Qual o preço de um elenco estrelado? Títulos, muitas vitórias e um consequente sucesso? Como tudo no mundo do futebol, o preço de um plantel recheado de atletas de nível mundial pode causar uma ‘guerra de egos’ que, apesar do certo exagero do termo, traz uma situação de constante disputa pelos holofotes entre esses jogadores.
No Paris Saint-Germain, um dos clubes que sofre com grande pressão por resultados expressivos fora do âmbito nacional, a coisa não é diferente: Neymar, que assinou com o PSG tentando ser o principal protagonista de uma equipe, saindo da ‘sombra’ de Lionel Messi, Kylian Mbappé, também contratado na última temporada para ser um dos principais parceiros do brasileiro, e Edinson Cavani, maior artilheiro da história do clube, formam um trio de ataque badalado mas que pode trazer problemas, principalmente pelo momento em que chegam para começar a temporada.
Essa ‘luta pelo protagonismo’ enfrentada pelo time da capital francesa, assunto muito comentado na imprensa mundial, é fato recorrente nos bastidores de Paris, mas, para Bertrand Blais, ex-jornalista do portal francês L’Equipe, esse fator não deve ser um problema.
- Acho que essa briga pelo protagonismo vai atrapalhar o PSG apenas no pior cenário possível. Só se cada um ficar de mimimi e se comportarem como bobos, idiotas, individualistas e egoístas. É o pior cenário, é o cenário catástrofe. Não vai acontecer isso, eu vejo um motivo de otimismo. Não pela questão pela briga do protagonismo e sim a Copa que os três viveram, três Copas que foram bem diferentes para cada um – afirmou.
Contando apenas o desempenho com a camisa do clube francês, a última temporada os três é fantástica: Neymar, apesar da grave lesão, conseguiu 28 gols e 16 assistências em 30 jogos – média de 1,4 participação de gol por jogo –, Cavani se tornou o maior artilheiro da história do PSG, marcando 40 tentos e distribuindo 11 assistências, enquanto que Mbappé balançou as redes em 21 oportunidades, além dos 15 passes para gol.
Como é comum na atualidade, as redes sociais acompanham o clube e os jogadores a todo o instante. Vivendo na era dos rápidos compartilhamentos, o peso comercial do ataque acaba se tornando – em partes – tão importante quanto a parte dentro das quatro linhas. Para o PSG, que vê no trio de ataque diferentes formas de usar suas redes sociais, o peso digital pode acabar sendo mais um entrave.
Na opinião de Erich Beting, dono da Máquina do Esporte, veículo especializado em marketing esportivo e em negócios que envolvem esportes, será complicado para PSG conseguir uma campanha forte – tirando ações que envolvam puramente o Paris Saint-Germain – com o ‘lado comercial’ dos três por conta de suas diferenças, mas que as mídias sociais podem ser uma bomba-relógio para o time.
- Acho que há um bom potencial comercial dos três, mas notadamente Neymar é o mais midiático do trio, até pela característica deles. Os três, juntos, podem render ótimas ações comerciais para o PSG, mas não acredito que eles têm a mesma sinergia para estrelarem juntos uma campanha sem ser em nome do clube. Como hoje há muita procura por informação sobre os três nas redes sociais, tudo aquilo que está em volta deles têm repercussão. E isso pode interferir demais na relação dentro do clube. Especialmente agora que Mbappé volta da Copa num outro patamar, até mesmo para o torcedor francês. Qualquer postagem pode virar bomba relógio. E tanto o clube quanto os atletas precisarão gerenciar essas pretensões de cada um – falou.
A Copa do Mundo fez algum dos papéis pré-estabelecidos se inverterem: Neymar, que exagerou na valorização das faltas sofridas, virou uma espécie de chacota mundial, recebendo críticas de muitas pessoas envolvidas com o futebol. Mbappé, por outro lado, foi campeão com a França, sendo um dos jogadores mais decisivos e vencendo o prêmio de revelação. Dessa maneira, o francês, por ter levantado o troféu com a seleção do país do clube em que está, ‘assumiria’ o papel principal nos holofotes, dando um ‘fim’ ao objetivo do brasileiro.
