Fernandinho ao L!: ‘Hoje tenho mais pedigree de Seleção do que em 2014’
Volante do Manchester City analisa, em entrevista exclusiva, possibilidades do Brasil na Rússia, elogia Guardiola e fala sobre lições que o último Mundial deixou para ele
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A vida de Fernandinho no futebol sempre foi feita de desafios. Natural de Londrina, o jogador precisou superar obstáculos desde o início. Do começo no PSCT, depois no Atlético-PR, passando por um sólido período no Shakhtar Donetsk (UCR), até chegar ao Manchester City e à Seleção, o volante conviveu com glórias, mas também com dissabores. O maior aconteceu no fatídico 7 a 1 diante da Alemanha.
Apesar de temer ficar marcado pela maior derrota do futebol brasileiro, Fernandinho seguiu em frente. Superou essa dolorosa derrota e continuou presente na Seleção. Estará na Rússia, só que, desta vez, com uma “casca pronta” para brilhar com a camisa verde e amarela:
- No ciclo de 2014, tinha participado de algumas convocações, mas não havia atuado em grandes competições oficiais. Antes da lista final do Felipão, só tinha sido chamado para os últimos amistosos. Cheguei na Copa com pouco tempo de Seleção. Agora já é diferente - disse em entrevista exclusiva ao L!.
No bate-papo, que durou quase 40 minutos, Fernandinho falou sobre a atual temporada do City, elogiou Guardiola e disse que o técnico o fez ver o futebol de outra maneira; sobre o carinho pelo Atlético-PR, Copa do Mundo e, claro, da responsabilidade de, quatro anos depois, conseguir o objetivo que todo brasileiro almeja: o hexacampeonato mundial.
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Como você avalia a sua temporada no City?
O título inglês foi nosso principal momento, uma vez que, ano passado, nosso time acabou não conseguindo esse objetivo. Até por isso, creio que conseguimos dar uma resposta à altura, sobretudo pela forma como atuamos e os resultados que conquistamos ao longo dessa temporada. Isso é muito importante para todos nós do clube, mas, principalmente, para o torcedor. Vê-los desfrutar desse momento com certa antecedência foi muito bom.
Qual foi o segredo para essa campanha sólida do título? Na sua avaliação, não só pelo título, mas por tudo o que foi apresentado em campo, o City, hoje, é o principal clube do futebol inglês?
Se a gente partir do princípio de que o melhor time é aquele que conquista o campeonato, acredito que sim. Em um campeonato de pontos corridos, o time que consegue ter regularidade, equilíbrio, consegue jogar bem a maior parte do torneio, deve sim ser considerado o melhor time do país. Aqui na Inglaterra, devido a vários fatores, sobretudo o financeiro, uma vez que os clubes ingleses conseguem fazer altas contratações, são quatro, cinco ou até seis clubes que podem fazer times competitivos no que diz respeito ao título. Mas o trabalho da nossa comissão foi fundamental para que a gente, dentro de campo, traduzisse isso em resultados. E isso foi o que me deixou mais feliz.
É correto afirmar, diante desse panorama que você apresentou na resposta anterior, que vencer o Campeonato Inglês acaba sendo tão ou mais complicado do que triunfar na Liga dos Campeões, por exemplo?
No quesito de competitividade, força física, atuando em um jogo da Premier League, existe a possibilidade de ter pela frente um jogo duro e até mesmo ser surpreendido pelo último colocado. Isso aconteceu recentemente, quando o Manchester United perdeu em casa para o West Bromwich (NR: resultado que confirmou o título antecipado do City). Então é, de fato, um dos principais torneios da Europa. Não posso falar muito de outros, porque não atuei, apenas vejo os jogos e por conversas. Mas a demanda física da Premier League é muito mais elevada do que as outras. Isso faz com que a competição tenha muita popularidade e a qualidade do jogo seja alta. Isso é bom para todo mundo. Então, um título inglês é uma conquista com “C” maiúsculo.
Elogiar o trabalho do Guardiola virou algo recorrente no futebol. Mas, na sua avaliação, qual é a maior qualidade dele como técnico? Acredita que seu jogo evoluiu desde que começou a trabalhar com ele?
Sou suspeito para falar. Todo elogio que eu fizer ao Guardiola será pouco. Trabalhando esses dois anos com ele, tendo convívio diário, também com a comissão técnica, é algo prazeroso. Aprendi muita coisa, sobretudo a ter um outro tipo de visão sobre o jogo e o futebol propriamente dito. Vejo o esporte de uma maneira diferente. Isso me ajudou muito a crescer dentro do City e da própria Seleção. Todo o tipo de elogio feito ao trabalho do Guardiola que você já tenha escutado é a pura verdade. É um cara muito detalhista, e quer passar isso para o atleta executar com perfeição no dia do jogo. Felizmente, na maioria das vezes, essa temporada deu certo. Ano que vem, vamos dar um passo a mais.
'A demanda física da Premier League é muito mais elevada do que as outras. Isso faz com que a competição tenha muita popularidade e a qualidade do jogo seja alta'
Qual seria essa ampliação de visão do jogo que o Guardiola despertou em você?
