Ao L!, Flavio Gomes lamenta saída do Fox Sports, critica CADE e conta clima de angústia por demissões

Jornalista afirma estar orgulhoso de sua trajetória no canal, avalia próximos passos na carreira e fala do sucesso 'Fox Sports Rádio': 'Vou sentir falta dos debates malucos diários'

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O jornalista Flavio Gomes está de saída do Grupo Disney. Após as recentes mudanças nos canais esportivos Fox Sports e ESPN Brasil, Flávio foi mais um dos profissionais que acabaram perdendo espaço na fusão. Ao LANCE!, o comunicador diz que sentirá falta dos "debates malucos" no "Fox Sports Rádio", afirma estar com o sentimento de "dever cumprido" e revela como eram os bastidores da emissora durante a pandemia.

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Durante os sete anos na emissora, Flavio cobriu duas Copas do Mundo, se emocionou com o acidente com o elenco da Chapecoense em 2016 e conta estar triste com o fim do canal. O comunicador ainda criticou o CADE por obrigar a fusão entre as duas grandes marcas - o que gerou o alto número de demissões.

Flavio explicou que sequer houve conversa para que ele acertasse sua saída - apenas uma reunião de cerca de oito minutos. Em tom de satisfação pelo trabalho feito no jornalismo, "Flavinho" disse que se divertia com as brincadeiras ao vivo no Fox Sports, e assume que ainda não sabe qual seu próximo desafio na comunicação.

"Fox Sports Rádio" acontece de segunda a sexta-feira (Reprodução)

"É triste ver um canal morrer desse jeito. E é muito triste ver quanta gente perdeu o emprego"


CAOS E EQUILÍBRIO: FOX RÁDIO É UM FENÔMENO DA TV ESPORTIVA

Um dos debatedores enérgicos do programa, sucesso de audiência, "Fox Sports Rádio", ele assume que sentirá saudade do grupo liderado por Benjamin Back, que também está de saída, diz que levará a amizade com os colegas para o resto da vida e tentou explicar o que na atração captura tanto o público.

ANGÚSTIA POR MAIS DEMISSÕES

Além disso, o experiente jornalista ainda revelou o clima nos bastidores dos canais Fox Sports. Embora pandemia de coronavírus tenha afastado a conversa diária nos corredores da emissora, Flavio conta que a tensão entre os funcionários aumentava a cada dia e que já era sabido que terminaria nessa "desgraça", segundo ele.

Confira na íntegra as respostas de Flavio Gomes após deixar o Fox Sports:
LANCE!: Qual o seu sentimento agora que deixou o Fox Sports após seis anos no canal?

Flavio Gomes:
Clichê dos clichês, mas não encontro nada muito melhor: de missão cumprida. Foram sete anos muito intensos, em que passamos por momentos belíssimos e outros muito difíceis. Nem preciso dizer que a morte de nossas seis estrelinhas no acidente da Chapecoense em 2016 foi algo muito, muito traumático.

E não foi fácil para um grupo como o nosso se reerguer diante de tamanha tragédia. Foram dias tristes, de muita reflexão e esforço para superar aquilo e reagir. Óbvio que nada se compara à dor das famílias, claro, evidente. Mas éramos da mesma família, de certa forma. No mais, o Fox Sports, sob a liderança especialmente de duas pessoas, o Edu Zebini e o Márcio Moron, foi um projeto vitorioso. Em pouquíssimo tempo se tornou líder de audiência entre os esportivos no cabo e referência num estilo de fazer TV.

Fizemos duas grandes Copas, coberturas espetaculares, programas marcantes. Estou triste com o que parece ser o fim iminente do canal. Mas feliz e orgulhoso por tudo que fizemos. Acho que esse sentimento é o de todos, porque sabemos que construímos alguma coisa que vai deixar saudade. Legado, como se diz. Momentos marcantes? Acho que a Copa da Rússia. O que vivemos lá está no coração de cada um e nunca vamos esquecer.

Flavio Gomes chegou na emissora em 2014 (Arquivo Pessoal)


L!: O Grupo Disney vem fazendo algumas mudanças e grandes nomes do jornalismo acabaram deixando a emissora. Como foram as conversas até a sua saída? 

