Luiz Gomes: ‘Diretoria do Flamengo errou mais do que Rogério Ceni’
Colunista do LANCE! defende que demissão do técnico na madrugada deste sábado foi nova demonstração da arrogância e da falta de princípios éticos da diretoria rubro-negra
Mérito e forma. Há duas formas de se analisar a saída de Rogério Ceni do Flamengo. Vamos começar pela segunda.
Não há nada que justifique o anúncio da demissão de um profissional às 2h46 da madrugada de um sábado, qualquer que seja o motivo e qualquer que seja a sua atividade. Não é de hoje que a situação de Ceni no Flamengo é discutido dentro do clube e está na pauta da diretoria – aliás esses questionamentos ao trabalho do treinador começaram, sejamos francos, na primeira derrota, com a eliminação na Copa do Brasil para o São Paulo, quando ele ainda morava no Ninho do Urubu para se adaptar ao clube.
Mesmo nesta sexta, os fatos que tornaram o ambiente insuportavelmente conturbado não aconteceram na calada da noite. O documento do ano passado, em que o departamento de análise colocou Geromel e Kannemann como zagueiros do Sport – um erro inadmissível – foi vazado pela manhã. O áudio em que o analista Roberto Drummond chama o técnico de pessoa ruim, mau caráter e que deixou às claras o isolamento de Ceni e a briga de facções dentro do clube veio à público no início da tarde. As reuniões entre Landim, Marcos Braz e Bruno Spindel começaram no início da tarde e a demissão de Drummond foi anunciada pouco tempo depois do vazamento do áudio. Ou seja, todo o cenário estava armado desde cedo.
Demitir Rogério de madrugada, portanto, foi mais uma demonstração da arrogância e da falta de princípios éticos dessa diretoria. O Flamengo e Ceni não mereciam isso.
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Mas vamos aos méritos.
Rogério Ceni deixa o clube com um aproveitamento em torno de 60% - como já ocorrera com Domènec Torrent - com 44 jogos, 23 vitórias, 11 empates, 10 derrotas e quatro títulos conquistados: o Brasileirão de 2020, a Supercopa do Brasil, a Taça Guanabara e o Carioca deste ano. É um currículo curto, mas de respeito. Errou muito – fez escolhas equivocadas em escalações, substituições que se mostraram inúteis, alimentou contradições que ele mesmo criou, como insistir que Pedro e Gabigol não poderiam jogar juntos e em mais de um jogo optar por escalar a dupla.
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Rogério não conseguiu, e isso é fato, resolver um problema crônico do Flamengo atual: a dificuldade de recompor-se quando não tem a posse de bola. E isso tem sido fatal nas derrotas que o time tem sofrido: jogos em que domina a maior parte do tempo, pressiona, tem posse de bola mas acaba surpreendido em contra-ataques ou em, falhas individuais que são reflexo, muito mais da falta de proteção à zaga do que as deficiência de um ou outro jogador. A insistência em nomes como Gustavo Henrique e Bruno Viana custaram estremeceu ainda mais as relações do treinador com a torcida.
Mas Rogério também tem acertos. O deslocamento de Willian Arão para compor a dupla de zaga com Rodrigo Caio mostrou-se eficiente. Assim como o novo posicionamento de Diego, mais recuado, como volante, deu qualidade à armação e fez do camisa 10 o líder em desarmes na equipe. A aposta em Rodrigo Muniz, que o treinador insistiu para que fosse trazido de volta do empréstimo ao Coritiba, o aproveitamento progressivo de Hugo Moura e João Gomes no meio, também são pontos a destacar.
A concepção de jogo de Rogério Ceni estava correta – foi o mais próximo que o Flamengo chegou do Flamengo supercampeão de Jorge Jesus. Mas nem sempre a execução em campo funcionou. E isso tem um peso.
Quanto à questão do ambiente, da personalidade de Rogério Ceni, vê-se agora, depois da sexta-feira negra, que a contaminação era muito maior do que tudo o que se falava. Era uma guerra aberta entre quem não gostava do técnico e uns poucos que o apoiavam. Mas de quem é a responsabilidade por chegar-se a esse ponto? Quando Ceni foi contratado já se sabia que ele era assim, centralizador, desconfiado de quem o cerca, polêmico nas declarações, muitas vezes transferindo responsabilidades e esquivando-se de culpas que são suas. Isso estava no pacote. Faltou pulso e gestão de quem o trouxe para cortar o mal pela raiz, impor limites e regras claras de conduta ao treinador e ao staff do clube. E, certamente, isso se refletiu dentro do campo. E sacrificou todo o trabalho.