Uma das principais características dele é fazer o jogador entender o seu espaço e respeitar o do parceiro de time, no que diz respeito a posicionamento dentro de campo. Não quer ter uma desordem e isso foi o que mais me chamou atenção. Então, precisamos movimentar rapidamente a bola, mas não atropelando os espaços. Fui aprendendo de maneira gradativa. Tive um pouco de dificuldade na primeira etapa, mas agora isso começou a fluir. É algo que vou levar até o fim da carreira.
O ponto que vocês lamentam nesta temporada foi a queda na Liga dos Campeões? O que aconteceu no primeiro tempo do jogo diante do Liverpool? E o que falta para o City conseguir, de fato, conquistar essa competição?
O principal objetivo do City é se estabelecer como um dos principais times da Europa e ter uma constância. Em se tratando de Liga dos Campeões, é preciso tempo. Nos últimos anos, ela foi vencida apenas por três, quatro clubes. Claro que todos aqui temos esse desejo de conquistar essa competição, mas é algo que não acontece da noite para o dia. Existe um projeto aqui e não é com um estalar de dedos que vamos conquistar uma Liga dos Campeões. O City a joga com frequência há uns seis, sete anos. Então, passou da fase de grupos pela primeira vez apenas quatro anos atrás. Nesse cenário, é muito complicado o projeto do clube de ter êxito muito rapidamente, para uma instituição que ainda está agregando maior tradição na Liga dos Campeões. No jogo do Liverpool, em um torneio como é a Champions, Libertadores ou mesmo a Copa do Mundo, qualquer três ou quatro minutos de desatenção pode ser fatal. Foi o que aconteceu. Levamos três gols no primeiro tempo e o confronto foi praticamente decidido ali. Na volta, começamos muito bem, fizemos um gol no início, tivemos um gol legal anulado, e ali foi o divisor de águas. Ir para o intervalo com dois ou três gols seria uma história diferente. O título inglês acabou amenizando essa perda.
O elenco do City é repleto de jogadores de diferentes países, que estarão na Copa do Mundo. Passado esse momento de mais foco pelo título inglês, vocês já conversam sobre o Mundial da Rússia? Já, em tom de brincadeira, se provocam?
Conversamos. Os jogadores de outros países elogiam muito a Seleção Brasileira, não só pela qualidade dos jogadores, mas pelo grupo em geral. Felizmente, os jogadores da Seleção atuam em grandes e principais times da Europa. Isso chama a atenção. Mas cada jogador de seleção aqui do City tem sua perspectiva para o Mundial. Aqueles que sabem que seus países quase não terão chances vão procurar desfrutar ao máximo o torneio. Para nós, brasileiros, que sabemos da pressão que teremos, vamos chegar muito bem, com o objetivo de estar na final e ser campeão.
Qual sua análise do Grupo E? O Brasil é, de fato, franco favorito na chave?
É um grupo que eu vejo como extremamente difícil e complicado. A Costa Rica foi a grande surpresa no último Mundial. Em uma chave que tinha seleções de grande tradição, passou em primeiro. Caiu apenas nas quartas para a Holanda, nos pênaltis. É preciso ter todo cuidado possível. Como eu disse, qualquer bobeira coloca o trabalho a perder. A Suíça também, precisamos ter muita atenção. Possui jogadores que atuam em muitos clubes da Europa, atletas de destaque. É necessário cuidado. Já a Sérvia, que ninguém fala muito, também tem qualidades. São jogos em que precisamos de total concentração. Qualquer falha pode ser fatal.
O Brasil, como sempre, é apontado como um dos favoritos ao título. Partindo deste princípio, quem você considera como os principais adversários no caminho para o hexa?
Colocaria a Espanha em primeiro lugar. Recentemente, tem jogado um futebol de altíssimo nível sob o comando do Lopetegui, que é muito detalhista. A França, com essa nova geração de muito talento, também está entre as favoritas. A Argentina, como sempre, assim como o Brasil, pelos jogadores que possui, também entra no páreo. A Alemanha é a atual campeã, faz um bom trabalho ao longo dos anos, e chegará forte. A Inglaterra também vem conseguindo bons resultados após a Eurocopa, e, talvez, chegue também com força. Por fim, a Bélgica também possui um grupo acostumado a grandes jogos. Acredito que esses países devem chegar entre os oito melhores colocados.
Se o Fernandinho pudesse escolher, entre as seleções que você apontou como favoritas, com quem gostaria de fazer a final na Rússia?
Escolher adversário é difícil (risos). Quero muito o Brasil na final. Vamos procurar fazer o nosso trabalho, passo a passo, e aí sim, trazer esse sonho dos jogadores brasileiros, esse hexacampeonato. E representar o Brasil é motivo de muito orgulho.
Você é um dos integrantes da Seleção que estava em 2014. Que lições ficaram da Copa passada, sobretudo para os jogadores que, assim como você, estavam naquele grupo aqui no Brasil?
