Cristiane aponta desafios no futebol feminino, fala sobre preconceito e aconselha novas gerações
Atacante participou do Especial de Dia das Mulheres em exclusiva ao Lance!

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Maior artilheira da história das Olimpíadas e uma das principais jogadoras em atividade do mundo, Cristiane concedeu uma entrevista exclusiva ao Lance! no 'especial de Dia da Mulher' e falou sobre os desafios que ainda enxerga no futebol feminino.
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- Eu acredito que a gente ainda tenha alguns (desafios) consideráveis dentro da modalidade. Nem todas as equipes têm uma estruturação adequada ainda para a prática do futebol. Nem todas as atletas conseguem de fato expressar o que pensam, o que sentem, o que pode ser melhorado dentro do próprio ambiente. A gente ainda sente um pouco essa dificuldade.
Além destes desafios, Cris pontuou a dificuldade das mulheres seguirem no esporte mesmo após a aposentadoria. Diferentemente dos homens, que têm vaga quase garantida em clubes de futebol ou canais de televisão, as ex-jogadoras não conseguem ter o mesmo espaço e as mesmas oportunidades.
- Existe a dificuldade de ex-atletas que jogaram futebol durante muitos anos de terem oportunidade de trabalhar nos clubes. Muitas não conseguem porque a grande maioria da comissão técnica são com homens, né? E aí seja o amigo do amigo ou alguém que foi indicado, que conhece. Às vezes é muita quantidade e menos qualidade dentro das comissões técnicas. Isso de certa forma atrapalha até o desenvolvimento e o crescimento de algumas atletas, né? Porque você acaba às vezes pegando uma pessoa, um cara que entrou, que era amigo de alguém, que foi indicado. Não tem o tato com o futebol feminino ou ele não teve espaço no futebol masculino. E o lugar que foi mais fácil para ele entrar foi o futebol feminino.
- É curioso, porque a gente não tem essa oportunidade no futebol masculino, nós não temos, dificilmente teremos (pode ser que isso o dia mude), mas dificilmente a gente vai ver uma mulher sentada no banco de reserva sem auxiliar técnica de um treinador numa equipe de Série A. Mas a gente vê o tempo inteiro isso acontecendo no futebol feminino, em um espaço que, teoricamente, era pra ser cada vez mais ocupado por nós, ainda é ocupado por boa parte por homens, justamente em pontos que entram, que é o amigo do amigo que indicou, ou um cara que não teve oportunidade no futebol masculino por N motivos, aí ele migra pro feminino, não é porque ele ama, não é porque ele acompanha, é porque começou a ser rentável e, de certa forma, ele não tem pressão como se tem no futebol masculino.
- Então a gente também ainda enfrenta muito essa dificuldade da gente mesmo conseguir trabalhar dentro do futebol feminino e as portas estarem fechadas - opinou.