- Não houve propriamente conversas. Desde a venda da Fox como um todo para a Disney, há uns dois anos, sei lá quantos, já se imaginava que alguma coisa ia respingar na gente. Ainda mais sabendo que a Disney é dona da ESPN, marca concorrente. Num primeiro momento, as decisões do CADE apontavam para a necessidade de venda do canal.

Mas acho que todos sabíamos que seria difícil aparecer alguém para comprar um canal de TV, ainda mais com a economia arrebentada graças a essa tragédia do governo Bolsonaro. Uma das tragédias, talvez a menor, porque com esse cara na presidência nossa vida como um todo virou uma tragédia, um pesadelo. Não sei bem quais foram as propostas de compra, andamos recebendo uns gringos na sede do Rio no ano passado, gente que ia ver a TV de perto, pareciam pessoas levadas ao prédio por corretores de imóveis!

Mas o fato é que à Disney, aparentemente, nenhuma oferta interessou. Talvez, mas não tenho como afirmar isso, a Disney não quisesse vender a Fox para que não seguíssemos como concorrentes da ESPN. O fato é que sem compradores o CADE, neste ano, foi meio que levado a aprovar uma fusão. Fraquejou. A ideia inicial de pelo menos preservar os empregos foi para o lixo. O que não me surpreende, porque é um órgão de governo e esse governo está pouco se lixando para quem trabalha.

Quando essa decisão foi anunciada, foi apenas questão de esperar o tempo passar para se chegar a esse desfecho que considero abominável. Comigo houve apenas uma conversa, ontem, segunda, dia 7. Começou às 9h43 e terminou às 9h49. Fui informado que meu contrato não seria renovado, agradeci e fui fazer meu café da manhã. Dois espressos da minha Bialetti italiana velha de guerra e torradas francesas. Estavam ótimas.

L!: Assim como o Benja, você tem outros trabalhos conhecidos além da TV. Em conversa com o L!, o Benja comentou a dificuldade de um contrato de exclusividade nos termos colocados. O quanto isso pesaria para você? Achou justo o pedido da Disney?

- Ah, não vou discutir se o que a Disney pediu ao Benja era justo, ou não. Aparentemente, com ele, houve uma negociação. O que sei, li na imprensa. Não falávamos do assunto. Estávamos havia nove meses fazendo programas de casa, e quando os programas terminavam cada um ia cuidar da sua vida. Creio que as negociações individuais com a Disney foram conduzidas de forma privada.

Passamos meses no escuro, sem perspectiva nenhuma, sem informação. Da mesma forma, não faz muito sentido especular o que eu diria se me pedissem a mesma coisa. Na verdade, eu não tenho outros trabalhos além da TV. A TV era meu único emprego. O meu site Grande Prêmio eu já havia repassado para meus funcionários em 2016. Faço um blog, que não é propriamente um trabalho remunerado. Aliás, ele completou 15 anos no dia 5 de dezembro e eu simplesmente esqueci a data. Uma vergonha.

No mais, nem considero essas outras mídias uma atividade jornalística – Instagram, Twitter, YouTube. Para quem faz jornalismo nelas, OK, podem até ser. Tem gente muito séria usando essas plataformas para sobreviver, e admiro quem abraçou esse caminho. Mas eu nunca fiz jornalismo em redes sociais. Tenho um pouco de preguiça delas.

UNIDAS: Logos de ESPN Brasil e Fox Sports se juntaram (Foto: Divulgação)

L!: O Fox Rádio se notabilizou com brincadeira e tom de debate sobre esporte, inclusive com apostas e fantasias. Qual é, na sua visão, o motivo do tamanho sucesso?

- Acho que houve o que se chama de química entre nós. Somos todos muito diferentes, e nossos estilos nunca foram reprimidos. Éramos muito autênticos no ar, nunca combinamos nada, as brigas e discussões eram 100% autênticas e espontâneas, e acho que o público percebe isso. Entrávamos no ar sem roteiro, apenas o Benja e o coordenador – Rogério Micheletti, Marcel Alonso, Murilo Grant – sabiam mais ou menos os temas que seriam abordados.