No meu caso, o mais importante é que o tempo passa e, como acontece na vida, você vai agregando experiência. Na Copa, é importante você saber jogar uma partida de cada vez, pois são jogos distintos, adversários com maneiras diferentes de atuar. A minha expectativa é chegar ao Mundial de uma maneira bem segura. Que o Brasil, a partir do primeiro jogo, já possa mostrar uma consistência e uma solidez bem constantes. E ir crescendo de forma gradativa na competição. Isso é uma prioridade para mim não só pessoal, mas coletiva. Em 2014, apesar de começar com a vitória, a Seleção não conseguiu desempenhar a mesma altura da expectativa que era criada. O time fez umas boas atuações, mas, devido à qualidade dos jogadores, a gente poderia ter ido melhor. Infelizmente, fomos eliminados na semifinal com uma derrota dolorosa. Em 2018, chegamos de uma maneira diferente.
Temeu não ser mais convocado para a Seleção por estar presente na última Copa, sobretudo pela derrota diante da Alemanha, pela forma como foi? Qual a sensação pessoal de ter passado por tudo isso e poder atuar novamente em uma Copa do Mundo?
Quando a gente fala de Copa do Mundo no Brasil, é diferente em relação a qualquer lugar do Mundo. Crescemos assistindo, com grande expectativa, celebrando quando vence, chorando quando perde. Assim é o brasileiro. Aprendemos dessa forma. Então, para mim, poder estar novamente representando meu país na Copa é motivo de muito orgulho. Por isso que quando existe uma derrota da Seleção, ela é muito dolorida. A expectativa é muito alta. O Brasil é um produtor de talentos, e a cada ano aparecem quatro, cinco jogadores que têm perspectiva de futuro. A Seleção tem essa cultura de fazer renovação. Se eu te falar que não passou pela minha cabeça essa possibilidade de não ser mais chamado é mentira. O que me ajudou muito nesse período foi o trabalho feito aqui no City, na Seleção pude disputar mais jogos. Fazendo o trabalho do meu jeito, tenho a segurança de que as coisas vão acontecer. E, naquele momento, queria seguir na Seleção para disputar a Copa de 2018.
Você se vê, hoje, com muito mais '‘pedigree’' de Seleção Brasileira do que em 2014, apesar de naquela época já possuir uma boa experiência na Europa?
Acredito que sim. Não só pelo fato de já estar há muito tempo na Europa, agora por um bom período no City, mas, principalmente, por estar nesses últimos quatro anos vivendo e jogando pela Seleção. Convivendo com os jogadores e a comissão. No ciclo de 2014, tinha participado de algumas convocações, mas não havia atuado em grandes competições oficiais. Antes da lista final do Felipão, só tinha sido chamado para os últimos amistosos. Cheguei na Copa com pouco tempo de Seleção. Agora já é diferente.
Por que o trabalho do Tite deu tão certo logo de cara, a ponto de o Brasil chegar ao Mundial com grande apoio da torcida e cercado de expectativa?
Primeiro de tudo que ele é bom. A trajetória dele no futebol brasileiro, sobretudo no Corinthians, mostra isso. Foram conquistas significativas. Quando ele assumiu, era um momento delicado, de transição. Mas ele trouxe estabilidade, os resultados foram muito bons. Isso fez a diferença. A forma de ele gerir o grupo é muito boa. Conversa cara a cara com os jogadores, pede a nossa opinião. Faz com que a gente se sinta mais próximo a ele. E fala de maneira clara o que ele precisa. Com isso, o casamento entre um treinador de alto nível com jogadores habituados a desenvolver um futebol de alto nível dá certo. Falamos o mesmo idioma.
Já faz algum tipo de plano para atuar, no futuro, no futebol brasileiro? Existe algum clube de sua preferência?
Quando eu saí do Brasil, meu planejamento era atuar por 10 anos na Europa e retornar. Só que já se passaram de 12 a 13 anos, mas esse sentimento de retornar ao Brasil não aflorou (risos). Vamos ver o que o futuro reserva. Não quero fechar portas, pois não sei o que pode acontecer amanhã. Mas, sem dúvida nenhuma, o Atlético-PR tem o meu carinho. Por tudo o que eu vivi naqueles três anos em que atuei lá. Se algum dia eu decidir voltar, e o Atlético estiver com as portas abertas, para mim, vai ser um lugar que vou analisar com muito carinho. Foi onde vivi um dos melhores momentos da minha carreira. Acompanho, tenho contato com as pessoas. Vai ser bem legal.
'Se eu te falar que não passou pela minha cabeça essa possibilidade de não ser mais chamado é mentira. O que me ajudou muito nesse período foi o trabalho feito aqui no City'
Você tem histórico de fazer gol em final de Mundial (marcou o do título da Seleção sub-20 em 2003). Dá para sonhar em repetir a dose na Rússia?
(Risos). Tive a felicidade de fazer esse gol diante da Espanha, que garantiu o tetracampeonato para o Brasil. Foi um momento especial. É claro que todo jogador sonha em fazer gol, ainda mais com a camisa da Seleção. Se Deus me abençoar, eu fizer um gol e o Brasil for campeão, vai ser excelente. Mas acho que, independente de que eu marque o gol, que a gente chegue bem na Rússia. Não só para os jogadores, mas para uma nação que respira futebol, esse título seria muito importante para todos.
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