Jô abre o jogo sobre vida extracampo: ‘Exagerava. Estava no meu limite, queria me reencontrar’

Nos Emirados Árabes, atacante também revela que quase substituiu Guerrero no Corinthians, cutuca o chileno Valdivia e fala sobre seca de camisas 9 na Seleção

imagem cameraJô foi campeão e artilheiro da Libertadores de 2013 pelo Atlético-MG (Foto: Gil Leonardi/ LANCE!Press)
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Lance!
São Paulo (SP)
Dia 06/01/2016
02:38
Atualizado em 08/01/2016
10:00
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A vida noturna foi uma das mais próximas companheiras de Jô em sua última – e conturbada – passagem pelo futebol brasileiro. O atacante conquistou títulos e fez gols dentro de campo, mas se envolveu em vários problemas fora dele.

Foram relatos de festas e excessos na vida particular, como o próprio atacante admite nesta entrevista ao LANCE!. No Internacional, clube que o repatriou em 2011, foi dispensado por indisciplina.

Pelo Atlético-MG, Jô viveu o céu e amargou o inferno. Em 2013, foi campeão e artilheiro da Copa Libertadores. Em 2014, sumiu do clube por uma semana e foi afastado por indisciplina, em decorrência de “problemas pessoais” ocorridos em um hotel curitibano após o Galo ser derrotado pelo Atlético-PR no Brasileirão daquele ano.

Jô sabia que seu tempo no Brasil havia acabado. Precisava se afastar dos prazeres mundanos. E foi para longe, para 11.850km distante das festas na Pampulha.

Foi para o Al-Shabab, dos Emirados Árabes, onde deseja se reencontrar pessoal e profissionalmente. Para, quem sabe, voltar a ser lembrado somente pelo futebol.

Confira a entrevista exclusiva com o atacante Jô:

Você teve muitos problemas no Atlético. Achou que saiu na hora certa do clube? 

Sim, minha decisão maior foi essa. Foram três anos dentro do clube, ganhei os principais títulos. A gente viu que a relação estava desidratando. Saí pela porta da frente. Teve o episódio em 2014, poderia ter saído pela porta de trás. Kalil (então presidente do Atlético-MG) me devolveu ao futebol. Já era hora de sair. Meu ciclo já estava se fechando. Veio um jogador capacitado que foi o Lucas Pratto. Pra eu não me desgastar, para não ter nova briga, decidi sair. Foram bem cabeça aberta comigo. Foi muito bom vir para cá. É um lugar totalmente diferente do Brasil. Para viver é muito bom. Saí de um lugar onde estava um turbilhão para respirar coisas novas.

Você sentiu que precisava sair do Brasil para se reencontrar?
É claro. É uma nova vida. Começa a viver novas coisas, novas pessoas. Passa a ter outros costumes, a rotina é outra. Eu precisava dessa mudança. Chegou em um momento que necessitava. Não era uma opção. Era obrigação mudar. Não ia mais conseguir evoluir. A tendência era cair. Eu tive consciência de assumir os erros e saí por cima do Atlético.

O que estava acontecendo?
São problemas que às vezes acontecem. Mistura pessoal com o profissional e acaba não batendo. As coisas acontecem. Você vê vários jogadores que também passam por isso. Alguns não ficam com instabilidade, outros ficam.

Como você recebia as críticas por aparecer em festas?
É a mentalidade do povo brasileiro ter essa cobrança em cima do jogador. Vejo que não existe cobrança dessa em um jogador de vôlei. Conheci alguns que fazem as coisas no limite e não são cobrados como os jogadores de futebol. Fora do país, não se vê essa cobrança. É difícil ser jogador de futebol. Jogador não pode ir no bar, restaurante. Tem jogador que não consegue sair e sofre com isso. Fui cobrado desse jeito. Ficava comprimido dentro de casa, com medo de sair. Abri minha cabeça que é preciso ter vida pessoal, tem que fazer suas coisas. Você tem que ser cobrado dentro de campo. Se alguém chega e fala: “Jô, você não está correndo dentro de campo, marcando gols”. Tenho que aceitar. Já se falar que estou indo para restaurante, saindo, estou deixando de fazer meu trabalho bem feito... Vou dar um passo atrás e reconhecer. Tem que ter cabeça no lugar.

