Passou praticamente despercebida não apenas no Brasil, mas na imprensa esportiva internacional a divulgação, na última quarta-feira, do documento Visão 2020 /2023: por um futebol verdadeiramente global, assinado pelo presidente da Fifa, o suíço-italiano Gianni Infantino para comemorar os quatro anos de sua eleição para o comando da entidade. E não é para menos: com raríssimas exceções, os 11 itens são de uma mesmice total, com muito pouco a avançar nas medidas que o esporte precisa.
É um exagero chamar de plano de ação as promessas de Infantino. Trata-se no máximo de uma carta de intenções, com muito pouco de atitudes concretas. A única coisa que não falta no texto é a soberba e a pretensão características da cartolagem futebolística. "Este documento configura um plano para modernizar o mundo do futebol, fazê-lo cada vez mais inclusivo e marcar o caminho até o dia em que contaremos ao menos com 50 seleções e outros tantos clubes de todos os continentes no máximo nível competitivo”, afirmou Infantino.
Na verdade, o roteiro construído pela Fifa para direcionar a gestão da entidade no próximo triênio claramente objetiva justificar, sob o signo da globalização, ideias que são quase uma obsessão pessoal de Infantino e que estão longe de representarem uma unanimidade no mundo da bola. Coisas como o novo mundial de clubes e o aumento do número de seleções participantes das Copas do Mundo ganham assim uma pretensa legitimidade ao serem abordadas de forma direta ou indireta em trechos do documento.
Temas fundamentais para o futebol - como as questões relacionadas ao racismo, a xenofobia, à discriminação por gênero, por exemplo - são lembradas de forma apenas superficial no 10° dos 11 itens do documento. Fala-se em "implementação das políticas correspondentes" e em "programas educativos no futebol de base " sem maiores explicações e sem revelar o que efetivamente será feito para punir atitudes que têm se espalhado pelos estádios.
O mesmo se aplica às questões de governança. Apesar dos escândalos que levaram à prisão ou mergulharam na penumbra boa parte dos dirigentes do futebol nos cinco continentes, esse tema continua a ser tratado com proposital superficialidade, quase que de passagem, em uma única frase. Destaca-se ali muito mais a intenção de orientar as federações e confederações filiadas do que a exemplificação de que ferramentas serão - ou poderiam ser - utilizadas para reverter essa situação, impondo um regime de transparência e princípios éticos.
De positivo, é preciso reconhecer, há referências ainda que sem o desejado aprofundamento à necessidade de estabelecer-se um calendário realmente global - o que no Brasil sempre foi desprezado pela dinastia Teixeira-Marin-Del Nero à frente da CBF -, a reafirmação do compromisso com o uso da tecnologia a favor do esporte, com o aperfeiçoamento do VAR e a busca de novos recursos digitais; e um capítulo inteiro dedicado ao desenvolvimento do futebol feminino, um dos poucos pontos, aliás em que há efetividade, com proposições que podem levar a consequências práticas.
A ideia de um futebol verdadeiramente globalizado não é ruim. Mas antes que se implemente é preciso que sejam atacadas de frente as mazelas que mancham o esporte. Quando comandou a Fifa de 1974 a 1998 João Havelange foi saudado como o homem que deu ao futebol uma dimensão planetária. Multiplicou o número de filiados tornando a entidade maior do que a ONU – o que lhe rendia votos e prestígio para manter-se no cargo por tanto tempo. Por trás dessa fachada nobre e inclusiva, contudo, escancaravam-se as portas à corrupção que favorecia a uma elite de cartolas cada vez mais fechada nela mesma. Uma história que definitivamente a organização do futebol, mesmo com todo seu poder e sua influência, não seria capaz de suportar outra vez.