Certamente você já conviveu no trabalho com aquela chefe que a cada seis meses trocava alguém da equipe, incluindo alguém que já foi de confiança, como o subchefe ou um auxiliar direto. Alguém que achava que ninguém servia, que o seu jeito de fazer e de mandar era o certo e que fazer diferente era ser incompetente.
E certamente você já se perguntou: mas se ninguém serve para ele, se ninguém pára naquele emprego, se só quem fica na patota dele é que presta, onde estará o problema?
É mais ou menos isso que vem ocorrendo no Flamengo. Pelos corredores e gabinetes do clube transita uma figura divisionista, com um ego do tamanho da galáxia e sem a menor cerimônia de atropelar, seja as claras, seja em manobras de bastidores, quem dele discordar. Seu nome, Luiz Eduardo Baptista, vulgo, Bap.
Não é de hoje que Bap atua nas entranhas da Gávea. Foi elemento perturbador durante toda a gestão de Eduardo Bandeira de Mello e um dos principais articuladores da divisão do grupo original que chegou ao poder em 2013, resgatando o clube do afogamento quase fatal provocado pela gestão da ex-nadadora Patrícia Amorim.
Com a vitória nas urnas de Rodolfo Landim, foi elevado à condição de vice-presidente de relações externas e passou a ser um dos principais, se não o maior, conselheiro do presidente. Esteve no epicentro da crise da premiação no Mundial do Qatar – a mudança nas regras da distribuição dos valores, excluindo membros da comissão técnica e outros funcionários. O então gerente de futebol Paulo Pelaipe, que era contrário à mudança, foi sua primeira vítima na atual gestão, dispensado ao não ter renovado o contrato para a temporada atual. Uma decisão que foi tomada, lembre-se, à revelia do chefe direto de Pelaipe, o vice-presidente de futebol Marcos Braz.
Agora, os tentáculos desestabilizadores de Bap catapultaram o vice de finanças Wallin Vasconcellos, aliado de primeira hora nas articulações de 2012, abrindo uma nova crise que acabou com o pedido de demissão do dirigente. Como Braz, Wallin foi contra a mudança da premiação. Como boa parte dos vices – talvez uma maioria silenciosa – discorda de pontos assumidos pelo Flamengo na condução da tragédia do Ninho do Urubu. Mas, mais do que tudo isso, vinha sendo isolado, atropelado e não ouvido em temas de sua própria área de atuação, tendo cerceada sua intenção de profissionalizar ainda mais os processos financeiros e administrativos do clube, como deixou claro na nota que divulgou após sua saída.
Bap é um homem de comunicação. Foi por mais de uma década CEO da Sky. Tem carisma, visão política apurada, capacidade de articulação e persuasão. Mesmo com tudo isso, contudo, seu poder e influência só crescem por encontrar um rastro aberto pelo presidente do clube, seja por fraqueza, admiração pessoal ou por interesses políticos – o que certo ou errado Bandeira recusou-se a fazer. É verdade, portanto, que se o vice de relações externas hoje se impõe mais do que ninguém nas relações internas, a caneta que o legitima está nas mãos de Landim.
Não há nada de novo nesse cenário. Picuinhas, tititi, traições e alianças de ocasião sempre fizeram parte dos métodos da cartolagem na maioria dos clubes por aqui. Essa, lamentavelmente, é a essência do falido modelo associativo, amadorístico e retrógrado, responsável em boa parte pela estagnação – ou involução - do futebol brasileiro. O que assusta, agora, é isso repetir-se no atual momento vivido pelo Flamengo. Colocar em risco o equilíbrio financeiro e a estabilidade política construída ao longo dos últimos oito anos por conta de vaidades, rompantes e do caudilhismo de uns e de outros – sejam eles quem forem – é um crime. Um crime que pode fazer deste novo Flamengo o maior adversário de si mesmo.
Em tempo: Marcos Braz que se cuide. Ao primeiro deslize no futebol, ele pode ser a próxima vítima.