Ao L!, Falcão fala do desejo de retomar a carreira de técnico: ‘Hoje em dia, você precisa ser um manager’
Ídolo do Colorado e integrante da icônica Seleção brasileira de 1982, ex-jogador atendeu a reportagem do LANCE! e conversou sobre diversos temas; confira!
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Ídolo do Internacional, onde foi tricampeão brasileiro, da Roma e um dos símbolos da mágica Seleção Brasileira de 1982, Paulo Roberto Falcão diz que nunca pensou em ser treinador. Mas o destino, que teima em contrariar projeções, não só o conduziu à carreira não planejada como a levou a iniciar a trajetória no posto mais cobiçado por boa parte dos técnicos brasileiros: a Seleção.
- Lá no fundo da minha cabeça, eu tinha um pensamento que era: 'Se for para começar, que seja com a Seleção Brasileira'. E foi isso que aconteceu. Eu até brincava, falava que poderia falar que eu era inexperiente, mas burro não.
Passadas pouco mais de três décadas dessa estreia, entre idas e vindas na função por clubes e seleções (esteve também à frente do Japão), e entremeadas por um longo período em que se destacou como comentarista na Rede Globo, o "Rei de Roma" segue interessado em comandar equipes de futebol. Mas com um perfil que vá além do campo.
- Hoje em dia, para ser treinador, você precisa ser um 'manager'. Gosto do campo, do treino, depende do convite, da situação, para ser responsável da organização do futebol, escolher as contratações. Talvez algo assim.
O último trabalho de Falcão como treinador foi em 2016, no Internacional, clube em que escreveu uma linda história de glórias e idolatria como atleta. Permaneceu no cargo por apenas 25 dias, episódio que ainda o incomoda.
- Foi frustrante, nem pelo fato de ter jogado lá, mas uma falta de respeito com o treinador. Não tem como mudar em 25 dias. Faltou respeito, se mistura um pouquinho do ex-atleta, um cara que praticamente levou o clube para a Europa, ninguém sabia quem era o Internacional.
Nesta entrevista exclusiva ao LANCE!, em um hotel da capital paulista, o ex-jogador falou desse e de outros assuntos, como tática, o momento da Seleção Brasileira, o aumento da presença de técnicos estrangeiros no país e muito mais. Confira abaixo:
Como era o Falcão criança? Já tinha o sonho de jogar futebol?
Sempre pensei em bola. Todo o Natal meu pai me dava de presente uma bola, era certeza. Na época, íamos dormir, Papai Noel vinha de madrugada e colocava a bola embaixo da cama. Então, no outro dia, eu ia e pegava a bola. No dia que ele inventou de me dar uma outra coisa, não gostei, chorei (risos). Na época, a bola era vermelha, teve uma vez que ganhei a bola, chutei, ela bateu no prego e furou, no primeiro dia. Quando éramos crianças, falávamos que a bola tinha dois lados, e quando ela furou, ela mostrou o lado da frustração. Tem o lado dos sonhos e felicidade e da frustração. A bola representa alegria, tristeza, vários lados. Descobri isso quando comecei a jogar futebol, comecei pequeno, teve uma fase em que não tinha bola, morava em Canos, fazíamos bola de meia, papel. Essa é a minha relação com a bola.
Você estreou no Internacional na década de 70, e é considerado um dos maiores, senão o maior jogador da história do clube. Qual a importância do Colorado na sua vida?
Tenho carinho pelos torcedores, a relação, o respeito que eu tenho com eles e eles comigo. Isso é o mais importante. O clube, passam dirigentes, outros você gosta, outros não, alguns não reconhecem a grandeza. Para mim, a relação com o Internacional é com os torcedores. Não acompanho muito mais os times, vejo normalmente jogos contra times que eu possa ter a possibilidade de treinar de novo.
Após sua passagem pelo Internacional, você foi contratado pela Roma. Na época, era um desejo seu se transferir para o futebol italiano, que vivia o seu auge?