Você passou do limite?
Quando passa do limite, dentro de campo não produz o que produzia antes. Você tem que pensar e dar um passo atrás. Atrapalhava minha vida profissional e pessoal. Exagerava, mas eu não podia exagerar. Não podia extrapolar. A gente vê jogadores fazendo isso. Muitos jogadores sabem que a vida pessoal está muito fora do normal e não rendem bem em campo. As coisas andando bem fora, andando dentro dos limites, não tem problema nenhum. Só ter limite. Jogador tem que ter vida pessoal, tem que continuar curtindo, fazendo as coisas.

Jô em festa durante o ano de 2014 (Foto: Divulgação)

Você ficou um mês sumido do Atlético-MG em 2014. Por quê?
Na época, eu conversei com a diretoria e falei que dali faltava um mês para acabar o campeonato. Eu lá um mês, com a cabeça que estava, não iria ajudar em nada. Não jogaria como todo mundo está acostumado a ver. Queria ficar de férias, ver o que fiz de errado. Por isso que falei que eles foram muito humanos comigo e muito corretos. Eles me multaram como determina a regra do clube. Pensei, voltei em 2015, como se estivesse recomeçado. Saí por cima. Todo ser humano merece oportunidade. Uns não levam isso a sério. Comigo, deu certo.

Na época, disseram que o problema foi com sua esposa...
Era tudo mentira. Foram problemas particulares. Nessa parte, entrar em detalhes, situações que para um ser humano resolver não é fácil. Eu não gosto de falar da minha vida pessoal. Cada um tem sua vida particular. Eu não falaria. Problema houve. Detalhes não é legal expor. Ainda mais quando é da sua família.

Seu desempenho piorou após a Copa de 2014. O que aconteceu?
Foi um sonho frustrado. A cobrança era muito grande, uma Copa no seu país. Tomar aquele 7 a 1 não foi fácil. Até hoje é falado daquele placar, ficou aquela cicatriz. Logo depois da Copa, as coisas começaram a não dar certo. Alguns voltaram a conseguir se concentrar. Pra mim, deu tudo errado. Junto uma coisa com a outra. A gente frustrou o sonho de muita gente. Eu fiquei muito triste. Todo mundo poderia ter a oportunidade de ser campeão. Aquilo ali doeu muito. Recebi ajuda da família e amigos para recolocar tudo no eixo. Eu estava no limite. O pós-Copa foi muito difícil para mim, uma cobrança gigantesca, estava me desgastando, com problemas.

Você acha que ainda pode ser convocado novamente para a Seleção Brasileira?
Dunga tem essa coisa boa, que é ter um leque de opções. Ele observa todos os campeonatos. Quando fui convocado, estava no CSKA (RUS), ele disse que acompanhava alguns jogos. Ele convocou o Everton Ribeiro que já estava aqui (nos Emirados Árabes). Tenho a esperança de voltar. Tenho que voltar a fazer gols, ter boas atuações. A gente sabe como é o futebol. Atacante vive de gols. Independentemente de onde esteja, se fizer o seu trabalho bem feito, vai ser chamado. Pode ser na China, no Japão, nos Emirados. Tenho a esperança de voltar a defender a Seleção.

Jô disputou a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014 pela Seleção (Foto: Divulgação)


Você, como camisa 9, fica feliz pela seca de atacantes que o Brasil tem atualmente?
Para o jogador, que está na posição, se não tem fixo, fica feliz. Sempre tem que querer buscar. Realmente está difícil. O Brasil testou muito. Fred, Pato, Luis Fabiano... A gente está tentando. Todos os jogadores que citei tem qualidade. Há alguns anos, tinha um cara chamado Ronaldo, que foi o Fenômeno. Creio que hoje tem muitos jogadores de qualidade que podem assumir a camisa 9 da Seleção. Até o Hulk já jogou de centroavante, a gente tem essas concorrência.