Mas quando começava o programa virava uma zona incontrolável. Teve um programa em que, do nada, desandei a falar da morte do Senna e fiquei uma hora e quinze contando aquela história. Era assim, divertido, descontraído, imprevisível. O Benja tem enorme responsabilidade nisso, sabia conduzir o programa como ninguém.

Mas acho que todos nós, com nossas manias, contradições, implicâncias, contribuímos muito para fazer um produto deliciosamente caótico. Se eu estivesse em casa no horário, seria um programa ao qual assistiria. Vou sentir muita falta, sim, desses debates malucos diários. E dos amigos, todos queridos e que vou levar para a vida inteira.

L!: Qual era o clima na emissora durante a fusão?

- A condução da fusão coincidiu com a pandemia, quando as coisas começaram efetivamente a acontecer à nossa revelia. Nada do que fizéssemos, de bom ou ruim, mudaria o destino de cada um. O canal continuou com grande audiência e estava no azul. O que mais poderíamos fazer? Como não tínhamos mais a convivência de redação, de estúdio, porque começamos todos a trabalhar de casa, é difícil definir um “clima”, genericamente.

Cada um aguentou o tranco sozinho, em casa, com suas angústias e ansiedades. Sei lá, foi um misto de tristeza e melancolia aumentando a cada dia, que a gente conseguia superar no ar. Mas todos sabíamos que o desfecho seria essa desgraça toda.

É triste ver um canal morrer desse jeito. E é muito triste ver quanta gente perdeu o emprego, quantos ainda perderão, e como a Disney conduziu esse processo. Foi meio desumano. Mas não digo que tenha me surpreendido.


L!: Dentro do “Fox Rádio”, era comum entre vocês algumas brincadeiras. Com o tempo, alguns torcedores de alguns clubes acabaram pegando mais no seu pé. Como esse "hate" te afeta? 

- Nunca me importei com as brincadeiras, pelo contrário. Sempre me diverti muito com elas durante os programas. Adorava minhas imitações toscas do Pascoal, me fantasiava de qualquer coisa, eu sei rir de mim. Sormani, Benja, Mano, Mário Sérgio, depois Facincani...

Todos nos respeitávamos, apesar de ultrapassar alguns limites, às vezes, o que considero normal em se tratando de um programa de quase três horas diárias, durante sete anos. Nunca, nunca me incomodei com nada, nunca levei nada para casa, os paus que quebrávamos acabavam ali. Eu vejo o futebol com alguma seriedade, claro, afinal envolve muita gente e muitas paixões, e elas devem ser respeitadas.

Mas futebol, para mim, tem um lado lúdico que jamais pode ser relevado, e era esse lado que eu procurava explorar no ar. Durante minha vida toda me diverti com futebol nos estádios, no rádio, na TV. Não seria diferente num programa diário.

E sempre observei o futebol muito mais como fenômeno social e cultural do que como esporte, simplesmente. Apesar do caos, havia uma certa ordem e equilíbrio naquela bagunça. Quanto aos haters, às milícias digitais, com o perdão da expressão, sempre caguei e andei para eles e elas.

L!: Acredita que a sua passagem pela ESPN antes de 2014 tenha afetado de alguma forma a decisão de agora?

- Minha passagem pela ESPN Brasil de 2005 a 2013 foi maravilhosa. Os “anos Trajano”, assim mesmo, entre aspas, foram históricos para a TV brasileira e sou muito grato por ter participado por oito anos dessa aventura inacreditável, do ponto de vista jornalístico. Minha saída, sim, foi uma bobagem sem tamanho.

Não minha, apenas. OK, da minha parte foi também uma besteira, sair batendo boca com babacas de Twitter por causa de um jogo. Mas, pensando bem, a Portuguesa foi mesmo roubada naquele jogo contra o Grêmio e, como torcedor, tenho todo o direito de me revoltar. Naquela noite de sábado, na minha casa, vendo a Lusa ser assaltada na TV, eu era um torcedor inconformado no Twitter, na minha conta pessoal.

