Ex-Corinthians, brasileiro que faz sua estreia na Champions League, já precisou fugir de mafioso na Bulgária

Atualmente no Ludogorets, também da Bulgária, o volante Lucas Sasha foi campeão da Copinha com o Timão em 2009 e relatou ao LANCE! episódios de racismo no leste europeu 

imagem camera (Foto: Site oficial Ludogorets)
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Lance!
São Paulo (SP)
Dia 13/09/2016
04:16
Atualizado em 13/09/2016
08:15
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O ano era 2009 e o Corinthians levantava o troféu de sua 7ª Copa São Paulo de Futebol Júnior. Naquele elenco estava o volante Lucas Sasha, jogador da base do clube desde 2003. No entanto, a transição para o profissional não foi como se esperava, as oportunidades não apareceram e o sonho de vestir a camisa do Timão teve de ser deixado de lado.

- Cresci e passei sete anos da minha vida lá. Ficou sim uma mágoa, mas com o tempo foi passando. Junto com o sonho de ser jogador, era o sonho de ser jogador no Corinthians. Depois da Copa São Paulo muito se falava que eu iria subir, mas acabei não subindo, eu via amigos meus subindo, jogando e eu precisava lutar pela minha carreira - relembrou em entrevista ao LANCE!.

"Quando eu vi que não tinha mais o Corinthians, eu senti um baque muito grande, pensei em parar de jogar futebol"

Hoje, titular do Ludogorets, da Bulgária, e prestes a estrear na fase de grupos da Champions League, Sasha comemora o desenrolar de sua história no Corinthians, já que tudo o que passou acabou levando-o para a Europa, onde está há mais de quatro anos. Mas não foi fácil chegar até lá, a indefinição sobre seu futuro quase lhe custou a carreira.

- Eu saí do Corinthians e achava que já era jogador de futebol e na realidade não era nada,. Quando eu vi que não tinha mais o Corinthians eu senti um baque muito grande, pensei em parar de jogar, principalmente logo depois de ganhar a Copinha. Fui direto para o Grêmio Barueri e fiquei lá por um ano e meio, mas quando eu saí de lá e já tinha jogado uma Série A, surgiram outras oportunidades e eu não quis, acabei ficando quase um ano parado, então pensei “puxa, encerrou minha carreira de jogador”, mas fui teimoso e graças a Deus essa teimosia deu certo - agradeceu.

Sua primeira empreitada no Velho Continente foi no CSKA Sofia, também da Bulgária, oportunidade que surgiu por meio de um contato que fez quando tirou seu passaporte italiano. A passagem pelo clube foi de sucesso, porém, durou apenas uma temporada, já que ficou algum tempo sem receber salários.

- Em pouco tempo eu me tornei o principal jogador do time, mas o CSKA é famoso por aqui por ter problema de pagamento, fiquei três meses sem salário e pensei “puxa, não saí do Brasil, fazendo tantos sacrifícios, para não receber”, então acabei saindo na justiça e não foi uma saída tão legal quanto eu estava esperando - comentou.

"Era uma situação em que eu não tinha muitas opções, ou era ficar aqui e enfrentar o mafioso, ou era ir para o Hapoel Tel Aviv. Eu não pensei muito e fui"

Realmente, a saída não foi tão tranquila quanto se esperava. Mal sabia ele que estava se metendo com elementos perigosos, alheios ao futebol, o que o fez se mudar para seu próximo destino: Israel. A mudança foi providencial a fim de não correr riscos de perder a vida.

- Na época tinha um diretor no CSKA que todo mundo sabia que era um pouquinho mafioso e que sempre me ajudou muito. No dia que eles receberam o papel que comunicava que  eu estava entrando na Federação Búlgara contra eles, esse cara ficou muito bravo e me ameaçou, falou “se eu te encontrar na rua, eu...”. Eu até tive outras propostas, já conhecia o Hapoel Tel Aviv, não é que eu fui no escuro, mas meio que me afunilou, era uma situação em que não tinha muitas opções, ou era ficar aqui e enfrentar o mafioso, ou era ir. Eu não pensei muito e fui.

Embora a primeira impressão sobre Israel tivesse sido de preocupação, o que Sasha encontrou por lá foi muito mais do que se esperava. As lembranças do país vão muito além dos registros futebolísticos.

- Quando me falaram da proposta de Israel, a primeira coisa que eu pensei foi “não vou, não vou ficar lá no meio de bomba”, a minha mulher também achou que eu estava indo para a guerra no lugar de jogar futebol, mas depois que eu cheguei lá foram dois anos espetaculares, eu sinto muita falta da vida que eu tinha lá, dos amigos que eu fiz, é um país maravilhoso pra viver, vou tentar descrever aqui, mas não vou conseguir, é um lugar único mesmo.

"Como eu sou 'caça-craque', não importa o futebol em que eu esteja, eu tenho que correr atrás dos outros"

Seu período no Hapoel Tel Aviv acompanhou o sucesso que teve no CSKA Sofia. Pela posição em que joga, ele não encontrou dificuldades na troca de países e na adaptação ao futebol local.

- Eu nunca tive problema para me adaptar, acho que pela minha posição também, estilo de jogar, sempre caí nas graças das pessoas muito rápido. Como eu sou 'caça-craque', independentemente do futebol em que eu esteja, eu tenho que correr atrás dos outros.

Não demorou muito para propostas aparecerem para Lucas Sasha, uma delas, no entanto, chamou mais a atenção. O projeto do Ludogorets e a volta para a Bulgária foi a opção escolhida naquele momento.

