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Tá na Rússia: uma noite no meio da torcida cossaca

Torcedor russo na fan fest de Novgorod dá a temperatura do país em dia de jogo da seleção anfitriã: Muito barulho, pedido de chuveirinho na área e ovação para atacante e treinador 

Torcedores russos deixando a fan fest de Novgorod após  a eliminação da sua seleção nas quartas, em Sóchi 
imagem cameraCarlos Alberto Vieira
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Lance!
Enviado especial a Nijny Novgorod (RUS)
Dia 08/07/2018
07:47
Atualizado em 08/07/2018
12:31

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A despedida do LANCE! da cidade de Novogorod – que teve no França 2 a 0 no Uruguai, nesta sexta-feira, o seu último dos seis jogos na Copa - foi passando a noite deste sábado na fan fest da cidade para a rodada dupla das quartas de final da Copa do Mundo. Primeiro, para os torcedores russos, o aperitivo: Inglaterra x Suécia, duelo em Samara. Depois, o jogo mais esperado, Croácia x Rússia, em Sóchi, na qual os locais sonhava com a classificação às semifinais, o que não ocorria desde a Copa de 1966.

Tome chuva
Com o duelo dos ingleses marcado para as 15h (horário local), a torcida foi chegando aos poucos, sob forte sol. A fan fest já contava com cerca de três mil pessoas quando o telão, que passava clipes e apresentações de artistas russos, passou a transmitir imagens do estádio, já com as seleções entrando em campo para o hino. Foi somente a bola rolar que o tempo fechou. E quando o tempo vira em Novgorod no verão (dia sim, dia não) sai de baixo. É chuva muito forte, com raios a cada 30 segundos .

- Pedimos desculpas aos torcedores, mas é preciso esvaziar a área, para a segurança de todos – dizia o alto-falante em russo, inglês e espanhol. A fan fest fica na área mais nobre de Novgorod, mas trata-se um desacampado. Foi o tempo de quase todos correrem para alguma área com marquise ou barzinhos próximos.

Começou a cair um dilúvio, desses que alaga qualquer cidade grande do Brasil. E demorado. Caiu o mundo durante 2h30, o que levou os milhares de torcedores a perguntarem uns aos outros como estava o jogo em Samara.
- Já está 1 a 0 para a Inglaterra – gritou um tailandês com a camisa da Suécia para um grupo de ingleses, que comemoraram. Foi assim até o fim do jogo que os ingleses fizeram 2 a 0 e se classificaram às semis.

Enquanto isso, era curioso ver centenas de torcedores com bandeiras da Rússia, ensopados, chegando na área de entrada e sendo barrados. Garotos e homens gritando o único bordão (Róssiia, Róssiia) e frustrados.

Mas, aquele mundo de gente molhada ou não, ficaria sem ver o jogo da Rússia nos telões? Afinal, era o grande evento da cidade, e logo em Novgorod, onde o torcedor parecia nem dar muita bola para a Copa. Restando 45 minutos para o início do jogo a chuva parou, e bem parecido com o Brasil, o sol abriu, de leve. Foi a senha para a entrada voltar a ser liberada.

Só que tem uma coisa: num país em que você normalmente passa por duas ou três revistas policiais para entrar em qualquer lugar com grande público, mesmo com as diversos acessos disponíveis, muitos só entraram com o jogo já iniciado. Perderam dois dos melhores momentos: o canto em massa do belo hino nacional (que diferentemente da maioria dos hinos – como os de EUA, França ou Portugal, não tem nada de bélico) e grito do nome dos jogadores.

Dzyuba

Não é bem gritar o nome dos atletas. A grande maioria não despertava emoções. Apenas três ficaram acima da média em aplausos: o goleiro Ankifeev, o artilheiro Cherysev e, acreditem, o único ovacionado, Dzyuba.

Reserva no início da Copa, o grandalhão e desajeitado camisa 22 foi ganhando a torcida com gols decisivos e a comemoração em forma de continência. Sua empatia com o público é enorme. Há torcedores com a camisa, crianças e meninas que ficavam nos ombros de pais e namorados faziam a tal continência para selfies ou mesmo aparecer nos telões.

Cherchesov

E se Dzyuba estava bem cotado, um personagem causava total euforia em todos os torcedores presentes e pode ser considerado, sem a menor dúvida, o mais querido e o mais popular membro da delegação russa: o treinador Stanislav Cherchesov.

Não deixa de ser uma tremenda ironia. Vaiado na fase de preparação, quando o time russo passou quase um ano sem vencer (desde outubro) e acumulando três empates e quatro derrotas e criticado por grande parte da imprensa, este ex-goleiro - reserva do time russo na Copa de 1994, jogou no 6 a 1 sobre Camarões, e que passou parte da carreira no time mais popular do país, o Spartak - virou o jogo e está com status de pop star.

Cherchesov começou a brilhar no jogo na estreia, quando a Rússia fez 5 a 0 na Arábia Saudita e ele foi aplaudido de pé por 80% da imprensa russa na entrevista coletiva após o jogo. O triunfo sobre o Egito na rodada seguinte fez o treinador virar unanimidade pela forma como conseguiu dar alma a uma seleção fraca e levá-la às oitavas. E conseguir eliminar a Espanha foi uma façanha histórica que está fazendo torcedor pedir estátua dele em todos os Kremlins russos.