O futebol italiano, na época, era como se fosse a Premier League hoje, todo mundo queria ir para lá. O mercado da Itália estava fechado, ele se abriu depois de 12, 13 anos fechado. Fui um dos primeiros a ir. Jogava somente um estrangeiro, não era igual hoje, que joga dois, três, tem mais estrangeiros que jogador de lá. A adaptação era mais difícil. Não tinha muita informação, nem de lá para cá, nem daqui pra lá. Na realidade, o primeiro time que me ligou foi o Milan, por intermédio do Gianni Rivera, um dos grandes jogadores da história da Itália, o Bambino de Ouro. Ele era diretor do Milan e me chamou para jogar no clube. Mas tinha um problema, eles poderiam ir para a Série B, acabaram caindo e eu não fui. Isso foi em fevereiro. Depois, a Roma veio falar comigo em julho e eu fui. Era difícil naquela época, país diferente, idioma diferente, não sabia o que eu ia encontrar. Era outra cultura, mas era hora de sair, tinha 27 anos, conquistado muito no Brasil, oportunidade para abrir mercado para os brasileiros. Fiz certo, acho que as coisas andaram melhor do que eu imaginava. No primeiro ano já merecíamos o campeonato, mas tivemos um gol anulado contra a Juventus que foi um dos maiores escândalos de lá. Ganhamos duas Copas da Itália. Foi muito bom.
Lá na Roma, você conquistou três Copas da Itália, em 1980–81, 1981–82 e 1983–84, além da Série A de 1982–83, ganhando o apelido ‘Rei de Roma’. Como foi ter essa alcunha? Ficou assustado no começo?
Achei um exagero, né (risos). Digo sempre, na vaidade ia ser maravilhoso, mas na inteligência, não. Isso é um carinho deles, eles foram excepcionais comigo, até hoje. Eles têm um reconhecimento que é uma coisa rara. Adoro Roma, a Itália de modo geral, torço para o futebol da Itália. Primeiro, Seleção Brasileira, depois a italiana. Adorei que eles foram campeões da Eurocopa, precisava ganhar. Agora está com dificuldades nas Eliminatórias. Torço muito para eles, me deram muito carinho, tenho o reconhecimento.
Qual jogo mais marcante nessa época da Roma?
Ah, eu tenho dois. O jogo em que ganhamos o campeonato, empatamos com o Genoa e fomos campeões e o jogo que o juiz anulou o gol, em 1981, contra a Juventus. até hoje a Juve é um exemplo, de organização, de planejamento, mas naquela temporada merecíamos o título. Estávamos a um ponto deles, nós com 38, eles com 39. Se ganhássemos, ficaríamos com 40 e passaríamos eles, faltando dois jogos, naquela época uma vitória dava dois pontos.
O seu último clube na carreira foi o São Paulo, onde ganhou o Paulista de 1985. Como você avalia essa sua passagem pelo Tricolor?
O São Paulo montou um grande time naquela época, fomos campeões paulistas. Cheguei aqui em setembro, conquistamos o título em dezembro. Em janeiro, fevereiro, recomeçamos o trabalho, mas na Seleção para a Copa de 86. Não joguei o segundo semestre daquele ano. Teve um jogo, acredito que foi São Paulo x Santos, estava me dirigindo ao banco de reservas, na frente da torcida e eles começaram a aplaudir. Isso eu nunca me esqueci, foi uma manifestação fantástica de reconhecimento, de carinho.
Como você analisa esse atual momento do São Paulo, agora com o Rogério Ceni no comando? Acredita que vai dar bons resultados?
Eu acho que era um fato natural a volta do Rogério. tem que dar tempo, tem que ter calma. Lembro de uma frase do Klopp, treinador do Liverpool, que ele diz: 'Não sei como os caras do Brasil conseguem, às vezes eu levo um ano para montar o time, no Brasil querem que monte em um mês, dois meses'. Mas não é problema do Brasil e sim das gestões.