- Fiz dois anos muito bons em Israel, aqui na Europa todo mundo assiste, o Hapoel Tel Aviv é um clube conhecido, então apareceu muita coisa mesmo, inclusive para renovar contrato, que era o que eu queria, mas quando apareceu a proposta do Ludogorets e eu já tinha jogado aqui, sabia da grandeza do time, mesmo não tendo nome, sabia que era forte, que tinha esse projeto de jogar competições europeias, não tive dúvidas e vim pra cá.

"O nosso atacante é o Jonathan Cafu, ex-São Paulo. Cada vez que ele pegava na bola na República Tcheca, a torcida ficava imitando macaco"

O país, a exemplo de outras nações do leste europeu, não tem uma boa reputação quanto ao respeito de alguns torcedores às diferenças. Lucas Sasha relatou episódios de racismo nas arquibancadas, o últimos deles em uma partida da Champions League, na República Tcheca, contra o brasileiro Jonathan Cafu, também do Ludogorets.

- A gente foi jogar há pouco tempo na República Tcheca pela última eliminatória antes de entrar na fase de grupos da Champions League, contra o Viktoria Plzen, O nosso atacante é o Jonathan Cafu, ex-São Paulo. Cada vez que ele pegava na bola, a torcida ficava imitando macaco, é uma coisa bem feia que acontece por aqui, mas não são só os brasileiros que enfrentam, são todos.

O Ludogorets estreia nesta terça-feira contra o Basel pela fase de grupos da Champions League 2016/2017, mas vê pela frente um grupo que talvez limite a equipe de sonhar um pouco mais além na competição. Arsenal e PSG são os outros concorrentes para duas vagas nas oitavas. Sasha, contudo, vê a equipe brigando por um lugar na Liga Europa e crê na continuidade do trabalho para crescer no futuro.

- Eu creio que a gente vai conseguir tirar alguns pontos, nem que seja para chegar em terceiro, estamos na briga para sermos campeões búlgaros novamente, porque se não formos, não conseguimos o direito de jogar a Champions. Então, acho que daqui pra frente o time vai aparecer bastante nas competições europeias e vai crescer cada vez mais, porque é clube comandado por pessoas muito capacitadas e com dinheiro, o que é muito importante - finalizou.

Confira a entrevista completa com o jogador brasileiro, hoje na Bulgária.

BATE-BOLA - LUCAS SASHA - VOLANTE DO LUDOGORETS

Na mudança para a Europa você teve alguma dificuldade no início ou a adaptação foi rápida?
A maior dificuldade foi a língua mesmo, eu até brinco que minha mãe sempre falava: “filho, vai estudar inglês” e eu “estudar inglês nada, sou jogador do Corinthians, do Corinthians vou para a Seleção...”. Quando eu cheguei aqui não sabia falar nem o “hello, how are you?”, mas na necessidade eu comecei a falar rapidinho, devia falar errado pra caramba... Para me adaptar, eu nunca tive muitos problemas, aqui na Bulgária é bem frio, mas foi tranquilo, foi uma adaptação super rápida.

Quando saiu do CSKA, a torcida ficou magoada com você?
Cara, a torcida nessas horas não entende, eu tinha muita moral com eles, já era um ídolo para e quando viram que eu saí na justiça, houve aquelas pessoas que sempre aparecem para dizer que eu sou mercenário, que eu só penso em mim, mas é complicado, eles só veem o lado do clube, ninguém vê como um jogador, como um pai de família... É lógico que a torcida ficou chateada e ainda eu acabei voltando para Bulgária, então até hoje eles escrevem coisas ofensivas nas redes sociais, mas nessas horas eu tenho que pensar primeiro em mim e na minha vida.

E quanto às diferenças em termos de futebol? Sentiu dificuldade de adaptação aos estilos de cada país?

Lógico que eu estou em mercados emergentes, não estou em grandes centros e muitas vezes as pessoas acham que eles jogam outro tipo de futebol, mas não, o futebol que eu aprendi hoje, depois de algum tempo na Europa, é que futebol é futebol, em todo lugar. Eles jogam a mesma coisa, uns com um pouco a mais de força, outros mais obedientes taticamente, mas no final das contas é futebol.

O Ludogorets tem muito dinheiro para bancar esse sonho de Champions League?
Tem sim, eles têm muito dinheiro, por isso tiveram como trazer jogadores que estavam em times grandes do Brasil como o Jonathan Cafu, o Cicinho, o Natanael, são jogadores que poderiam ter ido para outros lugares, mas eles tem essa condição de trazer para cá, ou jogadores mesmo da Europa, isso tudo contribui para a formação de um time forte.

O que é o futebol para você? Um vício? Uma paixão? Ou só sua profissão?
Hoje é mais fácil falar, porque as coisas aconteceram para mim no futebol, é fácil falar que para mim o futebol é uma profissão, porque eu tenho o futebol nas minhas mãos, só que a partir do momento que eu não tiver mais, aí sim eu vou saber se sou viciado nisso. Eu vejo pelos meus amigos que não puderam mais jogar, não que eles pararam de jogar, mas o futebol parou com eles. Eles sentiram mesmo, pareciam pessoas que entram em depressão, aí que você vê o que o futebol significa para a gente. Hoje eu vejo como uma profissão, porque ele está em minhas mãos, mas se eu perceber que o futebol está parando comigo e as coisas estiverem acabando, com certeza eu vou sentir muito, porque o futebol, na realidade, é tudo pra gente, tira tudo e nos dá tudo. É um sentimento de amor e ódio que a gente tem.

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