HUMOR E ESPORTE: No "Fox Rádio", jornalista entrava nas apostas (Reprodução/ Fox Sports)


Depois, houve uma sequência de ameaças pelos tais haters e uma delas, em particular, me fez perder a cabeça: sabemos onde seus filhos estudam e vamos matar os dois, disseram alguns. Aí fiquei puto, mesmo, e falei merda. Mas eu não demitiria ninguém por causa disso. Costumo dizer que se fosse o Trajano ainda na direção da ESPN Brasil naquele dia, ele ia atirar um cinzeiro na minha cabeça, me xingar e me mandar para a maquiagem para apresentar o Bate-Bola.

O João Palomino, então diretor, teve atitude diferente. Sucumbiu à pressão do presidente do Grêmio na época e disse que não iria renovar meu contrato. Isso me emputeceu ainda mais. Em oito anos de ESPN Brasil, nunca me deram um contrato. Para ser bem preciso, tive um ano só, mas quando fui “demitido” estava sem contrato.

Trabalhava feito um camelo, fazia rádio quatro vezes por semana por 12 horas seguidas no ar, e não tinha garantia nenhuma de nada. "Como assim, não vai renovar meu contrato? Qual contrato?", perguntei pro Palomino. Levantei, peguei meu Lada estacionado na rua e fui embora.

Processei a ESPN Brasil, ganhei em primeira instância, eles recorreram e o recurso caiu na mão de uma juíza que, naquele dia, julgou dez recursos e deu ganho de causa às empresas nos dez. Saí sem nada. Agora, se esse processo influenciou na minha saída agora, não sei. Não perguntei.

L!: Você tem outro projetos além da TV: GP, livros, entre outros. Quais seus objetivos agora sem o Grupo Disney?

- O jornalismo no qual me formei e no qual construí minha carreira não existe mais. É como, sei lá, fábrica de máquina de escrever e loja de revelar filme. Não existe mais, acabou, vivemos outra era e, sinceramente, não estou muito interessado em ser agente disso que virou a indústria da comunicação.

"Quando eu olho para trás, vejo que fiz alguma coisa. Quando olho para a frente, não sei direito o que vejo. Mas não me apego a isso"


Acho, sim, que o jornalismo profissional é essencial, muito importante, necessário mesmo. Porque hoje qualquer tuitada ou postagem de Instagram é confundida com jornalismo. Não são a mesma coisa. O problema é que as pessoas já não conseguem separar o que é jornalismo de verdade, relevante, das irrelevâncias da internet, que são em maior número, nos inundam a cada segundo com conteúdos desimportantes ou, o que é bem pior, mentirosos. Acho que nós, jornalistas, estamos perdendo essa batalha.

E não por culpa nossa. Somos em menor número. Não culpo o jornalismo. Ele será sempre sagrado, para mim. Mas não sei se estou a fim de lutar essa guerra. Tenho planos? Sim. Vou escrever mais livros? Sim. Vou continuar com meu blog? Sim. Vou ficar arrastando corrente como um fantasma esfarrapado para seguir no jornalismo esportivo a qualquer custo? Não.

O jornalismo me deu muito, me deu tudo. E eu acho que dei muito ao jornalismo, também. São 38 anos de profissão, fui repórter, editor, redator, comentarista, apresentador, blogueiro, criei um site, montei uma agência de notícias, escrevi para mais de 65 jornais, fui correspondente de rádio italiana, dei emprego, coloquei muita gente na profissão, trabalhei na Rádio Cultura, na Rádio USP, na Folha, no LANCE!, na Placar, na Jovem Pan, na Bandeirantes, na Eldorado, na ESPN, na Fox, cobri 250 GPs de F-1, fiz telejornais apresentados em aviões da Transbrasil, viajei o mundo, fiz sei lá quantas Copas e Olimpíadas, tenho um puta orgulho da minha trajetória. Muito, muito mesmo.

Quando eu olho para trás, vejo que fiz alguma coisa. Quando olho para a frente, não sei direito o que vejo. Mas não me apego a isso, não tenho problema algum em mudar de rumo, e talvez tenha chegado a hora. Tem um mundo lindo aí na frente. Lindo, lindo mesmo, apesar de tanta maldade, iniquidade, desgraça, miséria, tristeza. Eu vou em busca dela, dessa lindeza que, se souber procurar, a gente encontra.

* sob supervisão de Tadeu Rocha

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