Falar da geração belga virou sinônimo de brincadeiras e piadas, mas rejeitar a qualidade individual das peças que compõem o elenco seria ignorar a realidade. Nos últimos anos, a Bélgica acumulou protagonistas nas principais ligas europeias. Como seleção, ainda não conseguiu fazer uma grande competição. E será cobrada por isso. Em 2018, entra com o peso do favoritismo no grupo e com a responsabilidade de ir, pelo menos, até as quartas.
Após decepcionar na Copa de 2014 e na Euro 2016, as mudanças nos últimos dois anos foram significativas. Roberto Martínez chegou em baixa após um fim de trabalho ruim no Everton (o início havia sido excelente) e o crescimento tem sido positivo desde então. Verdade que os adversários no grupo das eliminatórias colaboraram para a campanha de 9 vitórias e um empate (com 43 gols marcados em 10 partidas), mas não dá para ignorar a evolução no repertório coletivo.
A mudança básica foi a de sistema. O 3-4-2-1 serviu de diferentes maneiras: ajudou a superar a carência de laterais, se beneficiou da polivalência dos zagueiros do Tottenham e encaixou Hazard na posição em que recuperou seu melhor nível no Chelsea, com Antonio Conte. Como meia – e não mais ponta – tem liberdade para circular por todo o campo, sem precisar recompor pelo lado. De fato, a maior preocupação é a condição física e técnica de Yannick Ferreira Carrasco, que perdeu espaço no Atlético, ficou meses parado e depois se transferiu para a China, onde chegou a ser usado até como “9” em um time que luta contra o rebaixamento. Na seleção, tem papel importante como ala pela esquerda. Limbombe, outro ponta de origem, foi testado como ala nos amistosos do início do ano, mas ficou fora da lista. Jordan Lukaku, que seria outro reserva, foi cortado da lista final. Assim, Chadli vira a única alternativa para a ala, também improvisado.
Outro fator importante foi a transformação de Kevin De Bruyne nas mãos de Guardiola. De um meia avançado para um meio-campista que dita o ritmo, participa em todos os setores e tem enorme capacidade de decisão com suas assistências e chutes de fora da área. O ótimo nível no Man City, em uma faixa de campo diferente da inicial, ajuda Roberto Martínez a acrescentar mais qualidade no time. Como um dos dois meio-campistas – e não mais como um dos meias avançados – abre espaço para Mertens, destaque do Napoli na Serie A. Enquanto na Itália faz o papel de um 9 de extrema mobilidade, na seleção retorna ao seu setor de origem, como um dos meias que encostam em Lukaku. A contrapartida está na função exigida para De Bruyne, muitas vezes mais fixo para iniciar a saída de bola e distribuir passes em uma faixa mais distante do gol adversário. Sendo assim, pode acabar sacrificado em nome da engrenagem, já que tende a ser mais discreto se estiver tão distante dos atacantes e sem a mesma liberdade. Em um estilo de controle de posse de bola, a Bélgica costuma colocar até seis jogadores mais adiantados do que ele: os meias, os alas, o 9 e o outro meio-campista.
A movimentação de Hazard e Mertens é chave para a criação do ataque, que confia nos gols de Lukaku. Os meias alternam posições e exploram as subidas dos alas, que também atacam por dentro quando o meia cai pela ponta. Talvez a maior dúvida esteja na característica do meio-campista ao lado de Kevin De Bruyne. Witsel é o titular e complementa a dupla com força física, ocupação de espaço, marcação e chegada ao ataque. As grandes atuações de Mousa Dembélé contra a Juventus no mata-mata da Champions League mostraram que ele pode brigar por espaço na seleção, com bom passe e controle na distribuição. Por característica, o jogador do Tottenham poderia ter um impacto positivo em De Bruyne justamente por dividir a responsabilidade de armar o jogo tão próximo dos zagueiros. Por outro lado, o meio ficaria menos agressivo para os momentos sem bola. Quem também pode ocupar a posição é Marouane Fellaini. Não tem a mesma capacidade de organização ou qualidade técnica, mas sua força física para ganhar duelos pelo alto pode ter utilidade tanto em momentos defensivos quanto na hora de preencher a área adversária para explorar seu tempo de bola nos cruzamentos.
A principal polêmica de Roberto Martínez foi a não convocação de Nainggolan. Destaque na Roma, tem a fama de difícil comportamento e o treinador aparentemente não quis arriscar levá-lo já que seria reserva. Tecnicamente falando, a decisão desperdiça características que poderiam ser extremamente úteis em uma Copa, como a maior intensidade, os chutes de média distância e a possibilidade de variação para um trio de meio-campistas, aproveitando a versatilidade de Nainggolan. É uma importante alternativa de banco a menos.
Na defesa, a maior preocupação está na condição física. Alderweireld perdeu parte da temporada por lesão e não recuperou seu melhor ritmo até por discussões contratuais que o afastaram de várias partidas na segunda metade da temporada pelo Tottenham. Ele e Vertonghen são fundamentais pelos lados, até pela boa qualidade de passe para iniciar a saída de bola.
Em um time que passa boa parte do tempo com a posse no campo de ataque, é frequente ver um deles se projetando para apoiar e construir. O grande problema está no centro, já que Kompany e Vermaelen chegam lesionados. Ambos possuem longo histórico de lesões, o que só aumenta a dor de cabeça. Não há outro jogador em um nível próximo. Boyata foi convocado e teoricamente seria o próximo na lista, enquanto o volante Dendoncker jogou muitas vezes em um trio de zaga pelo Anderlecht em 2017/18. Preocupado com a possibilidade de um corte, Roberto Martínez chegou a escalar Laurent Ciman em treinos e amistosos. É um zagueiro forte no jogo aéreo, mas com bem menos mobilidade. E o principal: que não está inscrito entre os 23. A expectativa sobre as condições físicas de Kompany é de que a decisão final venha apenas na véspera da estreia.
Se ofensivamente a equipe parece muito bem servida, as dúvidas defensivas são maiores. Não exatamente pelos nomes, mas pelo teste que a Bélgica terá pela frente. Com a responsabilidade de propor e se impor, seu jogo depende da constante movimentação de meias e alas para não se tornar lento e pouco criativo. Romelu Lukaku tem um bom entendimento com Hazard e Mertens e ajuda a abrir espaços, além de ser a principal esperança de gols. O desafio coletivo está no comportamento após a perda da bola, para evitar contra-ataques diante de uma defesa completamente aberta e exposta, eventualmente com apenas dois jogadores.
Jogos no Grupo G
18/6 - 12h - Bélgica x Panamá
23/6 - 9h - Bélgica x Tunísia
28/6 - 15h - Inglaterra x Bélgica