Do crescimento à ruptura imediata: como a Gazprom ganhou e perdeu sua influência sobre o futebol

Veja como a estatal russa cresceu e quais são os impactos do fim de seus patrocínios a clubes e competições pelo mundo

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Uma das pioneiras entre as estatais nos investimentos em futebol, a Gazprom costumava aparecer em todos os lugares, seja em camisas de grandes clubes ou em placas de publicidade de jogos da Copa do Mundo ou da Champions League.

Os milionários patrocínios a torneios e times faziam com que a empresa russa tivesse sua marca exibida nas grandes vitrines do esporte. Mas bastou a invasão russa à Ucrânia para que todo esse vínculo esportivo da companhia de gás do país governado por Vladimir Putin terminasse de maneira rápida.

O QUE É A GAZPROM?
A companhia de gás natural russa foi fundada em 1989, dois anos antes do fim da União Soviética, quando o país ainda passava pela redução do controle sobre as empresas. Com o fim do regime soviético, a empresa foi privatizada.

Após a chegada de Vladimir Putin ao poder, em 1999, o governo russo começou a exercer uma força sobre os oligarcas e companhias, concentrando-se nas exportações de petróleo e gás, que representam mais de 40% do orçamento russo.

Liderada por Alexei Miller, um aliado próximo de Putin, a Gazprom foi estatizada em 2005, com cerca de 50% de suas ações pertencendo ao governo, o que significa que os lucros da companhia estão sob o controle do presidente russo.

A Rússia tem a maior reserva de gás natural do mundo e a maior parte delas se concentra em campos no Ártico, controlados pela Gazprom, o que corresponde a 15% de todas as reservas em todo o planeta. A companhia estatal russa está entre as 15 maiores empresas do mundo, de acordo com ranking da Forbes, em 2011, possui 432 mil empregados e tem um faturamento anual de 91 bilhões de dólares (RS460 bilhões).

Além disso, diversos países da Europa, especialmente na parte oriental, dependem desse gás natural. O suprimento dos recursos naturais da Rússia por parte destes países chega a mais de 50%.

A RELAÇÃO COM OS CLUBES

Patrocínio do Schalke se tornou um símbolo para o clube ao longo dos últimos anos (Foto: Divulgação/Schalke 04)


Sete anos antes de patrocinar o Schalke 04, a Gazprom tinha fechado uma parceria com o governo alemão liderado pelo chanceler Gerhard Schröder, que queria usar o gás para suprir o setor energético do país.

Em 2005, a empresa russa começou a construir o gasoduto Nord Stream, para evitar as taxas cobradas pelas transportações por oleodutos. O projeto já tinha sido aprovado pelo governo alemão antes das eleições que Schröder perderia para Angela Merkel. Após o fim do mandato, o ex-chanceler foi nomeado supervisor da construção e aprovou um empréstimo secreto de 1 bilhão de dólares (RS$5 bilhões), à época considerado um escândalo.

Um ano depois, a companhia passou a patrocinar o Schalke 04, que passava por dificuldades financeiras e tinha uma dívida de mais de 100 milhões de euros (R$556 milhões). Muito dessa parceria se deve ao fato de o clube estar ligado ao setor energético do país. O Schalke é de Gelsenkirchen, uma cidade localizada no vale do Ruhr, que concentra grande parte da indústria energética do país e se situa perto de Rehden, que é um hub de gasodutos para a Europa, além de concentrar a maior instalação de gás do continente.

No entanto, apesar das classificações para competições europeias, o clube só venceu uma Copa da Alemanha, na temporada 2010-11. Um ano antes do rompimento com a Gazprom, o Schalke foi rebaixado para a segunda divisão.

ZENIT

Claudinho foi um dos principais jogadores do Brasileirão nos últimos anos e foi contratado pelo time russo (Foto: Divulgação/Zenit)

Em 2005, o Zenit teve suas ações compradas pela Gazprom, que investiu mais de 100 milhões de dólares (R$500 milhões) no clube. Os investimentos foram fundamentais na compra de jogadores como o brasileiro Hulk e o belga Witsel, além da construção da Gazprom Arena.

A partir do início da Era Gazprom, o Zenit logo se tornou a principal potência do futebol russo, tendo vencido cinco vezes a liga local, além de uma Copa da UEFA, na temporada 2007-08, e a Supercopa Europeia. O time se classifica constantemente para a Champions League e é usado para ações de marketing da empresa, como mini-jogos dentro da plataforma de gás e amistosos, como o jogo comemorativo da parceria da Gazprom com o Schalke, em 2006.

Em setembro de 2018, o Zenit enfrentou o FC Orenburg, que anteriormente se chamava Gazovik Orenburg, e pertencia a uma subsidiária da Gazprom. Segundo a regra da UEFA, dois clubes comandados pela mesma empresa não podem disputar a mesma divisão. O Orenburg alegou que era comandado por uma subsidiária da companhia de gás e, mesmo assim, teve que mudar de nome, mas foi liberado para disputar o Campeonato Russo.

