Artigo: Fundo saudita não escolheu o Newcastle à toa: futebol é paixão, mas também é geopolítica
Novo rico da Premier League dá esperanças aos torcedores do Newcastle, que sonham com grandes contratações e por disputar competições da Uefa em um futuro próximo
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Questionada por alguns, a compra do Newcastle United pelo fundo estatal da Arábia Saudita faz sentido em alguns aspectos. Em primeiro lugar, embora não tenha sido protagonista nas últimas décadas, o Newcastle é um time muito tradicional na Inglaterra e conta com uma torcida apaixonada.
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Você pode até imaginar que toda torcida é apaixonada, mas deixe-me fazer uma conta simples. O St. James Park, onde o NUFC manda seus jogos, tem capacidade para 52 mil torcedores muito bem acomodados em um estádio de primeira linha, que daria inveja a praticamente todos os estádios brasileiros. A média de público do time em casa é de 51 mil espectadores. Pode parecer pouco, mas saiba que a cidade de Newcastle Upon Tyne tem uma população aproximada de 270 mil pessoas.
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A esse quantitativo, somam-se muitos torcedores que são oriundos de pequenas cidades ao redor, conectadas por uma rede de metrô com 60 estações, praticamente do mesmo tamanho da rede metroviária da cidade do Rio Janeiro. Estamos falando de uma cidade pequena que aloca, a cada 15 dias, em torno de 15 a 20% de sua população em um estádio para ver um time de futebol que não briga pelo título há décadas. Isso ninguém explica, pois é pura paixão.
Os árabes compraram um clube tradicional, com uma torcida apaixonada e um estádio que não precisa de reformas e que tem o patrocínio da maior rede de materiais esportivos do país, a Sports Direct. Tem mais. Newcastle é conhecida por ser uma das cidades britânicas mais acolhedoras para estrangeiros, tem uma das maiores comunidades árabes da Inglaterra e possui muitos jovens, que seguem para as universidades da região, mais baratas do que as tradicionais universidades de Londres e Oxbridge. A mais tradicional e maior delas é a Newcastle University, sempre bem avaliada nos rankings europeus de universidades e que conta com um campus até na Malásia. Essa universidade possui muitos estudantes do Oriente Médio e do Extremo Oriente, atraídos pelo baixo custo de vida da região e pela qualidade dos cursos universitários. Costuma-se dizer pelos corredores da Newcastle University que são eles que pagam as contas da universidade, tendo em vista que os britânicos pagam mensalidades subsidiadas pelo governo.
Estrategicamente, então, os árabes controladores do fundo saudita entram em uma região aberta aos estrangeiros, com uma população jovem, uma comunidade árabe estabelecida e uma torcida apaixonada por futebol. Tudo isso em uma das regiões mais pobres do Reino Unido. O nordeste da Inglaterra tem taxas baixas de escolaridade e níveis altos de desemprego e pobreza. Em termos subjetivos, sim, o protagonismo do time poderá cobrir uma carência que parte da população tem no cotidiano. É injusto, é cruel, mas é uma subjetividade que não pode ser desprezada. Podem ter certeza que isso será usado politicamente. Já prevejo até a reportagem: "Como os árabes colocaram uma cidade pobre no centro do futebol inglês".
Esqueçam a questão dos direitos humanos, os Magpies (como os torcedores são conhecidos), em sua maioria, pouco se importam. Conversei com um amigo morador da cidade no dia da venda do clube e ele me disse que comemorou a noite toda nos bares da cidade, em pleno dia de semana. Só para constar, os Magpies não gostavam do dono anterior, "acusado" de não investir em melhores jogadores para o clube. Nunca vai ser só futebol. E tem gente que não entende essa frase. Pior para eles. Futebol é paixão, mas também é negócio, política e, cada vez mais, geopolítica.
Para aqueles que estão preocupados sobre o interesse de jogadores de renome optarem pelo NUFC, saibam que a cidade de Newcastle é a capital da noite no Reino Unido, concentrando uma infinidade de boates, clubes e restaurantes. Sem dúvida uma atrativo a mais.
Ah, esqueci de comentar que na sala de troféus e ídolos do NUFC há um pôster de um colombiano que jogou muita bola no Fluminense e no Palmeiras: Faustino Asprilla. Sim, ele é ídolo por lá. Futebol é coisa de louco.
*Jorwan Gama é doutor em História Social pela UNIRIO e realizou estágio doutoral na Newcastle University entre os anos de 2018 e 2019.
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