- É um pouco difícil responder sobre o Neymar, porque a gente não sabe quem ele é. Como a comunicação dele é feita por outros, a gente já não sabe mais. Quando o encontrei pessoalmente em 2010, era um cara do bem, mas desde lá passou muito tempo e a carreira dele é admisnistrada por um cara que, no meu modo de ver, não tem competência para isso. A Copa que ele fez se a gente lembrar que ele saiu de uma lesão de três meses parado foi boa, mas o exagero nas reações das faltas acabou atrapalhando na leitura que a gente fez do torneio dele. Eu acho que ele voltará mordido para fazer os críticos se arrependerem de ter falado mal dele, e isso é um ótimo combustível, cada um encontra a maneira de se motivar onde quiser e ele obviamente vai usar essa desconfiança para tentar fazer a melhor temporada da carreira e o PSG tende apenas a lucrar com isso. Eu acho que essa vontade dele é tão grande que ele vai arrebentar nessa temporada – disse Bertrand.
Outro fato que ficou marcado na última temporada ocorreu na partida contra o Lyon, em setembro. Após uma falta dentro da área, Neymar demonstrou vontade de bater o pênalti, mas Cavani não deixou – e acabou acertando o travessão posteriormente. Desde então, muitos rumores sobre uma possível briga entre os dois nos bastidores surgiram, mas com o tempo tudo pareceu, em tese, a voltar ao normal. Para o jornalista, o uruguaio, que está focado apenas em vencer, não se importa com essa “guerra” com o brasileiro.
- O Cavani é diferente. Ele não é um boleiro típico, ele não quer holofote, quando está de folga ele vai para pescar na floresta, e ele é ídolo por isso. Ele tem como principal foco os resultados coletivos, assim como o Mbappé, acho que, dos três, o que mais quer brilhar individualmente é o Neymar, o francês um pouco menos e o Cavani, talvez pela mentalidade uruguaia, faça ele engolir sapos, até com a situação do Neymar. Claro que fora de campo eles nunca serão grandes amigos, mas ele o Cavani tem a capacidade de enxergar que todo mundo sairá perdendo se manter esse atrito. Então não tenho dúvida que eles vão acalmar os ânimos e também tem outros líderes que podem ajudar, como o Daniel Alves fez na época do pênalti. Acho que essa briga entre os dois já passou, aconteceu muitas coisas desde então. Os dois tiveram Copas bem diferentes, porém a competição foi frustante para os dois e por isso que o Cavani também quer mostrar mais coisa, ele está motivado pela lesão que o fez perder o jogo contra a França. Só se o Neymar quiser brigar muito com o Cavani mesmo para eles brigarem novamente – disse o francês.
Uma chegada à capital francesa foi a do treinador Thomas Tuchel, que, após um bom trabalho com o Borussia Dortmund, terá o desafio de lidar com os todos esses jogadores – o técnico, por sua vez, sempre se mostrou íntegro por onde passou, criando uma boa relação com os jogadores, mas que envolvia doses de respeito, já que ele mesmo faz questão de tratar todos os atletas da mesma forma.
- Ele coloca todos os jogadores no mesmo nível, do terceiro goleiro à estrela. A dúvida é de como ele vai lidar com um cara diferenciado como o Neymar, mas ele mostrou sinais de que pretende cuidar bem dele, que ele tem o entendimento de que o brasileiro é diferente. Vamos ver se ele abre mão da filosofia dele, de tratar todo mundo igual, ou se ele vai abrir uma exceção para o Neymar, talvez o atacante faça ninguém ter que abrir esse tipo de exceção porque ele vai entrar nos eixos e se comportar de forma humilde, mas tenho dúvidas em relação a esse pensamento a longo prazo. Em um primeiro momento até ok, mas a partir do momento em que saírem os resultados talvez ele volte a ter um pouco essa atitude de estrela, e isso será um teste para o Tuchel – disse o jornalista.
Na análise de Betrand, Kylian Mbappé, por ser um dos jogadores mais inteligentes que já viu, não está preocupado em ‘ultrapassar’ Neymar porque tem noção de que ainda está um passo atrás do brasileiro, mesmo com a explosão astronômica e os importantes títulos que conquistou nos últimos anos com equipes diferentes.
- O Mbappé não é desse mundo, ele veio de outro planeta porque tem uma maturidade, uma postura, fala de uma maneira que parece um doutor em literatura francesa. Ele tem um domínio da língua que é incrível para um boleiro, tem uma análise do que acontece que é incrível. Ele é muito inteligente, então acho que tem o entendimento de que ainda não está na hora de brigar pelo protagonismo, ele vê o Neymar como um cara melhor, então não vejo o Mbappé tentar ser maior. Por isso, o PSG tende a lucrar, o foco mais do que nunca é a Liga dos Campeões e o título chegará apenas se os três conseguirem se dar bem.
E dentro das quatro linhas?
Apesar de tudo envolve o trio de ataque do PSG fora do ‘ambiente próprio’ de trabalho, é inegável dizer que a habilidade desses atletas condiciona opções quase que infinitas para produzir ações ofensivas, já que ambos conseguem adicionar qualidade em mais de um quesito, e, com isso, acabam se completando. Thomas Tuchel tem em mãos velocidade, força física e qualidade para finalizações.
