Um grupo de notáveis, empreendedores e profissionais liberais bem-sucedidos, liderados por Vittorio Medioli, prefeito de Betim e um dos empresários-políticos mais ricos do Brasil, é a aposta do Cruzeiro para sair do buraco em que se meteu e que acabou levando o time ao inédito rebaixamento no Brasileirão. Pode até ser uma solução interessante, emergencial, mas é bom que fique bem claro: não passa de um paliativo. O que o Cruzeiro precisa, assim como todos os clubes brasileiros, é de uma gestão profissional, empresarial, que não dependa de mecenas ou dos bem-intencionados de ocasião. Que o faça mover-se com as próprias pernas.
Façamos um mergulho na história cruzeirense.
No início dos anos 60, Felício Brandi, italiano naturalizado brasileiro, assumiu a presidência. No cargo, permaneceu por 22 anos, período em que transformou o Cruzeiro de um clube provinciano em uma das grandes forças do futebol brasileiro. Precursor do marketing esportivo, fez um trabalho nas escolas de ensino básico, multiplicando o número de torcedores. Visionário, construiu a Toca da Raposa, o primeiro CT realmente profissional do país. E montou o super time de Tostão, Dirceu Lopes, Zé Carlos, Piazza, Natal, Pedro Paulo e companhia. Uma era de ouro que levou à conquista do primeiro título nacional, a Taça Brasil de 1966, da Libertadores de 1976 e de dez títulos estaduais (de 1965 a 1969, de 1972 a 1975 e 1977).
Brandi dedicou a vida ao Cruzeiro – há registros de que por pouco não perdeu o seu próprio casamento pois chegou à igreja atrasado, negociando a contratação de Tostão, então jovem revelação do América-MG. E cuidou direitinho da vida de toda aquela geração que criou. No tempo em que ainda se comprava e vendia jogadores como mercadoria – a lei do passe – Brandi pagava luvas nas renovações de contratos não em dinheiro, mas estabelecendo negócios que garantiriam, depois da aposentadoria, o futuro de seus craques. Assim, postos de gasolina, oficinas, tecelagens faziam parte das negociações do clube (ou do presidente) com seus atletas.
Mas Felício Brandi, morto em 2004, foi apenas o primeiro dos “donos” que o Cruzeiro teve no passado recente. De 1985 a 1994 a família Masci, com Benito, Salvador e César, mandou no clube. De 1995 a 2011 foi a vez dos irmãos Zezé e Alvimar Perrela assumirem o comando. Neste período, a Raposa ganhou a Libertadores de 1997, a Recopa Sul-Americana de 1998, o Brasileirão de 2003, a Copa do Brasil em 1996, 2000 e 2003 e 10 campeonatos estaduais entre outros títulos. Essa nova era dourada, contudo, teve um preço alto. Mesmo tendo elegido seu sucessor, os Perrelas deixaram o clube em uma situação financeira caótica. E se afastaram logo depois por divergir das decisões saneadoras de Gilvan de Pinho Tavares que, mesmo sem os patronos – ou talvez por isso -, acabou por fazer administração consistente.
Sem os capos e a com política impregnada por grupelhos, o Cruzeiro mergulhou depois disso na pior crise de sua história. Denúncias graves de desvio de recursos e de empreguismo – quase todas envolvendo o homem forte do futebol, Itair Machado - investigações da polícia, do Ministério Público e da Fifa desestabilizaram o clube que sofreu, em campo, os reflexos do caos, culminando com a queda à Segundona e a renúncia de Wagner Pires de Sá, a quem Gilvan apoiara e com quem também rompeu ao sentir-se traído.
O ocaso cruzeirense é mais um exemplo de quanto o regime atual, onde reinam o amadorismo, os interesses pessoais e nem sempre confessáveis, a vaidade e o humor da cartolagem, atrasa o futebol brasileiro. Não é inédita a reunião de notáveis para salvar um clube do abismo. Vários já passaram por isso. O que realmente importa e pode fazer a diferença é o que virá depois.
Novos donos ou mecenas certamente não resolvem. E é grande o risco de Medioli - que já dita as regras no campeoníssimo vôlei da Raposa, através de uma de suas empresas - ser picado pela mosca azul. O que é preciso mesmo fazer - e este foi o segredo do Flamengo atual, que também ergueu-se do fundo do poço -, é criar sólidas estruturas profissionais, democráticas e transparentes, que sigam o modelo ou, porque não, se convertam de fato em uma sociedade empresarial.