Nascido em Amparo, no interior do estado de São Paulo, o sereno Bruno Aguiar, zagueiro do Al-Muaither, do Catar, não parece aquelas pessoas que sentem falta da correria, do agito e da badalação da cidade grande, mas a calmaria proporcionada pelos últimos meses no país árabe parece não agradar tanto ao jogador e à sua família.
Desde julho do ano passado no Oriente Médio, Bruno exalta a segurança para se viver, mas lamenta a falta de movimento da vida fora de campo.
- A vida é tranquila, aqui é sossego. Não tem muito o que fazer. Sossego até demais, para a gente que está acostumado à correria no Brasil. A segurança é total, as leis são muito rígidas aqui. Aqui não falta nada, você sai na rua, pode deixar seu celular na mesa do shopping, ir comprar sua comida e na volta seu aparelho vai estar lá - declarou em entrevista ao LANCE!
Aos 30 anos, o zagueiro acumula passagens por Guarani, Santos, Sport, Joinville, entre outros. Clubes tradicionais do futebol brasileiro que culturalmente aplicam treinamentos pesados, de acordo com o ritmo do calendário.
Para quem chega no Catar e se depara como funciona a rotina de jogos e atividades físicas, se espanta, já que em nada se parece com o que temos. Assim, para compensar a diferença, Bruno e colegas brasileiros procuram trabalhos alternativos fora dos horários impostos pelos clubes.
- Aqui você sente falta de treino, treina uma vez por dia, só à noite. A quantidade de jogos que a gente faz aqui, que são 28, é como se fosse um estadual no Brasil, em quatro meses. Aqui você faz em dez, joga uma vez só por semana, então nós brasileiros que estamos acostumados a esse ritmo do Brasil, nos reunimos na parte da manhã para treinar - explicou.
Segundo Bruno Aguiar, o fato de eles procurarem treinamentos alternativos também se dá por serem estrangeiros e, portanto, são cobrados pela diretoria do clube de uma forma diferente dos demais companheiros de time.
- A gente faz isso porque a nossa responsabilidade aqui é muito grande, eles depositam toda a confiança nos estrangeiros do time. Eles esperam que a gente faça mais do que o necessário, mas é muito tranquilo também. Quem está acostumado a jogar no Brasil, aqui não é nada.
O Al-Muaither, time pelo qual atua Bruno, é considerado pequeno no país, briga para se manter na primeira divisão e sofre pela enorme diferença entre os maiores clubes e os de menor expressão, mas erra quem pensa que por isso sua estrutura também fica abaixo das demais.
- Quando eu cheguei aqui eles pediram desculpa, por não ter tanta estrutura, mas aí eu cheguei e vi que o CT tem quatro campos. Mesmo assim eles sempre pedem desculpas, dizendo que não tinham um estádio próprio, mas o CT é muito bom. Fizemos também uma pré-temporada fantástica na Europa, ficamos 25 dias, a gente sabe que no Brasil é mais difícil.
Se hoje Bruno joga por um clube mais modesto, ele já teve a oportunidade de fazer parte de um dos melhores times dos últimos tempos do futebol nacional. Foi no Santos de Robinho, Neymar e Ganso. Com eles, a comemoração era certa.
- Espetacular, essa é a melhor definição. Acho que foi um dos maiores prazeres da minha carreira, presenciar aquilo que eu consegui ver, grandes goleadas, realmente um futebol lindo. Eu conto para todo mundo que eu achava engraçado aquela molecada ensaiando comemoração e eles ensaiavam cinco, seis em um jogo. Eu pensava "Esses caras estão de sacanagem", eles entravam em campo e faziam quatro, cinco, seis. Poxa, era impressionante - relatou.
Em 2011, já com Muricy no comando técnico, o Santos conquistou sua terceira Copa Libertadores. Bruno estava no grupo e foi ao Japão enfrentar o Barcelona, uma parada duríssima, mas recheada de esperança.
