Coluna do Luiz Gomes: ‘A França contra Neymar’

'Neymar deu ao PSG uma projeção que não imaginou ter em seus 47 anos de história. Mas, quanto mais ele faz em campo pelo clube e o futebol francês, mais parece incomodar'

Escrito por

O sujeito marca quatro gols, dá duas assistências, um show que leva o time dele a vencer por 8 a 0 e, ao fim de tudo isso, ainda sai de campo vaiado. Não pela torcida adversária, atordoada pela humilhação, mas pelos torcedores do próprio time. Foi o que aconteceu com Neymar depois do massacre do PSG sobre o Dijon. O motivo: o brasileiro não abriu mão de cobrar um pênalti que, se Cavani tivesse batido e convertido, tornaria o uruguaio o maior artilheiro isolado da história do clube de Paris.

Faltou fair play, acusaram alguns. Mas os franceses, convenhamos, adoram um fair play, não é mesmo? Como os argentinos, com a mão de Deus de Maradona, certamente boa parte dos que estavam no Parque dos Príncipes vaiando o camisa 10 deve ter festejado e aplaudido com todas as energias aquela mão de Henry que colocou a seleção do galo na Copa de 2010. Vamos combinar? Já basta de hipocrisia travestida de politicamente correto.

Neymar tem 24 gols em 23 jogos pelo PSG. Mudou a audiência da liga nacional, que nunca antes passara do papel de simples coadjuvante entre as grandes da Europa. Deu ao clube uma projeção que não imaginou ter em seus 47 anos de história. Mas, quanto mais ele faz em campo pelo clube e o futebol francês, mais parece incomodar. Mais se torna alvo de críticas - por fatos ou por versões - rendendo manchetes negativas e alimentando polêmicas na mídia, nos vestiários, nas arquibancadas.

O ex-jogador Petit, ídolo da França campeã mundial de 1998, foi direto ao ponto: “Esse cara precisa do carinho do público para mostrar todo o seu talento. Se ele vê que esse sentimento frio está instalado nas arquibancadas, os fãs poderiam disparar um tiro no pé. Neymar poderia pedir sua saída. E então todos nós choraremos. Se mantenham assim e choraremos”, advertiu. E isso é fato. Se as coisas continuarem assim, a paciência de Neymar uma hora vai acabar. A de todos nós acabaria. E não se pode esquecer que existe ainda um pano de fundo nessa história: o interesse do Real Madrid, já ​afirmado​ pelo presidente do clube e a campanha que alguns jogadores, como Isco, Sérgio Ramos e Marcelo fazem, ao contrário do que acontece em Paris, para receber o brasileiro de braços abertos para vestir a camisa merengue.

Se Neymar tivesse deixado Cavani bater o pênalti e o uruguaio perdesse, não duvidem que as críticas poderiam recair sobre ele. Ah, mas não estava estabelecido que o batedor oficial é Neymar? Como então ele não bateu, como expôs Cavani a um risco desnecessário?, publicariam os jornais. Parece piada, mas poderia acontecer sim. Petit, aliás, defendeu a atitude do jogador: “Ele foi designado para cobrar os pênaltis. Realmente valeu a pena vaiar Neymar após o show que ele nos deu? Eu creio que não”, desabafou o craque. 

Quando assumiu o papel de protagonista, de “dono do time”, deixando para trás a sombra de Messi no Barcelona, Neymar sabia que as pressões sobre ele iriam aumentar. Ninguém custa o que ele custou impunemente. Se não o fez, deveria ter se preparado mais para suportar a artilharia pesada de que é alvo. Mas, e isso é verdade também, a imprensa francesa, ignorando o futebol que ele tem jogado, parte sempre do princípio de que ele é um problema. Essa semana, o L'Équipe, principal jornal esportivo do pais, voltou ao assunto de que os privilégios de Neymar estariam irritando os argentinos do PSG. E no texto - ainda que veladamente – toma partido dos hermanos. É uma visão provinciana e burra. Não entender os benefícios que Neymar, mesmo com todos os problemas que tem, trouxe e ainda pode trazer para o esporte no país é fechar os olhos à globalização, à visão de negócio que norteia hoje o mundo da bola. Tudo isso, das vaias às manchetes, só mostra mesmo uma coisa: o futebol francês, como muitos previam, é pequeno demais para Neymar. Pois que fiquem com os argentinos deles.

Siga o Lance! no Google News