Longe daquilo que envolve o extracampo, o Paris Saint-Germain é um dos grandes candidatos aos títulos na temporada. Para Renato Rodrigues, colaborar do futebol francês no portal Footure, a chave é que o trio de ataque consiga se entender mais como um conjunto para conseguir grandes resultados.
- O trio já havia mostrado sua capacidade de criar oportunidades e marcar gols principalmente em jogadas de contra-ataques na temporada passada, mas, por alguns motivos, sentiu dificuldades em trabalhar de forma mais natural entre si. Edinson Cavani foi mais problema do que solução, pois seu estilo de jogo não complementa muito o que fazem Neymar e Mbappé fora da área num primeiro momento. Entretanto, a Copa do Mundo mostrou que Cavani, além de ser um matador natural, é um jogador muito capaz de organizar ataques fora da área e dar continuidade em outros momentos que não sejam momentos de finalização e tudo que o uruguaio representa como camisa “9” não pode ser ignorado. A Copa também mostrou que Mbappé é um jogador muito potente e, jogando na mesma posição na qual foi utilizado no Paris Saint-Germain, pode causar muito dano ao adversário com suas qualidades físicas e técnicas, seja construindo ataques ou respondendo de forma rápida às investidas do adversário. Por fim, Neymar cada vez mais mostra um aspecto altruísta no seu jogo que o eleva a um patamar de um jogador capaz de influenciar positivamente todo o sistema ofensivo de uma equipe, seja resolvendo jogadas por si só ou usando da sua criatividade para colocar companheiros em boas condições – afirmou.
Apesar de não movimentar o mercado como o fez em outras temporadas, o PSG resolveu apostar na base da última época, com as adições de Gonçalo Guedes, retornando de empréstimo, Gianluigi Buffon, mais um para ser um elo de experiência e do treinador Thomas Tuchel. Para o alemão, o grande desafio de ‘manusear’ o trio de ataque não deve ser muito diferente da que Unai Emery, antigo treinador, tinha.
- A posição dos três no papel deve seguir a mesma, mas a missão é tornar o trabalho de Mbappé, Cavani e Neymar algo mais homogêneo em campo, com tal aspecto tendo o bem estar dos três no gramado como fator importante e a organização do time sendo o fator fundamental para a obtenção de êxito dos três. Se no início da temporada passada Neymar teve um impacto positivo no futebol do PSG, o final de sua temporada havia deixado claro que sua equipe deixou de lado alguns processos em relação ao coletivo e o brasileiro acabou sendo responsável por trabalhar demais para fazer os ataques funcionarem. Com isso, Tuchel deve reatribuir funções e reestabelecer uma melhor organização no esquema como um todo para o Paris Saint-Germain ter o seu trio funcionado da forma ideal – completou.
Com a força técnica, um fator que sempre foi o algoz do PSG são times mais experientes. Quando em choque com uma equipe com história na Champions League, a equipe francesa possui muitas dificuldades. Apesar das seguidas decepções, André Andrade, criador do podcast “Imigrantes da Bola” afirma que esses resultados negativos servem como um impulso para que jogadores como Neymar, Cavani e Mbappé consigam lograr êxito em seus objetivos.
- O clube vem se consolidando nos últimos anos vencendo quase todos os campeonatos da França, tendo um dos melhores times do país. Agora, a tentativa é por conquistar a Champions League, eles (o trio ofensivo), como são grandes jogadores, acabam sendo influenciados de forma positiva com isso, de querer estar bem para jogar e chegar a um título que todo jogador sonha. Porém, ao mesmo tempo, tem alguns condicionantes que acho que impedem o PSG de chegar nessa questão ainda: como eu vi em uma entrevista do Unai Emery na temporada passada, o clube ainda precisa de "casca" para poder passar por momentos difíceis, como as eliminações para Barcelona e Real Madrid, e conseguir quebrar essa maré e conseguir ganhar mais experiência, que é um ponto importante. Esses jogadores sendo responsáveis por fazerem os gols acabam contribuindo com o grupo, não sendo algo negativo para eles, acho que é positivo o estímulo de vencer essa competição – afirmou.
O fato é que, teoricamente, o Paris Saint-Germain vem para brigar mais uma vez pelas posições de elite na Liga dos Campeões. E se depender dos três jogadores mais importantes, apesar das diferentes realidades que estão vivendo, a equipe da capital francesa cumprirá com o objetivo que está traçado.
Como o PSG pode jogar nessa temporada