"Em 1962, com a contusão de Pelé, descobriu-se um outro Garrincha. De repente parou de brincar, virou sério, compenetrado de que a conquista da Copa dependia dele. Quase sozinho, ganhou a Copa. Fez o que nunca tinha feito. Gols de cabeça, pé esquerdo, folha-seca. E driblou como um endiabrado, endoidando os adversários". O relato do jornalista Sandro Moreyra resume o que foi Garrincha na Copa disputada no Chile. Aquela foi a Copa de Mané. O ponta-direita já tinha brilhado e sido campeão em 1958, mas foi quatro anos depois que ele escreveu seu nome como protagonista na história dos Mundiais.
Garrincha disputou sua primeira Copa em 1958, aos 24 anos. Grande nome do Botafogo, o ponta era reserva do flamenguista Joel. Mané só foi ganhar uma chance no time na terceira rodada da primeira fase, contra a União Soviética. O Brasil começou o Mundial goleando a Áustria por 3 a 0, mas depois não saiu de empate por 0 a 0 contra a Inglaterra e então o técnico Vicente Feola decidiu promover a entrada do Anjo das Pernas Tortas. O duelo com a União Soviética também seria a estreia de Pelé, então com 17 anos, em Copas - o futuro Rei do Futebol vinha se recuperando de lesão antes. Antes do jogo, Garrincha foi abordado com uma pergunta que entrou para a história. Um jornalista, querendo tirar sarro de Mané, o questionou sobre o significado da sigla que ficava na camisa soviética, CCCP - no original: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Sempre ágil, Garrincha disparou: "Cuidado Com o Criolo Pelé!”.
A dupla Pelé-Garrincha foi apresentada ao mundo em 15 de junho de 1958. O Brasil jogou muito e bateu a União Soviética por 2 a 0, com dois gols de Vavá. Entre o apito inicial e os três minutos, Garrincha "humilhou" a defesa rival com dribles desconcertantes, mandou uma bola na trave e deu assistência para gol. Depois, o baile seguiu até o fim da partida. Gavril Katchalin, técnico soviético, destacou seu encantamento com Mané: "Garrincha é um verdadeiro assombro. É um jogador como jamais vi igual". A partir dali, Garrincha e Pelé não saíram mais do time. Nas quartas de final, vitória por 1 a 0 diante um ferrolho do País de Gales, gol de Pelé. Na semi, 5 a 2 sobre a França, com partida discreta de Mané. Na final, contra a dona da casa Suécia, Garrincha jogou melhor e ajudou o Brasil a levar seu primeiro titulo mundial com goleada por 5 a 2. Apesar dos dribles genais e grandes passes naquele Mundial, Mané saía da Copa da Suécia sem marcar. No entanto, os gols e o protagonismo viriam quatro anos depois.
Em 1962, Garrincha e Pelé já eram os grandes nomes do futebol brasileiro. Mané jogou a Copa do Chile com a camisa 7, número que imortalizou. Em 58, ele havia vestido a 11 - na Suécia, a numeração tinha sido definida de forma curiosa, baseada na ordem das malas dos jogadores em arrumação na porta de um hotel. Voltando ao Mundial do Chile, o Brasil estreou contra o México e venceu por 2 a 0, gols de Zagallo e Pelé. No segundo jogo, empate por 0 a 0 diante da Tchecoslováquia, Pelé sofreu um estiramento muscular e ali a Copa terminou para ele. Mas o que parecia ser o início de uma tragédia foi na verdade o "abre-alas" para o show de Garrincha. Para o terceiro jogo, o técnico Aymoré Moreira colocou o atacante Amarildo, do Botafogo, no lugar de Pelé, apostando no entrosamento que vinha do Alvinegro. E a escolha foi certeira.
A partida contra a Espanha coroou a parceria Garrincha-Amarildo, mas o começo foi difícil. Abelardo abriu o placar para os espanhóis, que poderiam ter feito 2 a 0. Nilton Santos cometeu pênalti em Enrique Collar, mas ludibriou o árbitro ao dar dois passos à frente e sair da grande área. O Brasil cresceu na segunda etapa e Garrincha brilhou, iniciando os lances para Amarildo virar o duelo para 2 a 1. Nas quartas, contra a Inglaterra, Garrincha detonou a defesa rival com dribles incríveis e marcou dois em vitória por 3 a 1. Na semi, nova atuação mágica, desta vez contra o Chile, dono da casa. Mané fez os dois primeiros de triunfo brasileiro por 4 a 2. Quase no fim da partida, o camisa 7, cansado de apanhar do marcador Rojas, revidou uma entrada desleal com um pontapé no traseiro do lateral. O árbitro peruano Arturo Yamasaki expulsou Garrincha. Mané ficaria fora da final, contra a Tchecoslováquia, mas graças a uma manobra política da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) pôde disputar a decisão. Única testemunha do camisa 7 no chileno Rojas, o assistente uruguaio Esteban Marino não apareceu para depor no julgamento. Isso porque a CBD teria bancado sua viagem para fora do país. Ex-jogadores da Seleção não confirmam a história, mas dizem terem ouvido algo do tema no dia da final. Depois da Copa, Marino trabalhou na Federação Paulista de Futebol.
Com Garrincha livre, o Brasil foi para cima da Tchecoslováquia. O time rival quase sempre tinha três marcadores em cima de Mané, o que resultava em espaços para os demais jogadores brasileiros. Josef Masopust até colocou os europeus na frente, mas a Seleção Brasileira se impôs e virou com gols de Amarildo, Zito e Vavá. Era o bicampeonato, a Copa de Garrincha. Quatro anos depois, Mané ainda foi para a Copa da Inglaterra, mas já vivia fase de declínio e pegou a camisa 16. O ponta tinha 32 anos e sofria de atrose no joelho, o que dificultava os dribles. Feola, técnico de 58, substituiu Aymoré e manteve Garrincha de titular. Na estreia, vitória por 2 a 0 sobre a Bulgária. Os gols foram de falta, de Pelé e Garrincha. Seria a última vez da dupla junta pela Seleção - inclusive, Pelé e Garrincha jamais perderam com a camisa do Brasil juntos, com 36 vitórias e quatro empates. O segundo duelo foi diante da Hungria, sem Pelé, que estava sem condição de atuar após pancada na estreia. O Brasil perdeu por 3 a 1 e Garrincha foi barrado para o terceiro jogo, quando a Seleção decidiria sua vida contra Portugal. Como não havia substituições no futebol, Mané viu do banco a eliminação brasileira - em jogo que Pelé foi caçado e o Brasil perdeu por 3 a 1. Se Mané pudesse ter entrado em ação, talvez esse final fosse outro.