Por que as Laranjeiras? O projeto do Fluminense com tombamento como desafio
Tricolor apresentou parceria com escritório de arquitetura e agora caminha para o início das obras na sede e no estádio, que terá capacidade aumentada para 7 mil pessoas
O Fluminense está cada vez mais próximo de iniciar as obras de revitalização da sede de Laranjeiras e do Estádio Manuel Schwarz. Desde o anúncio da parceria com um escritório de arquitetura para o compromisso das reformas, torcedores levantaram questionamentos nas redes sociais sobre diversos pontos do projeto. O LANCE! buscou esclarecer todos eles. O local, a princípio, terá capacidade para aproximadamente 7 mil pessoas.
A obra será custeada apenas com o dinheiro da Lei Estadual de Incentivo à Cultura através da patrocinadora Tim. Os vestiários serão modernizados, as arquibancadas que estão na direção do Cristo Redentor, atualmente muito íngremes, precisam ser remodeladas e a ideia é que o gramado seja sintético. Já houve reunião com as empresas que fazem o campo do Allianz Parque e da Arena da Baixada para falar sobre o assunto.
Como o Fluminense ainda não tem a CND (Certidão Negativa de Débito), que está em processo de obtenção, o clube já tem uma parceria de anos com o IDEC (Instituto para Desenvolvimento do Esporte e da Cultura) para projetos voltados aos esportes olímpicos. O instituto vai ajudar também nessa parte para conseguir viabilizar o projeto incentivado. Além disso, é importante ressaltar que, com relação aos ganhos com o estádio, além da bilheteria dos jogos, há a ideia de ter shows (usando as arquibancadas e o gramado), além da venda de naming rights e outras futuras possibilidades.
Enquanto a reforma estiver acontecendo, as categorias de base e o feminino, que jogam em Laranjeiras atualmente, podem atuar em Xerém. O CT Vale das Laranjeiras já adaptou o campo e há estrutura inclusive para transmissão de TV. Ainda não tem refletores para partidas à noite, assim como na sede social, mas a CBF e a Ferj já autorizaram a realização de jogos no local. Veja a seguir outros pontos.
O PROCESSO
Em 29 de janeiro de 2019, o Fluminense divulgou detalhes do trabalho da Encopetro Engenharia Estrutural, que foi contratada com o intuito de dar viabilidade para a revitalização do Estádio das Laranjeiras. O objetivo era avaliar a segurança estrutural para a capacidade de público que as arquibancadas (sociais e populares) conseguem suportar.
Além disso, houve as consultas técnicas aos órgãos como IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) para entender os detalhes do tombamento. Posteriormente, começaram as conversas com a Tim para o projeto de incentivo à cultura.
O último processo foi a escolha da empresa de arquitetura que será mais explicado abaixo. O escritório Apiacás foi quem apresentou as melhores condições técnicas e de preço, ou seja, o valor mais baixo dentro do limite colocado. A empresa foi fundada em 2000 e é dirigida pelos arquitetos Anderson Freitas, Pedro Barros e Acácia Furuya. O escritório desenvolve projetos nas áreas institucionais, residenciais e comerciais para os setores público e privado, como diz o site oficial.
Como será um projeto incentivado, o clube precisa realizar no menor espaço de tempo possível e já tem prazos já estabelecidos. Nos próximos 90 dias, espera a entrega do projeto do estádio. Depois disso, tem mais 90 dias para as outras áreas da sede. Com relação ao início das obras, caso o Flu tivesse o dinheiro todo em caixa, poderia começar imediatamente ao final desses prazos. Como depende da Tim para não mexer no fluxo de caixa, o clube espera ir ao mercado orçar com empresas de engenharia e fazer um processo igual ao do escritório de arquitetura.
Nada impede que o Fluminense complemente com outros patrocinadores diretamente ou do caixa do clube, mas a ideia é tocar somente como projeto incentivado.
POR QUE AS LARANJEIRAS?
Um dos questionamentos gerados pela escolha da reforma é: por que não fazer outro estádio maior, como o Flamengo planeja e vem em conversas para tal? Entende-se que o clube, que tem recursos limitados atualmente, tem hoje a prioridade de terminar o CT Carlos Castilho, que segue inacabado, além das reformas em Xerém. Há também a disputa da licitação do Maracanã e o entendimento que a construção engloba um valor muito acima do que hoje se pode arcar.