Também ajuda muito o seu estilo pitoresco. O treinador tem um jeitão cômico, com sua careca reluzente, bigode vintage e o fato de quase não comemorar gols ou vitórias. A Rússia elimina a Espanha e lá está Cherchesov com semblante de quem está fazendo compras em algum shopping ou tomando um kvass (uma bebida típica vendida em qualquer lugar do país, um fermentado de pão e frutas, digamos, o nosso mate gelado – com gosto mais parecido com cerveja). Também é irônico, cobra aplausos, até saiu de uma coletiva (após o jogo com a Arábia) para voltar, pedir desculpas e soltar que "O presidente Putin me ligou, sabe como é..." 

E o treinador tem outra faceta: animador de plateia. Pelo menos uma dúzia de vezes durante o jogo ele pede que o torcedor no estádio se levante e dê apoio para a seleção. E como a TV já sabe disso, só fica esperando ele se virar para a plateia e fazer o pedido, sempre de forma espalhafatosa. Baita imagem! No estádio, seu pedido é ordem e lá vem os gritos de "Róssiia, Róssiia". Quem está na fan fest (Novgorod fica a 2.200km de Sóchi, o mesmo de Vitória a Porto Alegre) faz o mesmo. Imagino que até o torcedor em casa se levanta e fica aos gritos, completando a catarse coletiva.

Espera e explosão
Na fan fest, havia torcedor de todos os tipos. Os de outros países, maioria latina e asiática, estavam em pequeno número e os russos, claro, imperavam. Grupo de adolescentes, muitas meninas, casais em profusão, senhorinhas, homens etílicamente alterados, mas sem causar confusão, um em cada três com camisas em alusão às cores da Rússia ou com a bandeira. Também, muitas cornetas que atazanavam ouvidos alheios, muitos fumantes (como fuma por aqui!) e em toda a parte alguém puxava o "Róssiia, Róssiia". Falta de criatividade.

Como a Rússia quase sempre é inferior tecnicamente, ela se fecha muito na defesa. E é nítido que quando o seu time ataca, o torcedor quer chuveirinho na área, nada de ficar trocando passe ou já tem alguém vaiando. E nessa hora tome “Dzyuba, Dzyuba”. O camisa 22 nem precisa fazer nada, somente aparecer no telão que o torcedor se agita. E quando faz alguma coisa.... Dzyuba tocou para Cherychev abrir o placar para a Rússia, instalando um carnaval. Só durou uns minutos. O gol de empate croata, de Kramaric, fez a fan fest virar um velório pela primeira vez e até o fim do primeiro tempo, quando o time local saiu sob aplausos.

Veio a etapa final. Nada de gol. E um momento de desespero: a bola de Perisic que foi na trave. Valeu perceber que o camisa 10 Smolov também é muito querido, pois quando o veterano saiu do banco para entrar em campo, já na reta final, ocorreu um agito no torcedor.

Fim de tempo normal. Veio a prorrogação. Nada diferente do que ocorre em qualquer lugar do mundo. Tensão, "uhhh" em lance perigoso, torcida calada quando a Croácia virou. Muita gente nervosa, provavelmente fazendo alguma prece ortodoxa (a maioria russa é cristã ortodoxa) e quase colocando a festa abaixo quando,no finzinho, Mário Fernandes fez 2 a 2, mantendo a Rússia viva no jogo, que foi decidido nos pênaltis.

Fim de sonho

Nos pênaltis, perder logo a primeira cobrança deixou o torcedor de Novgorod com a confiança abalada. Tirando a defesa de Ankifeev, as cobranças convertidas pelos russos eram festejadas, mas sem o entusiasmo. No ar, somente tensão. No fim, Rakitic (repetindo o que fizeram contra a Dinamarca) acertou a sua cobrança e eliminou os anfitriões.

Assim, com 15 mil calados, a fan fest virou um túmulo pela terceira e última vez, só quebrado dois minutos depois quando um dos apresentadores entrou no palco e pediu que o público gritasse um muito obrigado Rússia (spassiba, Rússia, na língua deles). E não adiantou entrar o DJ com música techno: em cinco minutos 80% do pessoal já estava a caminho de casa. Quem ficou devia ser gente esquisita para festa estranha.  Aliás, qual festa?

Até a chuva, que felizmente não dera o ar da graça durante o jogo (ainda bem!) começou a cair sob a forma de garoa. Um vento frio dava indício de que o tempo seguiria fechado para o domingo de ressaca. Aliás, o relógio já acabara de virar. Era o primeiro minuto de domingo. Alguns torcedores começaram a gritar o enfadonho "Róssiia, Róssiia". Alguns repetiam o coro. Mas poucos. A sensação era a de que todos acordaram de um sonho e, embora orgulhosos da performance da sua seleção, saíram com o gosto de que, por muito pouco, o time não sobreviveu para dar mais alegrias à torcida. Fim de Copa para Nijny Novgorod.

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