uruguaio de nome Lorenzo
Villizio.
Ocorreu simplesmente que a então CBD, hoje CBF, não enviou à FIFA uma lista com a numeração dos jogadores. Houve até quem pensasse em simplesmente eliminar a Seleção Brasileira, por desrespeito ao regulamento da Copa. Mas havia um cavalheiro uruguaio, de nome Lorenzo Villizio, que representava a América do Sul (CONMEBOL) junto à FIFA. Numa reunião em Zurique, ele disse: “Alto lá, eu sei quais são os números dos jogadores brasileiros”. Não sabia, tanto que deu a Zagallo o número sete, a Garrincha o número 11, ao goleiro Gylmar o número três e assim por diante, numa total confusão.
Por que ele deu a Pelé o número 10? Ninguém sabe se foi por acaso, palpite ou se ocorreu um
espantoso caso de premonição. Mas a camisa 10 consagrou Pelé e Pelé consagrou a camisa 10.
Sylvio Pirillo e Lorenzo Villizio, dois heróis que o Brasil esqueceu.