- A gente acreditava que era possível ganhar, até porque a gente vinha de boas conquistas, de um bom momento, e tinha um timaço, mas realmente contra aquela equipe do Barcelona era muito difícil. Contra nós eles tiveram um respeito muito grande, tiraram um atacante, o Villa tinha se machucado e eles colocaram um homem mais no meio e eles não acreditavam que encontrariam tanta facilidade - contou.
Feliz e satisfeito com a vida e a carreira no Catar, Bruno tem propostas de clubes brasileiros e não descarta uma volta ao país, mesmo que os valores não sejam os mesmos de hoje. Para ele, esse tipo de análise vai além do lado financeiro.
- Claro que a gente sabe que não vai ganhar o que ganha aqui, mas acho que também não é só dinheiro, aqui mesmo não foi só dinheiro que pesou, a gente tem que analisar outras coisas, pensar na família, se vai estar satisfeita com o clube e a cidade em que você vai estar. Acho que eu sempre pesei muito essas coisas nas minhas decisões, principalmente no Brasil - finalizou.
BATE-BOLA BRUNO AGUIAR, ZAGUEIRO DO AL-MUAITHER
Como foi a adaptação ao Catar?
Adapatação pra mim foi super tranquila, a família sente um pouco, porque você não tem tantas coisas para fazer como tem no Brasil, mas o resto foi muito tranquilo. O clube é muito bom, é país bom para viver.
Teve alguma dificuldade?
Tive um pouco de dificuldade por causa do inglês, mas aos poucos fui pegando, foi rapidinho, não tive muito problema, hoje já estou mais tranquilo. Aqui geral fala inglês, aos poucos você começa a se virar.
Nem com alimentação?
Tem comida de toda parte do mundo, inclusive do Brasil, só não tem feijão, que minha esposa trouxe, mas tem filé mignon do Brasil, picanha, todo tipo de carne, isso não falta aqui.
Qual a sua impressão sobre o nível técnico do futebol por aí?
Olha, é mais baixo, porque a gente tem só três estrangeiros, não é um país que tem o tamanho do Brasil, que tem muitos jogadores, muita qualidade, o nível é mais baixo, mas também não é um horror e dá para jogar sim, tranquilo. Os times grandes tem uma diferença maior, porque eles têm bons locais.
Quando saiu do Brasil você disse que atuar no futebol árabe era um antigo desejo seu. Por quê?
Na verdade era um desejo pelo lado financeiro, é muito atrativo se a gente recebe uma proposta daqui. Antes de vir eu já havia tido duas oportunidades, acabou não dando certo, então eu fiquei só no desejo.
Ficou satisfeito ao realizar essa vontade?
Fiquei muito satisfeito, estou satisfeito, mas é claro que a gente sente falta de torcida, dessas coisas. Fiz um gol na minha última partida, acho que foi o gol que eu menos senti, é engraçado você não escutar nada, mas faz parte, aquela adrenalina de pré-jogo, eu que fui capitão por três anos do Joinville, tinha aquela oração antes do jogo, que a gente se fecha, o capitão fala, isso a gente sente um pouco de falta, dessa liderança, mas é normal. Não dá para se ter tudo.
Você foi muito bem no Joinville...
Eu tive uma proposta de Série A maior do que uma de Série B, mas eu fui para o Joinville e vi que tomei a decisão certa, porque eu e a minha família nos demos super bem naquela cidade, o projeto do clube cresceu, era verdadeiramente aquilo que eles tinham colocado para mim e a gente conseguiu chegar na Série A por meio de um projeto muito bom e bem executado.
Como foi jogar com Neymar?
Eu estive com ele agora aqui em Doha, quando o Barcelona veio jogar, e eu falo pro pessoal que fui eu que evoluí, jogando num time desse, onde você marca Neymar, Robinho, Ganso, a gente evolui, foi muito pra mim. A gente sempre mantém o contato, era uma família.