Depois de um período conturbado na federação local e a passagem de três treinadores diferentes em um ano, a seleção da Arábia Saudita, adversária do Brasil em amistoso na próxima sexta, parece ter se estabilizado. Após um resultado mediano, mas dentro dos padrões esperados, na Copa do Mundo da Rússia, os Falcões buscam manter uma linha de trabalho atrás de bons resultados no continente asiático.
Após a polêmica demissão do holandês Bert van Marwijk, que teve alguns problemas com a federação, em setembro do ano passado, e a passagem-relâmpago do argentino Edgardo Bauza, com um retrospecto negativo nos amistosos que fez em pouco mais de um mês no comando da equipe, a Arábia Saudita parece ter encontrado um futuro no treinador Juan Antonio Pizzi, campeão da Copa América em 2016 com o Chile.
Relembre: resultado na Copa do Mundo
Após van Marwijk ter comandado a Arábia Saudita em praticamente toda a campanha nas eliminatórias, na qual os Falcões ficaram em segundo lugar de seu grupo e garantiram presença no Mundial sem a necessidade de passar por um 'play-off', o treinador hispano-argentino foi anunciado no fim de 2017 e não teve muito tempo para preparar a equipe para a disputa da Copa do Mundo.
Apesar disso, Pizzi comandou a Arábia Saudita em nove amistosos antes da Copa do Mundo e conseguiu, mesmo que em pequena intensidade, formar um perfil ao time. Nos jogos antes do Mundial, foram três vitórias (Moldávia, Argélia e Egito), um empate (Ucrânia) e cinco derrotas (Iraque, Bélgica, Itália, Peru e Alemanha).
Na Rússia, a Arábia Saudita conseguiu vencer sua primeira partida em Copas do Mundo desde 1994, edição em que chegou nas quartas - sua melhor marca até hoje em Mundiais. O feito ocorreu contra o Egito, na última rodada da fase de grupos, em uma vitória por 2 a 1, com gols de Salman Al-Faraj e Salem Al-Dawsari.
Apesar disso, as derrotas para Rússia, por 5 a 0, e Uruguai, pelo placar mínimo, decretaram uma eliminação na fase de grupos para os sauditas. Diante de um grupo complicado, os três pontos conquistados representaram uma campanha positiva na principal competição entre seleções do mundo.
O que mudou desde então?
Com uma federação tão rigorosa em torno de resultados, a permanência de Juan Antonio Pizzi, mesmo com a eliminação na fase de grupos da Copa do Mundo, é um sinal de que os mandatórios sauditas finalmente acreditam em um projeto de contínua evolução, o que pode trazer apenas benefícios para a seleção.
A partir de agora, o objetivo é de, primeiro, manter uma seleção competitiva em nível continental. A equipe vem, aos poucos, se renovando e Pizzi conta com atletas jovens a cada convocação que faz - na Copa do Mundo, o elenco saudita possuía uma média de idade de 28,1 anos.
Porém, os sauditas ainda esbarram no problema da falta de internacionalização de seu futebol. Os 28 atletas convocados por Juan Antonio Pizzi para os amistosos contra Brasil e Iraque jogam no futebol nacional - que, muito por conta do alto investimento dos donos dos clubes, vem crescendo e possui equipes com certa qualidade técnica, mas que não vence a AFC Champions League, principal torneio do continente, desde 2005, com o Al-Ittihad.
Antigamente, o panorama de encontrar muitos jogadores no futebol nacional era causado pela própria federação, que dificultava a saída dos atletas para centros mais competitivos no mundo. Nos últimos anos, a KSA tentou reverter essa situação fazendo uma parceria com a La Liga, o que resultou em alguns sauditas sendo emprestados para clubes espanhóis - no fim, porém, essa medida não teve muito sucesso, já que a maioria deles não teve muito tempo de jogo e retornaram para seus respectivos clubes no país-natal.
A Arábia Saudita fez apenas um jogo após sua participação na Copa do Mundo: no começo de setembro, os Falcões empataram com a Bolívia por 2 a 2. Na ocasião, os sauditas tiveram uma boa atuação no primeiro tempo, abrindo uma vantagem de dois gols, mas, com algumas substituições feitas, acabou perdendo força na etapa complementar e viu a seleção sul-americana, com jogadas de bola parada, empatar o duelo.
Campeonato Saudita: novas regras vão aumentar nível técnico e popularidade?
Desde 2017, a Federação Saudita, liderada por Turki Al-Sheikh, homem forte no futebol do país, estabeleceu novas regras para consolidar a tentativa de um campeonato nacional mais forte e, acima de tudo, atrativo - já que, com a presença de bons jogadores e treinadores, o nível dos jogadores sauditas pode, consequentemente, aumentar -, além de oferecer possibilidades para todas as camadas da sociedade terem acesso ao campeonato.
