‘Caso Marega’: ‘Ele tomou o cartão pela atitude antidesportiva’, diz presidente da APAF
L! conversou com jornalistas de Portugal, com a assessoria da Liga e com o presidente da Associação Portuguesa de Árbitros sobre o caso de racismo que marcou o fim de semana
Um gol dentro e fora de campo. Atitudes que ficarão marcadas para o resto da história do futebol. No último domingo, o malinense Marega marcou o gol que daria a vitória ao Porto, por 2 a 1, contra o Vitória de Guimarães. Mas a resposta veio das arquibancadas: gritos e insultos racistas contra o jogador marcaram o momento, que fez o atacante deixar o campo revoltado.
Ao LANCE!, o presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol, Luciano Gonçalves, falou sobre a atitude do juiz da partida, e explicou o cartão tomado por Marega, que não será retirado.
- Não tem motivo para punirmos o árbitro. Ele agiu em conformidade com as normas da Fifa e da Uefa. O Marega tomou cartão pela atitude antidesportiva. Não tem porque tirar o cartão.
O Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) instaurou um processo disciplinar ao Vitória de Guimarães na sequência dos insultos racistas contra Marega, segundo a rádio 'TSF', de Portugal. O processo já seguiu para a Comissão de Instrutores da Liga de Clubes. O Vitória de Guimarães corre o risco de realizar um a três jogos com os portões fechados, além de uma multa.
Chefe de redação adjunto do 'O Jogo', de Portugal, Sérgio André é negro e entende que a repercussão não poderia ter sido diferente.
- Acho que não poderia ter sido de outra maneira [a repercussão]. A dignidade humana não pode ser violada. Ficar indiferente a um ato destes seria pactuar com gente estúpida que se desloca aos estádios de futebol para manifestar as suas frustrações. É obrigação da comunicação social denunciar e repudiar todos estes atos. Ficaria surpreendido se esta situação não fosse amplificada pelo mundo inteiro. Todos os atos de racismo têm de ser denunciados.
O caso foi repercutido no mundo todo, e em Portugal, onde ocorreu, o jogador foi bastante apoiado, principalmente pelos jornais do país.
- Os jornais todos em Portugal deram manchete para o caso envolvendo o Marega. As televisões falam disso sem parar, continuam forte em cima do caso. Os sites e rádios também. Toda a imprensa tem dado muito espaço para isso. A repercussão foi muito grande em Portugal e em toda a Europa, principalmente por casos que houveram recentemente, na Rússia, na Ucrânia, Itália. Foi grande porque teve um jogador que é de um grande clube, que é de seleção, que saiu de campo. Se ele tivesse continuado em campo, talvez a repercussão fosse outra. Então a saída fez com que toda a Europa olhasse com mais carinho para esse caso aqui em Portugal - disse o jornalista Bruno Andrade, do jornal 'A Bola', de Portugal, em conversa com o LANCE!.
Casos de racismo têm sido comuns na Europa. Os mais recentes foram na Itália, na Ucrânia e na Rússia. O jornalista aponta que, na sua opinião, é fácil parar com esses casos e identificar quem cometeu os crimes.
- O que falta para combatermos isso é muito simples e óbvio: vontade e bom senso. Em Portugal, os principais estádios, como o do Vitória de Guimarães, têm câmera. Aqui quase todos os torcedores são sócios, então o clube pode com facilidade descobrir quem são aquelas pessoas. Falta o clube querer punir esses torcedores e a política e a polícia se envolverem para multarem, banirem do estádio e serem presos. Até porque racismo é crime dentro e fora do estádio - afirmou.
Procurada, a Liga Portugal (a organização de clubes do país) afirmou que não pode punir, mas que trabalha para erradicar casos de racismo no futebol.
- A Liga não pode punir. As imagens já foram requisitadas pelas forças de segurança, a Procuradoria Geral da Republica já abriu uma investigação. Esta é a vertente criminal. No campo desportivo, quem aplica penas é o Conselho de Disciplina da Federação. O que a Liga garante é que tudo fará para ajudar a que os responsáveis sejam encontrados. É preciso banir atos destes do futebol. A Liga tem tido um papel bastante ativo na proposta de alteração à Lei da violência, racismo, xenofobia e intolerância. Não pactuamos com situações destas e tudo faremos para erradicar episódios de violência, racismo ou xenofobia do futebol, que é, e deve continuar a ser, só um jogo, uma festa - disse a Liga Portugal.
O presidente do Vitória de Guimarães chegou a criticar Marega, dizendo que o atacante provocou a torcida. Para Bruno Andrade, o dirigente teve esse posicionamento por causa do medo da torcida organizada.
- O presidente do Vitória de Guimarães de fato desmereceu o caso. Primeiro ele colocou a culpa no próprio Marega. No norte do país os clubes são muito ligados aos torcedores organizados, eles têm muito medo. Então, certamente o presidente não quis comprar a briga porque saberia que poderia ser retaliado. Aqui em Portugal tem muito disso, as pessoas não gostam de se posicionar, principalmente em casos fortes, porque têm medo da retaliação dos torcedores.
Entenda o caso
Marega é ex-jogador do Vitória de Guimarães e já vinha sofrendo insultos desde o aquecimento. Após marcar o gol, correu apontando para a pele, mostrando sua cor como forma de orgulho. A torcida do time da casa protestou com mais xingamentos racistas e jogando alguns acentos nele. O atacante pegou e colocou um desses em sua cabeça e acabou tomando amarelo do árbitro. Ele se revoltou e deixou o campo, tentando ser contido por seus companheiros. Logo depois, acabou sendo substituído.
Marega se posicionou
Em seu instagram, o jogador postou a seguinte mensagem: 'Gostaria apenas de dizer a esses idiotas que vêm ao estádio fazer gritos racistas ... vá se foder. E também agradeço aos árbitros por não me defenderem e por terem me dado um cartão amarelo porque defendo minha cor da pele. Espero nunca mais encontrá-lo em um campo de futebol! VOCÊ É UMA VERGONHA !!!!'
Em entrevista à rádio francesa 'RMC', Moussa Marega desabafou.
- Senti-me, verdadeiramente, como uma merda. Foi uma grande humilhação para mim, tocou-me muito. Recebi muitas mensagens de apoio, de todo o lado, que me deram uma força incrível. Agradeço, desde já, a todas essas pessoas.