No final de 2019, quando a atual gestão assumiu o clube, o Maracanã ainda tinha uma relação distante com o Fluminense, que passou a administrar pela primeira vez o estádio em abril daquele ano. Se hoje o contato é mais direto e a relação está bem estabelecida entre o Tricolor e o Flamengo, antigamente, até por conta da dívida inicial com o estádio (que não existe mais), havia um distanciamento.
Não faria sentido, na visão interna, construir um novo estádio tendo o Maracanã e ainda com a possibilidade da revitalização de Laranjeiras para partidas menores. Isso se soma ao pagamento de dívidas, que reforça que o Fluminense sozinho não conseguiria construir um estádio de médio porte. Os estádios para a Copa do Mundo do Brasil em 2014, por exemplo, custaram o seguinte: 295,4 milhões de dólares na Fonte Nova, 601,5 milhões de dólares no Mané Garrincha, 351,4 milhões de dólares na Arena Corinthians. O Sapporo Dome, no Japão, custou 456,3 milhões de dólares. A fonte é um estudo da Play The Game/Danish Institute for Sports Studies/BCB.
LARANJEIRAS XXI
Logo no início da gestão, o grupo Laranjeiras XXI foi ao clube apresentar o projeto da construção de revitalização de Laranjeiras. A ideia, que existe desde 2017, era o estádio para 15 mil pessoas. Ainda na gestão de Pedro Abad, o ex-mandatário alegou falta de condições financeiras para assumir a reforma. Já com Mário Bittencourt, que fez reuniões para entender o planejamento, o grupo montado para analisar entendeu que economicamente e estruturalmente era impossível.
Ainda há um outro ponto fundamental para a decisão do clube. A zona que a sede está é tombada como uma "área vermelha", ou seja, tem restrições extremamente rígidas nos âmbitos municipal, estadual e federal. Também não há possibilidade de construção na Rua Pinheiro Machado pois a vista dos apartamentos no local, alguns com ângulo para o Cristo Redentor, é tombada pelo Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural). Por isso, os 15 mil propostos inicialmente não poderiam acontecer porque a arquibancada não pode subir naquela direção.
Uma das ideias era fazer o destombamento do local. No Rio de Janeiro isso aconteceu apenas com a Marquês de Sapucaí. Em 2011, os camarotes do antigo Setor 2 foram derrubados para dar lugar a novas arquibancadas, seguindo o projeto original de Oscar Niemeyer. Depois, o local foi tombado novamente. O bairro de Laranjeiras está inserido dentro de uma macrozona de ocupação controlada.
Mas o que isso quer dizer? No site da Prefeitura do Rio de Janeiro, a definição das diretrizes de ocupação é: "controle do adensamento populacional e limitação a novas construções. A renovação urbana se dará preferencialmente pela reconstrução ou pela reconversão de edificações existentes e o crescimento das atividades de comércio e serviços em locais onde a infraestrutura seja suficiente, respeitadas as áreas predominantemente residenciais." Ou seja, não são permitidas novas construções. Além disso, o decreto n° 322, de 1976, define a área como zona predominantemente residencial.
Houve uma tentativa de destombamento nos anos 2000, mas foi reprovada na Câmara Municipal.
CAPACIDADE PARA 7 MIL PESSOAS
Muito se criticou nas redes sociais a provável capacidade para sete mil pessoas. Internamente, entende-se que uma das razões para isso é que, hoje, financeiramente esse número é viável. Mas o mais importante é que a empresa de arquitetura contratada ainda vai elaborar o projeto para definir de fato qual será a capacidade final. Pode ser que nos estudos cheguem à conclusão que caberia mais gente. O projeto que irá dizer, mas é improvável que aumente muito.
Esse número foi apontado no primeiro estudo estrutural de engenharia e também pela capacidade histórica do estádio levando em conta as adaptações. Haverá necessidade guarda-corpo na arquibancada, alargamento de locais onde a torcida circula, banheiros, entre outros. O clube ressalta que poderá jogar todo Campeonato Carioca (exceto clássicos, semifinais e finais), além das duas primeiras fases da Copa do Brasil. Com as regras atuais não pode haver expansão da estrutura.