ESTRELA VERMELHA

GIgante sérvio também e um dos clubes que seguem sendo patrocinados pela Gazprom (Foto; Divulgação/Estrela Verfmelha)

Por trás da parceria, inicialmente, havia uma nova construção de um gasoduto: o SouthStream, que passava pela Sérvia e atingia a Itália e a Áustria, abastecendo o sul da Europa. O projeto foi fechado em 2014, mas a Gazprom continuou com o patrocínio ao clube. O Estrela Vermelha passou a ser patrocinado pela empresa em 2010, quando tinha uma dívida de 25 milhões de dólares, que pôde sanar com o dinheiro pago pela companhia da Rússia.

A Gazprom tem uma subsidiária sérvia, chamada Gastrans, que projetou construir o TurkStream, que forneceria gás para a Europa e a Turquia. Porém, devido às regras anti-monopólio da União Europeia, o funcionamento do gasoduto foi proibido.

As duas nações são historicamente aliadas. Os dois países assinaram um tratado de amizade durante a 1ª Guerra Mundial. A maioria dos nacionalistas sérvios, inclusive, se consideram pró-Rússia e muitos deles se concentram na torcida do Estrela Vermelha. Torcedores cantaram em favor da invasão russa à Ucrânia em um jogo recente pelo Campeonato Sérvio.

CHELSEA

Ex-dono do Chelsea nega ter relação com Putin (Foto: AFP)

A relação com o Chelsea foi a menos relevante, até porque o patrocínio ocorreu para intervir no Fair Play Financeiro, adicionando mais parceiros de publicidade ao clube.

Ex-dono do Chelsea, Roman Abramovich é a principal ponte para a relação entre o clube e a empresa. Vale lembrar que o magnata russo é o principal responsável pelo crescimento dos Blues, que atingiram o patamar dos gigantes europeus, vencendo duas Champions e seis títulos ingleses, além de um bicampeonato na Europa League.

A única relação de Abramovich com a Gazprom vem do fato dele ter vendido as ações de sua empresa de petróleo (Sibneft) para a companhia em 2005. Após pressão no Reino Unido, o magnata russo vendeu o Chelsea e foi um dos empresários russos sancionados pelo parlamento britânico.

+ Veja as sanções sobre Abramovich e os impactos no Chelsea


A RELAÇÃO COM COMPETIÇÕES

FIFA
A partir de 2014, a Gazprom começou a marcar presença nas competições da entidade máxima do futebol. Coincidentemente, a parceria começou ao fim do Mundial no Brasil e no período prévio à Copa do Mundo na Rússia, em 2018, na qual a empresa também foi um dos principais patrocinadores.

UEFA
A empresa começou a patrocinar a UEFA em 2012, inicialmente na Champions League, e tinha contrato até 2024. A final da Liga dos Campeões de 2022 teria forte participação e marketing da estatal russa, já que seria disputada em São Petersburgo, na Gazprom Arena, estádio do Zenit. 

A RUPTURA APÓS A INVASÃO
A partir do momento da invasão da Rússia à Ucrânia, não demorou muito para que ocorresse um rompimento de diversas partes do mundo da bola com a Gazprom. O primeiro movimento veio do Schalke 04. O clube recebeu cerca de 150 milhões de dólares (R$505 milhões) nos últimos 15 anos e receberia mais 50 milhões (R$252 milhões) nos próximos cinco anos. Hoje, o time está na segunda divisão alemã e possui uma dívida de 220 milhões de dólares (R$1,1 bilhão), segundo a revista alemã "Der Spiegel".

A UEFA também rescindiu com a Gazprom e deixará de faturar 100 milhões de euros (R$556 milhões) pelos próximos dois anos. O contrato entre as duas partes se encerraria em 2024, após o término da Eurocopa, que será realizada na Alemanha. Além da Euro, a Gazprom também já está de fora da Champions e sua logo já deixou de ser exibida no torneio. O local da final também foi alterado: da Gazprom Arena, em São Petersburgo, passou para o Stade de France, em Paris.

A FIFA, por sua vez, não oficializou nenhum rompimento com a empresa e apenas excluiu a Rússia de suas competições. A Gazprom já não aparece mais entre os patrocinadores em seu site.

A Gazprom não deverá sofrer impactos muito grandes por se tratar de uma das maiores empresas do mundo, porém perderá bastante em divulgação de marca, visto que sua propaganda dentro do futebol se reduzirá muito. A empresa não mais aparecerá em camisas e placas de publicidade e não terá mais participação em ações de marketing, como eventos dentro do calendário de competições esportivas. Ou seja, é possível dizer que os clubes e entidades se arriscaram bastante, visto que perderão bastante arrecadamento, devido a uma decisão movida pela repulsa aos ataques russos à Ucrânia.

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