Aos 50 anos, Jorge Campos vive sob o peso de quem foi único no que se propôs a fazer. Mais do que um goleiro, um revolucionário. A lenda mexicana é daqueles que quando fala, os demais param para ouvir. A reportagem do LANCE! o entrevistou na Cidade do México, onde o ex-goleiro e atacante participou de um evento da Nike sobre novos tipos de chuteiras. Novos e que deixam Campos saudoso.
O mexicano tem em sua biografia os feitos de ter sido profissional como goleiro e atacante, marcando mais de 30 gols. Seus uniformes supercoloridos encantavam e o fizeram símbolo do pioneirismo. Considerado baixo para um goleiro, não revela sua altura, difícil de ser encontrada até na internet: vai de 1,68m a 1,75m a depender do site. Mas nada que o tire do sério.
– Só não pude crescer mais – brinca, ao ser questionado.
No bate-papo, Jorge Campos, que deixou o futebol em 2004 tendo três Copas do Mundo no currículo (1994 e 98 como titular e 2002 como reserva), falou da seleção do seu país, das restrições aos goleiros atuais para se vestirem diferente, disse que não haverá outro Rogério Ceni, outro revolucionário da posição, e exaltou o trabalho do técnico colombiano Juan Carlos Osorio à frente da seleção mexicana.
Você tinha um estilo muito diferente de se vestir. Como surgiu a ideia de fazer isso?
Sou de Acapulco (cidade litorânea do México) e nessa época se surfava muito. Eram as cores que se usava, fortes. Na praia esse estilo era normal. Quando cheguei à Cidade do México, comecei a jogar de goleiro e quis seguir com o surfe. Comecei a desenhar os uniformes com um amigo que também surfava. E ficou marcado. Hoje, são todos coloridos.
E ainda surfa?
Não, hoje em dia estou muito velho para isso (risos).
O como foi a transição do ataque para o gol?
No time do meu pai, meu irmão era o goleiro e foi muito melhor do que eu. Assim comecei a jogar de atacante, mas treinava de goleiro. Quando meu irmão não jogava, meu pai me colocava de goleiro. Quando cheguei ao Pumas, meu primeiro clube, passou algo parecido. Joguei de atacante, mas o técnico dizia: “Lembra que você é goleiro”. E em três anos fui artilheiro do time, só que o treinador mandou eu voltar ao gol. Eu tentei questionar, porque o salário de atacante era muito melhor (risos). Mas ele me colocou no gol e depois passei a revezar durante os jogos quando era preciso.
Você acha que Deu o primeiro passo para os goleiros que jogam com os pés, adiantados?
Posso falar de Higuita, Gatti, são os primeiros que iniciaram isso. Depois, tive minha época. Mas foram eles.
Em tua época, não tinha muitas chuteiras de cores. Hoje você seria ainda mais diferente?
Não. Eu gosto das cores, sempre gostei. Eu troquei a minha, era branca. Hoje, seria bom porque sempre gostei das cores.
Haverá outro goleiro como Rogério Ceni, que se aposentou com 131 gols?
Creio que não, vai ser difícil. Com tantos gols assim, tiros livres, de pênaltis, ou o que queira. Tinha uma habilidade especial e sobretudo necessita que o treinador tenha muita confiança. Confiança no campo, nos treinamentos e também o futebol se vai revolucionando muito. E como atacante tem que ter essas especialidades, é difícil ter essa quantidade de gols.
Qual goleiro hoje que mais te encanta?
Eu gosto dos que têm meu estilo. Bravo, esse Neuer, que é um dos melhores do mundo, tem técnica com o pé. Está revolucionando essa posição. São poucos, mas tem isso.
Como faria para inovar hoje, se há muitas chuteiras coloridas e até uniformes?
Eu mudaria os desenhos das camisas. Não gosto que não deixem os goleiros usar seus desenhos. Nós sempre fomos diferentes. Tem desenhos especiais, mas agora dizem com que cor você tem de jogar. Os árbitros, as federações. E isso é muito mal. Não te deixam escolher as cores para se sentir mais cômodo. É muito ruim.
Como foi ser considerado baixo para um goleiro?
Não cresci muito (risos). Saltava muito. Eu treinava muita potência nas pernas para poder suprir a falta de altura. Me ajudou a compensar a estatura. Eu era um dos mais baixos.
Como foi o processo para chegar aos uniformes extravagantes?
Eram cores muito fortes. Se usavam uniformes negros, mas ai eu mudava uns quadros, linhas. E pouco a pouco fui mudando com um amigo. Era muito drástica a mudança, e me criticaram. E eu pensava que iam me criticar pela roupa, não pelo que eu jogava. E isso dificultou muito.
Tinha uma preparação especial para jogar contra o Brasil?
Eu joguei com a Seleção do Brasil. Com Romário, Dunga, Bebeto. Em um amistoso. Meti gol (risos). Pergunta a Romário (risos). Já joguei com o Brasil, por isso os quero bem (risos).
Você chegou a jogar em dois clubes ao mesmo tempo em sua carreira (Los Angeles Galaxy, dos Estados Unidos, e Atlante, do México). Como foi essa experiência?
Eu jogava nos EUA, depois no México. Eu jogava uma final com a seleção do México, depois por Galaxy. Mas foi no mesmo estádio. Sempre curti o jogo, semre joguei duas partidas quando era jovem, uma de manhã, outra à tarde. E curtia muito. Era difícil porque o profissional não deixa, as federações, muitas coisas, mas pude jogar assim. Jogava uma lá e outra aqui.
O México é um país tão futebolista quanto o Brasil, tem investimentos, mas nunca conquistou um Mundial. O que falta para isso acontecer?
Difícil entender muitas vezes as federações. Os processos. No México é difícil ter um processo longo. E temos grandes jogadores. Mas agora vejo diferente, porque essa seleção é especial. Tem grandes jogadores. Esperamos estar no Mundial e ter pelo menos uma final para o México.
Gosta de Juan Carlos Osorio, técnico do México?
Sim, muito bom professor, vai muito bem. Tem feito um grande trabalho. Só perdeu um jogo e isso não há em nenhuma seleção do mundo, que vai tão perfeito quanto o senhor Osorio.
Porém o jogo que perdeu foi 7 a 0 para o Chile, na Copa América.
E o Brasil perdeu da Alemanha por 7 a 1 e nem por isso dizem que o time é mal. Se querem dizer que tomamos 7 a 0, vocês tomaram 7 a 1.
O que mais gosta em Osorio?
É um dos treinadores mais preparados, e isso faz ver coisas que outros não podem ver. E estar preparado é essencial hoje. Seus métodos, a tecnologia.
O que espera dele?
Esperamos que vá muito bem nas eliminatórias, primeiro que se classifique para o Mundial e depois que vá muito bem lá.
Você disse que se sentia livre no gol. Você foi um libertário?
Sim, fui muito neste aspecto. Nunca um técnico mudou minha forma de ser, de jogar. O mais importante sempre era a equipe. Eu me sentia assim e assim
E na vida também?
Sim.
De que forma?
Alegre, desfrutando. Porque há coisas piores no mundo, que às vezes não nos damos conta. Todos temos coisas divinas para comemorar. E as coisas sempre mudam, não pode perder toda sua vida por um tropeço ou queda. Tem de curtir a vida.
* O repórter viajou a convite da Nike