ESCRITÓRIO DE ARQUITETURA
O Fluminense fez uma RFP (Request for Proposal, ou pedido de proposta), ou seja, uma licitação para escolher a empresa responsável pelo projeto de arquitetura de Laranjeiras. Na última quinta-feira, o clube anunciou a assinatura do contrato com o escritório Apiacás e o IDEC (Instituto para o Desenvolvimento do Esporte e da Cultura), para a revitalização.
O clube chegou a pensar em promover um concurso geral de projetos de arquitetos para a reforma, mas preferiu fazer uma pré-seleção dos 10 a 15 maiores escritórios do país, além de outras indicações. Destes, houve o filtro de quais tinham experiência em restauração de bens tombados e instalações esportivas. Com isso, o clube seguiu nos mesmos moldes de uma licitação pública, mas como carta-convite.
Quatro empresas se apresentaram e três apareceram na sede no momento da abertura das propostas. Mas a escolha interna foi considerando que a Apiacás, além de apresentar as garantias pedidas, tinha um expertise que outras não tinham. Um dos projetos levados pela empresa foi parte da reforma do Estádio Kléber Andrade, em Cariacica, no Espírito Santo.
No edital, ao qual o L! teve acesso, o Fluminense convoca as empresas interessadas para uma reunião em 2 de junho. Há também, em anexo, o mapa das estruturas da sede, o termo de referência, a minuta de contrato e a carta de anuência do INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural). No convite, o clube esclarece os seguintes pontos:
- O estádio (em sua configuração atual) completou 100 anos de sua construção/edificação;
- Em 1962 houve uma demolição parcial (atrás de um dos gols) para a criação e passagem da Rua Pinheiro Machado como conexão do então novo Túnel Santa Bárbara
(para ligação mais rápida entre as zonas norte e sul da cidade), sendo esta a última grande intervenção no local e conferindo ao estádio o seu formato atual em "ferradura";
- Na década de 80 o clube (em especial o estádio) foi objeto de tombamento nas 03 esferas governamentais (federal, estadual e municipal), sendo considerado um patrimônio histórico da cidade e limitando assim modificações radicais em sua estética e estrutura;
- Ao longo dos últimos 25 anos a manutenção do estádio foi mínima, atinente basicamente à pintura e pequenos reparos pontuais;
- O último jogo oficial de futebol profissional com público e cobrança de ingressos foi há 18 anos;
- Atualmente o estádio é utilizado apenas para jogos das divisões de base, feminino, eventos e mesmo assim com capacidade reduzida (antes de a pandemia obrigar ao fechamento total), bem como restrições de uso do segundo pavimento da arquibancada popular;
- A arquibancada social (em melhor estado de conservação) faz divisa com o edifício sede histórico e, abaixo das mesmas, existe a utilização de espaços voltados à administração interna do clube com diversas salas e estações de trabalho;
- Em 2021 o clube encomendou e já recebeu um extenso trabalho de verificação estrutural, consubstanciado em um laudo final emitido por empresa de engenharia com experiência em restauração e reforço estrutural de imóveis tombados de grande porte, o qual indica a necessidade de reforço para que seja retomada a utilização com público (projetado / desejado de até 07 mil pessoas);
- A fonte recursos pagadora do projeto se dará através de patrocínio via Lei Estadual de Incentivo à Cultura (Lei 8.266 de 2018). Projeto este elaborado pelo IDEC conforme todas normas da lei e seguindo as demandas do Fluminense Football Club;
- Este edital segue o modelo de carta convite e seguirá os critérios de técnica de execução e preço para escolha da empresa mais adequada para execução dos serviços a ser determinada pela Comissão de Seleção deste edital.
O edital ainda ressalta que "Serão consideradas pela comissão todas as propostas cujos os valores globais respeitarem o teto de orçamento de R$ 459.000,00 e o valor mínimo de R$ 229.500,00, abaixo do qual será considerado inexequível diante da complexidade do tema e da necessidade de elaboração do projeto segundo as normas vigentes, incluindo normas de Bombeiros, Polícia Militar, Vigilância Sanitária, Acessibilidade e Cadernos de Encargos para estádios, respeitados todos os tombamentos."
A expectativa do clube é poder realizar alguns jogos oficiais no local a partir de 2024. O estádio Manoel Schwartz, a primeira casa da Seleção Brasileira, foi inaugurado em 11 de maio de 1919 e completou 100 anos em 2019.