Você acha que os atacantes atuais são injustiçados por serem comparados aos grandes atacantes de antigamente?
Não vejo como injustiça. É uma cobrança pelo o que a gente teve. Realmente a questão do Brasil, do povo brasileiro, ficou por bastante tempo vendo aqueles jogadores. Antigamente não tinha tantas opções. Na época do Ronaldo, a que mais acompanhei, não tinha outro que poderia colocar ali. É esse e vai. Hoje tem mais opções. Alguns passam por má fase. Eu vejo que tem muito jogador de qualidade. A cobrança é grande, é correta pelo passado da Seleção. Nós, centroavantes, temos que buscar o melhor. Temos que mostrar mais, mostrar que quer ficar.

Por que nenhum atacante se ajeitou como o 9?
Nesse caso, existem opções. Eu falo porque o Fred teve um momento muito bom, foi artilheiro do Brasileiro de 2014. Na Copa das Confederações, no começo, ele não estava bem. Eu estava muito bem, e depois ele foi o artilheiro. Eu comecei a ir muito bem, mas não consegui ficar fixo. Futebol é momento. Se não está em um momento bom, você sai. O atacante acaba não tendo sequência muito grande para fixar na Seleção. A gente vai vendo o quanto é difícil ter sequência. Antigamente você conhecia de olho fechado a Seleção, hoje é mais difícil porque tem mais opções.

Como está a vida nos Emirados?
Tenho duas pessoas que me ajudam muito, do meu time, o Henrique e o chileno Carlos Villanueva. Como já morei fora do país, dá para se adaptar. A comida, como Dubai é bem turística, é tranquilo. Existe restaurante italiano e brasileiro, vários tipos de comida. Dá para viver muito bem. Dubai é sensacional, dá pra jogar bola tranquilo. É uma coisa construída, eles têm ganância por crescer, a cidade principalmente. Aqui tem o maior shopping do mundo. É uma cidade fantástica, de se parar e elogiar, tenho esse privilégio de morar aqui. Espero poder cumprir meu contrato. Só tenho que agradecer aos árabes. Antes de vir, peguei referências, mas não tinha noção. Quando cheguei, vi o quanto é bom.

A cultura é muito diferente?
Eles prezam bastante a reza, chama muito atenção. São cinco ou seis por dia. Os horários dos treinos são diferentes, tem que ser antes ou depois da reza. O Caio (Júnior, treinador do Al-Shabab) consegue encaixar o horário certinho que fazem a reza. Acho bacana por eles terem esse negócio de levar a sério, chama a atenção. No vestiário não vê ninguém sem roupa, não pode ficar pelado, tem que estar sempre de toalha e cueca. Quando cheguei no primeiro dia de treino, fui tirando tudo para poder trocar de roupa. O Henrique já chegou: “Não pode, não pode” (risos). Para os árabes, é falta de respeito. Tem que respeitar a cultura deles. A cultura deles faz sentido, é bem bacana.

Jô marcou oito gols em doze jogos pelo Al-Shabab (Foto: Divulgação)


Você levou a família?
Trouxe minha esposa e meu filho, que tem um ano e cinco meses. Ele ainda não entende muito, não tem noção, isso foi até bom, porque desde pequeno acostuma. É muito quente, mas agora a temperatura está baixando bastante. Já até fez 43, 44 graus. A gente vê os filhos de outros jogadores, que já entendem mais.

Como é o vestiário dos árabes?
É bem mais quieto. A gente que é brasileiro nunca perde a resenha. No primeiro jogo, não levei caixinha de som. No segundo, levei. No terceiro, coloquei alto. Eles até gostam, não os incomoda. Eles gostam do ritmo quando coloco meu pagode. Árabes são bem próximos, gostam de brincar. Na Rússia, era sempre cara fechada. Os árabes já dançam, brincam. Mas não sabem sambar nada! (risos).

