Cair dentro da área e levantar os braços pedindo pênalti é uma rotina no futebol brasileiro. O cara perde a passada ou a bola escapa do domínio do pé e ele logo se joga, como se tivesse sido atropelado pelo zagueiro adversário. Alguns até têm certo talento, são capazes de vez por outra levar o juiz na conversa. Talvez consigam enganar até a tecnologia do vídeo. Mas a maioria protagoniza lances bizarros cuja única consequência é jogar a torcida contra arbitragem e tornar o jogo mais tenso do que deveria ser.
A recomendação da Fifa, acatada pela CBF, é que esses verdadeiros atores da bola sejam punidos com o cartão amarelo. Os critérios, contudo, como em quase tudo na arbitragem brasileira, têm se mostrado confusos. Há lances de clara simulação em que o jogador passa ileso a qualquer ação do juiz. E há jogadas duras, bolas disputadas no corpo a corpo, em que o atacante acaba injustamente amarelado como se tivesse se jogado ao chão.
Achar que o futebol um dia vai tomar jeito, que lances de fair play vão se multiplicar e tornar-se regra é quase a mesma coisa de acreditar que o trânsito brasileiro, um campeão de acidentes e de mortes, em algum momento vai entrar na linha e todo mundo vai dirigir dentro das normas. Nem uma coisa nem outra vai acontecer. A simulação de um pênalti - ou um gol intencional de mão – vai continuar a existir, sempre. É reflexo do espirito malandro, da lei de Gérson, aquele que gostava de levar vantagem em tudo, que se estabeleceu em boa parte sociedade brasileira.
Mas não soframos tanto. Não há, nesse caso, motivos para alimentar nosso velho complexo de vira-latas. O problema das simulações e dissimulações é uma praga do futebol mundial. Um mal que a atuação da arbitragem, ainda que rígida, está longe de por um fim. Mas há uma novidade em curso: a postura de algumas federações e ligas que criaram e vêm consolidando normas próprias para combater a malandragem.
O regulamento da Premier League e outras divisões inglesas é o mais avançado neste sentido. A partir desta temporada, a Football Association, entidade que comanda o futebol no país, determinou que pênaltis polêmicos passem a ser examinados por uma comissão especial, após os jogos, com base nas imagens de TV. Uma espécie de árbitro de vídeo postergado. Formado por um ex-jogador, um ex-treinador e um ex-juiz esse grupo tem plenos poderes para enquadrar os espertinhos que podem receber um gancho de até duas partidas se a má-fé, induzindo o árbitro a marcar o pênalti, ficar comprovada.
Todas as penalidades marcadas por faltas cometidas dentro da área de alguma forma passam agora pelo crivo da comissão. As consideras suspeitas ganham uma análise mais detalhada. O primeiro caso a ser examinado, em meados do mês passado – será uma ironia? – envolveu justamente um brasileiro: Richarlison, ex-jogador do Fluminense. O atacante do Watford foi acusado de se jogar, provocando a marcação de um pênalti decisivo na surpreendente vitória por 2 a 1 contra o Arsenal, no primeiro turno da Premier League. Acabou absolvido depois que os analistas julgaram ter ele realmente sofrido falta.
Menos sorte teve Shaun Miller, do Carlisle United, time que disputa a League Two. Na partida contra o Wycombe Wanderes, que terminou empatada em 3 a 3, ele caiu na área, o juiz entendeu que foi empurrado e o pênalti foi marcado. Mas a alegria durou pouco. A Comissão considerou que o atacante se jogou deliberadamente para iludir o árbitro e ele acabou sendo suspenso por dois jogos, no primeiro caso em que a regra anti-simulação foi aplicada de fato na Inglaterra.
Certamente muita coisa ainda terá de ser feita para aperfeiçoar a legislação britânica. Mas a norma da Football Association – vinda exatamente do país onde as regras do futebol moderno foram instituídas - é um exemplo a se espalhar. A Fifa está de olho, acompanhando de perto os resultados. Mudanças como essa, às vezes, levam anos para serem aprovadas pelos velhinhos do conselho da entidade. Mas,os efeitos positivos surgem muito antes disso. Já servem para arejar o mundo da bola.