Aos 39 anos, Cristiane começou sua trajetória no futebol em 2005, quando se tornou profissional do Juventus-SP. Desde então, a atacante esteve presente na evolução do futebol feminino e também na aceitação das mulheres em outras áreas profissionais.
- Eu acho que preconceito a gente enfrentou durante muito tempo foi a aceitação do futebol feminino, o respeito com o futebol feminino, com as mulheres. Seja dentro do próprio clube, seja nos estádios para quem acompanha. Melhorou bastante, mas ainda tem uma pessoa ir para o estádio só para ficar te ofendendo, te xingando.
Atualmente no Flamengo, ela relembrou como foi seu início no futebol e como superou o preconceito. Segundo a atacante, sua motivação para nunca desistir foi por acreditar no seu potencial e também em um papel futuro que ela teria na vida de meninas que têm o sonho de seguir carreira.
- Ou a gente enfrenta ou a gente acaba cedendo para essas pessoas e não dá continuidade na realização de um sonho nosso pessoal, um sonho do nosso familiar, um sonho de mudar a nossa vida. Eu acho que a minha superação sempre foi acreditar na capacidade, naquilo que eu conseguiria exercer, o quanto eu poderia mudar a modalidade. Mudou muito de quando eu comecei, mas era, 'ah, menina não pode jogar bola', 'ah, você está no meio dos meninos', 'ah, você não se veste como menina',' ah, o uniforme não é feminino'. Então, foram tipos de situações nas quais eu vivi.
Sobre as ofensas, Cris apontou o principal 'inimigo' das jogadoras: as redes sociais. Segundo ela, atrás das telas que as pessoas "descarregam" sua revolta contra a modalidade, principalmente em páginas de esportes, que têm mais da metade de usuários homens.
- As redes sociais estão aí, né? Para mim, é o lugar mais tóxico em relação ao preconceito com o futebol feminino, onde ali a maioria descarrega a sua revolta de não respeitar a modalidade. E com comparações ridículas às vezes até, né? Então, eu acho que ainda a gente tem esse preconceito nesse âmbito, dentro das próprias redes sociais. Quando se fala do futebol feminino, quando passa o futebol feminino, quando páginas de esporte divulgam o futebol feminino, a gente sabe que 90% ou mais de quem consome essas páginas de esporte na internet são homens. Então, sempre quando entra alguma notícia do futebol feminino, nunca é bem vista.

Aviso às novas gerações e dia-a-dia da maternidade
Mãe de Bento, de 3 anos, e à espera do segundo filho, Cristiane pontuou o que precisa ser feito para que haja o fim do preconceito, principalmente contra a mulher: educar os meninos desde pequenos contra o machismo.
- Olha, o que a gente consegue fazer diferente em relação ao machismo, que é enraizado, é como a gente educa os nossos meninos, como que a gente mostra pra ele que não deve existir o preconceito com as meninas que praticam futebol, o respeito que precisa ter... Então já começa daí, né, os pais, as mães, os avós, quem cuida das crianças, a partir de pequenininho, já começar a ensinar isso a ele, porque para adulto é mais difícil, né, você tentar colocar na cabeça de um adulto que não dá pra ele ser machista nas redes sociais, é complicado.

Desde 2020 com a advogada Ana Paula Garcia, a atacante revela como faz para conciliar a vida pessoal e a vida profissional. Cris ressalta a importância da comissão técnica nos desafios da maternidade, ainda mais nessa nova fase em que esperam mais um bebê.
Eu sinto muita falta da minha família, o meu filho também, logo a minha filha. A gente sente muita falta um do outro, de estar nas viagens, de estar distante, de estar no dia-a-dia também com a minha esposa, podendo contribuir com os afazeres de casa. A gente ainda não tem nossas mães próximas da gente nesse período, elas virão mais próximas mesmo do nascimento da neném. Não é tão fácil não, tá doente, tem que ir pro hospital de madrugada, tem que ficar acordada.... Eu acho que parte também muito mais ali do entendimento da comissão que trabalha com você, o quanto eles vão te ajudar com isso, que isso também acaba trazendo uma tranquilidade, sabe, de saber que do outro lado tem o entendimento da tua comissão em ajudar nesse processo de maternidade.
Cristiane pelo Flamengo
A atacante Cristiane chegou ao Flamengo em 2024, e foi um dos destaques da equipe, tornando-se artilheira com 17 gols e 25 jogos. Destes, 11 foram no Campeonato Brasileiro, competição no qual o time não avançou à próxima fase. No início do ano, a mamãe Cris, como é conhecida, anunciou sua renovação até o fim de 2026.
Neste domingo, a veterana terá mais um desafio pelo Flamengo, além das disputas da Copa Rio: a Supercopa do Brasil Feminina. O Rubro-Negro enfrenta o Real Brasília, às 15h (de Brasília), pelas quartas de final, em jogo único. Quem vencer, avança à semifinal.
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