Nos seus primeiros cinco jogos, você marcou quatro gols. Por que começou tão bem?
O diferencial no começo foi que coloquei na cabeça que era um desafio novo, coisa nova, que teria que mostrar meu valor. No Brasil, eu tenho nome, aqui não me conhecem. Tinha que mostrar isso dentro de campo. A adaptação está bem rápida. O Carlos Villanueva, um chileno, está me ajudando bastante, o Henrique também. Fora e dentro de campo, as coisas estão andando. Não esperava me adaptar tão rápido. É uma vida bem diferente do Brasil, costumes, comida. Tem que respeitar. A família vai se adaptando, é um desafio.

Você se acostumou com duas torcidas de massa. Nos Emirados Árabes, poucos torcedores vão ao estádio. Está sentindo falta?
Todo mundo repara muito nisso, que não tem torcedor. Os poucos que tem, a gente procura valorizar. Quando tem um pouco de torcida, a gente fica feliz. Tem que acostumar, é muito difícil. Joguei no Atlético, todo jogo era 20 mil pessoas, no Corinthians também. Você vem para o lugar e tem que tirar a motivação de dentro, o clima parece até de treinamento. São duas torcidas que me identifiquei muito. No Corinthians foi o começo da carreira, sempre me apoiaram por vir da base. Sou grato à torcida do Corinthians. A do Atlético também, porque me acolheu super bem. Sinto falta, aqui nem tem aquela vaia quando erra (risos).

Corinthians e Atlético disputaram o título brasileiro. Para quem você torceu?
Acompanho os resultados do Corinthians, do Atlético também. A reta final foi difícil, fiquei com o coração dividido. O Corinthians, pela infância toda, é meu time de coração. Torço também pelo Atlético, peguei carinho pelo clube. Qualquer um dos dois que fosse campeão, ficaria feliz. Não estou fazendo encenação.

Dizem que tem corintiano em todo lugar do mundo. Já encontrou algum aí em Dubai?
Encontrei um corintiano no shopping e ele pediu para eu voltar. Encontrei três atleticanos. Em Minas, diziam que tem mineiro em todo lugar do mundo, e é verdade.

Você vai atender o pedido desse torcedor e voltar para o Corinthians?
Tenho esse desejo, não posso mentir. Desejo voltar ao Corinthians.

Jô foi revelado pelo Corinthians em 2003 (Foto: Arquivo pessoal)

Você já recebeu proposta para voltar ao Corinthians?
Rolou uma sondagem quando o Guerrero saiu. A diretoria do Corinthians entrou em contato com o Atlético para um possível empréstimo. Ao mesmo tempo, surgiu a proposta para cá, então nem andou. No fundo, fiquei feliz, ainda há esse desejo de jogar de novo no Corinthians. Preferi aqui mesmo. Deus sabe o que faz. Fiquei feliz porque teve a sondagem, o interesse. A proposta [de venda para o clube árabe] pro Atlético foi boa. Sempre assumi que era corintiano, tenho meu nome na história do clube. Sou o jogador mais novo a fazer gol com a camisa profissional. Foi só uma sondagem, não foi coisa concreta, de ver valores. Houve uma conversa se havia interesse em o Atlético me emprestar. Na semana seguinte, chegou a proposta dos Emirados. Parte financeira fez a diferença, também minha idade, perfil de contrato. Acabando meu contrato aqui, dá para voltar ao Corinthians.

Você, como corintiano nato, o que achou de marcar gol bem na estreia do Valdivia (que joga no Al-Wahda) ?
Gerou bastante polêmica no Brasil. É engraçado que a gente acompanha mais as notícias quando fica fora do Brasil, passa a dar muito valor ao nosso país. Corinthians e Palmeiras tem essa rivalidade onde for. Lógico que fiquei feliz por ajudar minha equipe. Como se tornou uma brincadeira de rivalidade, Corinthians é Corinthians em qualquer lugar do mundo. Deu Corinthians mais uma vez. Não tive como não ficar feliz. Pro paulista, o clássico significa muito. Sem dúvida teve um gostinho a mais. Ainda por ser um cara que é ídolo deles.

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