Aquele abraço me abraçou. Torreira com Cáceres. Godín com Suárez. Muslera com Laxalt. Tudo com todos. Segundos antes de enfrentar a França. Onze gladiadores prestes a pular em uma arena onde a glória e a desgraça são irmãs cruas. Eu gravei cada estrofe de uma nota só. Em Rostov, Samara, Sochi e em Nizhny Novgorod. O "nós saberemos como cumprir" fez um rugido que me ensinou a razão de ser dos hinos nacionais em uma competição esportiva.
Eu gravei o salto digno de NBA de Josema contra o Egito. A celebração das crianças nas escolas. Cada um se comove com Diego Godín toda vez que ele empurra o time como quem se abaixa, sem raiva ou drama, para começar a empurrar um carro pesado sem uma bateria. Faça uma pausa para o passar do pé de Bentancur contra os russos, Torreira bloqueando mil vezes Cristiano Ronaldo, elevando ao céu Cavani como um anjo da guarda.
Porque a fase de grupos foi superada pela terceira vez consecutiva (como em 1930, 1950 e 1954). Porque eles venceram quatro jogos seguidos (como em 1930), porque eles completaram uma série de quatro jogos invictos contra os europeus (como em 1950-1954). Pelo recorde invicto de Fernando Muslera. Para o registro de gols de Suárez-Cavani em suas três Copas do Mundo.
Existem pessoas para quem essas conquistas são modestas. Existe aqueles que pensam que só serve ser campeão, porque é isso que a história do futebol moderno diz e que nos fez nascer poderoso enquanto o mundo estava sangrando em conflitos armados. Há para aqueles que Tabárez é apenas a expressão de uma certa corrente política e que já o desqualifica não apenas como treinador, mas também pela própria vida. Há para aqueles que esta seleção só ganhou uma Copa América em 12 anos e não são mais de 11 caras correndo atrás de uma bola.
Eu chamo isso de direito ao livre exercício da cegueira. Se havia aqueles que eram incapazes de avaliar a extensão do feito de Emiliano Lasa, sexto no salto em distância Jogos Olímpicos no Rio 2016, é complicado fazê-los entender o valor destas conquistas.
Se as pessoas não se lembram da estreia Uruguai contra a Holanda em 1974, perdendo a Franchi Artemio com a França em 1985, dos seis gols que sofremos da Dinamarca em 1986 (como três danças diferentes!) ou de tentarem agredir os jogadores Senegal no intervalo em 2002 como caminho da salvação, como você vai valorizar este presente tão alterado.
Se há pessoas que discutem Tabárez, seja por suas simpatias políticas ou o paladar do futebol, como entendemos que o tipo de futebol uruguaio refundou, que nos levou para fora do porão, que nos devolveu a alegria de ver a família no Uruguai, que "ressignificou" a dimensão do abraço?
O que importa, então, se suas propostas tendem a ser baseadas em defesa? Se as alterações estão atrasadas. Se você não conseguiu encontrar variáveis ??confiáveis ??para fornecer um dos melhores pares de ataque do mundo. Com a escassez de recursos e a precariedade estrutural, ele conseguiu muito.
E me resta que esses 11 homens vestidos de azul celeste me representam com orgulho. Por sua atitude como equipe. Por sua determinação em lutar contra bolas divididas, pela capacidade de reagir.
Olha, não tenho memória seletiva. Também me lembro que, contra a França, não havia futebol porque não havia descanso físico. Mas também não havia Cavani. E que Muslera, depois de nove anos de créditos, solidez e segurança, foi enviado ao erro para nos lembrar que ele é humano.
Mas o sentimento deixado pela vitória contra Portugal é mais forte. Essa metáfora de viver no limite, de superar a barreira do sofrimento para vencer com angústia. Isso nem todo mundo sabe ou pode.
E que sucesso juntar-se a essas pessoas que estão lutando desde o trânsito até as redes sociais!
Polarizado pelo governo do dia e por idéias políticas, pelo aborto, pela maconha, pela diversidade. Para Peñarol, para Nacional. Porque você tem que inventá-los para sermos nós. Porque quem não pensa como um qualquer já está no caminho de andar para frente. E só por causa disso quem pensa diferente já é um inimigo. Você tem que atacar. Nunca entenda. Nunca se coloque no lugar dele. É irônico que uma sociedade tão cinza seja de repente tão branca ou tão negra. E lá, por trás de qualquer opinião, o insulto e a queixa que na realidade é a necessidade vital que alguns têm de gritar ao mundo sua existência.
Então, de repente, aparece o Uruguai. Esse é um exemplo de união e trabalho em equipe. De humildade, identidade e adesão à causa. Porque responde a um padrão de ideias e valores lançados há 12 anos com um crachá objetivo: resgatar a essência do futebol uruguaio, erradicar seu escuro lado violento e restaurar a competitividade ao mais alto nível.
Isso é o nosso melhor. Os dentes cerrados, vamos saber como cumprir. O grito da escola, o empurrão ao vento. A entrega do jogador. Uma causa comum que nos faz esquecer essa necessidade compulsiva de destilar nossas misérias. Um espelho para olhar quando você quer construir uma sociedade melhor. Sim, mesmo se não formos campeões do mundo.
* O Pool da Copa é a união de grandes veículos de comunicação do mundo para um esforço de troca de informações. O objetivo é manter seus leitores por dentro do que acontece com as seleções de outros países, porém, com uma visão local.