A principal mudança feita por Turki Al-Sheikh foi a permissão de sete jogadores - seis de linha e um goleiro - estrangeiros, superando a antiga marca de cinco atletas por clube. Além disso, o ministro busca ajudar os clubes colocando dinheiro 'do seu próprio bolso' - por exemplo, o mandatório contribuiu com o Al-Hilal para contratar o treinador português Jorge Jesus, com passagens por Braga, Benfica e Sporting.
Um dos projetos de Turki é chamado "ajude o seu clube", que consiste com os fãs contribuindo financeiramente com os times que torcem - uma espécie de sistema de 'sócio-torcedor', conhecido no Brasil. Além disso, ele ajudou com a diminuição de dívidas para os clubes da elite do país e faz promoções com sorteios de carros e smartphones para os torcedores presentes nos estádios durante os intervalos das partidas da liga nacional.
No fim de agosto, Turki estabeleceu que todos os jogos do Campeonato Saudita seriam transmitidos de graça para todo o país, para todos que possuírem um serviço pela empresa 'Saudi Telecom Company'. "Ainda acho que transmitir os jogos da liga de graça ainda não é suficiente", afirmou o mandatário, colocando uma deixa de que o processo de aproximação do Campeonato Saudita para com outras pessoas pode não ter se encerrado.
No meio de um país que se assume com uma postura absolutista, a Federação Saudita anunciou, neste mês, que Adwa al-Arifi e Reham Al-Onaizan integrão a comissão da instituição que rege o futebol no país. Uma decisão histórica, já que as duas são as primeiras mulheres a ocuparem qualquer cargo em uma agremiação que cuida de futebol na Arábia Saudita.
Se o país já era um 'alvo' de muitos jogadores brasileiros por conta do dinheiro, o nível também atingiu os jogadores europeus. Bafétimbi Gomis, artilheiro do último Campeonato Turco, assinou com o Al-Hilal; Souza, volante criado na base do Vasco, e Djaniny, melhor jogador do último Campeonato Mexicano, foram para o Al-Ahli; Ahmed Musa, artilheiro da Nigéria na Copa do Mundo, e Giuliano, com passagem recente pela Seleção Brasileira, para o Al-Nassr e a legião de brasileiros, formada por Thiago Carleto, Romarinho, Valdivia e Jonas, ao Al-Ittihad.
Estilo de jogo da seleção
Desde que chegou, Juan Antonio Pizzi estabeleceu a filosofia de um jogo focado na posse de bola, passes curtos e controle do jogo. Nesse contexto, o treinador acaba 'esbarrando nas próprias pernas': apesar de contar com alguns jogadores capazes de exercer este modelo, nem toda a equipe acompanha o ritmo e essa ideia acaba não sendo bem executada.
Entre os atletas que possuem capacidade para regerem o meio-campo estão Abdullah Otayf e Salman Al-Faraj, ambos do Al-Hilal. O primeiro, que passou um tempo no futebol português, vem se recuperando de lesão, mas é o ponto de equilíbrio do time, enquanto que o segundo, autor de um gol na última Copa do Mundo, é um dos principais jogadores da Liga Saudita.
Num geral, a Arábia Saudita é escalada no esquema 4-1-4-1, com Otayf sendo o jogador entre a linha de defesa e os quatro jogadores atrás do atacante, sendo responsável por qualificar a saída de bola desde o campo de defesa. Como não vem sendo muito utilizado no Al-Hilal neste começo de temporada por conta da lesão, o camisa 14 pode perder a vaga para Mohammed Kanno, seu companheiro de equipe.
A partir de toques curtos e rápidos, o grande objetivo da Arábia Saudita é conseguir fazer com que algum jogador de lado ou um dos laterais fique livre e consiga um cruzamento, buscando que o atacante principal consiga cabecear ou fazer um pivô, buscando o avanço dos jogadores mais recuados.
O grande problema da seleção está na sua postura defensiva. Com uma marcação em linha muito alta e com a tentativa de pressionar a saída de bola do time adversário, é possível encontrar muitos espaços entre os zagueiros e laterais, o que pode favorecer passes de média ou longa distância em profundidade, tentando aproveitar a velocidade dos jogadores de lado.
No momento defensivo, os jogadores de lado de campo podem recuar, se jutando aos laterais e formando uma linha de até seis marcadores. Apesar disso, a seleção saudita encontra dificuldades na transição entre o ataque e a defesa, o que pode gerar uma situação propícia para contra-ataques com superioridade numérica.