A história da segunda Copa do Brasil seguida conquistada pelo Cruzeiro, com a vitória sobre o Corinthians quarta-feira em Itaquera, começou a ser desenhada muito antes dos dois times entrarem em campo. E deveria servir de exemplo à maior parte dos clubes brasileiros: estabilidade no departamento de futebol, um planejamento eficaz e a manutenção, ano após ano, da base do elenco são o pano de fundo do sucesso azul celeste.
Antes de investir em grandes contratações, a atual diretoria cruzeirense decidiu apostar em uma política salarial arrojada, capaz de resistir às investidas vindas do Brasil e do exterior para levar seus principais jogadores. Neste cenário, Thiago Neves e Arrascaeta foram cobiçados por clubes de fora, mas ficaram, e Dedé teve a renovação do contrato antecipada. O atacante Fred, que, aliás, está há meses contundido e mal participou da campanha vitoriosa, foi a exceção de um alto investimento ao trocar o Atlético pela Toca da Raposa.
Do time que superou o Flamengo na final do ano passado, comparado com o atual, sete jogadores continuam titulares – Fábio, Léo, Henrique, Thiago Neves, Robinho, Arrascaeta e Dedé. O técnico Mano Menezes também foi mantido e apenas dois dos que jogaram contra o Corinthians na partida decisiva foram contratados este ano – Edilson e o argentino Barcos.
Mano Menezes, aliás, foi um caso à parte. O treinador, no final do ano passado, em meio ao conturbado processo eleitoral do clube, esteve muito próximo de deixar Belo Horizonte, depois da vitória nas urnas do atual presidente Wagner Pires de Sá. Clubes chineses, Palmeiras e Corinthians apareceram como prováveis caminhos para o técnico. Mas a ação de Pires e do vice de futebol, Itair Machado, o fizeram ficar. Entre os argumentos, a promessa de manter a base do time e a abertura para que participasse de forma mais efetiva de todo o processo de planejamento do futebol. A jogada deu certo.
No futebol brasileiro, a negociação de jogadores deixou de ser uma questão de oportunidade de negócios, passou a ser uma obrigatoriedade orçamentaria, um recurso tão fácil quanto destrutivo para quitar dívidas e fechar o balanço de final de ano sem infringir as normas do frágil fair play financeiro que impera no país. Dirigentes agem como mercadores, ávidos em vender seus “produtos” mais valiosos, por vezes a preços até abaixo dos valores de mercado.
Ironicamente, este foi o caso do Corinthians, desmanchado após o título Brasileiro de 2017 com a chegada de Andrés Sanchez. Do time campeão restam apenas cinco jogadores: Cassio, Fagner, Gabriel, Romero e Jadson. Entre janeiro e a parada da Copa do Mundo o Timão perdeu Balbuena para o West Han (ING), Guilherme Arana para o Sevilla (ESP), Maycon para o Shakhtar Donetsk (UCR), Jô para o Nagoya (JAP), Rodriguinho para o inexpressivo Pyramids (EGI) e Pablo, que foi devolvido ao Bordeaux (FRA) por falta de condições de exercer a opção de compra pós-empréstimo. Além deles, Júnior Dutra, Lucca. Léo Príncipe e Kazim também saíram, mutilando de vez o elenco corintiano.
Se de um lado reduz rombos no orçamento, a conta dessa política de esfacelamento é alta e chega, mais cedo ou mais tarde, comprometendo o rendimento no campo. Em que pese ter disputado uma final de Copa do Brasil e resistido até as oitavas da Libertadores, onde acabou eliminado pelo Colo-Colo do Chile, a temporada corintiana está longe de ser positiva, com o time caindo pelas tabelas no Brasileirão - iniciou a rodada desse fim de semana em 11º, a apenas quatro preocupantes pontos da zona de rebaixamento. As deficiências do elenco, sem substitutos á altura numa competição de longo prazo, certamente é um dos fatores por trás disso.
Se o Timão vende talentos, o clube mineiro faz dos resultados sua fonte de renda. Somente com a Copa do Brasil faturou R$ 62 milhões em premiações – R$ 50 milhões pelo título e R$ 12 pela participação em fases anteriores. Ganhou ainda R$ 13 milhões por ter chegado às quartas de final da Libertadores onde acabou eliminado pelo Boca num duelo marcado por polêmicas. E a meta agora é subir na tabela do Brasileirão para faturar um dinheiro a mais.
O resumo dessa história, portanto, é simples: o Cruzeiro olha para o futuro. E vence. O Corinthians, apenas debate-se no atoleiro do presente.