Você chegou a ser convocado para o Mundial de 78, mas acabou sendo cortado. O que houve?
Tive uma discussão com o treinador na época. Até não gosto de falar muito, porque ele faleceu e fica estranho de eu ficar falando. Foi uma discussão e ele não me chamou mais. Isso aconteceu antes de um jogo contra o Paraguai, depois ele não me levou para a Copa, estava em grande momento, em 78 ganhei a Bola de Ouro da Placar, ganhei novamente em 79. Acabei não ganhando em 77 porque fiz um jogo a menos que o regulamento permitia, senão acredito que ganharia. Tive a melhor média da Bola de Ouro no período daquela Copa, então foi uma 'paulada' para mim, até porque era do lado de casa, na Argentina. O jogo que eu vi que senti que poderia ajudar foi no Brasil x Argentina. Tinha muito espaço, eles jogavam em um 4-3-3 clássico, vi aquele jogo e senti que era para mim.
Depois dessa não ida a Copa, você teve a chance de jogar o Mundial em 1982, com uma Seleção que ficou marcada pelo estilo de jogo vistoso. O que faltou para chegar à conquista daquele Mundial?
Quando eu fui convocado, toda essa frustração passou pela minha cabeça. Joguei a Copa de 82 como se estivesse jogando também a de 78. Fui escolhido como o segundo melhor jogador do Mundial, a Copa para mim, individualmente, foi muito boa, pena que no coletivo não conseguimos. Na realidade, não faltou nada, a Itália jogou muito bem aquela partida, nós também, construímos para fazer mais dois gols, duas cabeçadas que o Zoff pegou. Acredito que não tem explicação, são coisas do destino. As duas seleções jogaram bem, criaram situações. O resultado mais justo acredito que seria um empate. Fiz um livro intitulado 'Brasil 82: o time que perdeu a Copa e conquistou o mundo', em que falo bastante desse jogo. Fiz uma pergunta para todos que disputaram essa partida: 'Por que perdemos?' E cada um tem uma explicação, mas ao longo do tempo, fui notando que as respostas foram mudando e encerro dizendo assim: 'Nós não perdemos, ganhamos o título de Seleção do Encantamento, até hoje somos lembrados.' Estamos falando de 82 depois de 40 anos dessa Copa. Para mim, isso já é um título. Foi uma belíssima Seleção.
- Na realidade, eu nunca pensei em ser treinador. Mas lá no fundo da minha cabeça, eu tinha um pensamento que era: 'Se for para começar, que seja com a Seleção Brasileira'. E foi isso que aconteceu. Eu até brincava, falava que poderia falar que eu era inexperiente, mas burro não (risos)'
Após a sua carreira, você começou como treinador e logo na Seleção Brasileira. Como foi esse processo?
Na realidade, eu nunca pensei em ser treinador. Mas lá no fundo da minha cabeça, eu tinha um pensamento que era: 'Se for para começar, que seja com a Seleção Brasileira'. E foi isso que aconteceu. Eu até brincava, falava que poderia falar que eu era inexperiente, mas burro não (risos). Acho que eu estava preparado, sempre fui um jogador líder da equipe, facilidade de comunicação, de liderança. Sempre joguei futebol preocupado com a parte tática, quando fui para a Itália, floresceu ainda mais. A Itália tem um futebol muito tático. Então, sempre olhava o adversário e analisava se o que tínhamos planejado estava acontecendo, sempre tive esse cuidado. Segundo os treinadores que me dirigiam, eu sempre fui um técnico dentro de campo.
A falta de amistosos com grandes europeus na Seleção Brasileira faz falta para 'medir nossa força' para a Copa, tendo em vista as quatro últimas eliminações para europeus em Copas?
Não jogamos porque não tem como jogar. Eles jogam Eurocopa, Liga das Nações, Eliminatórias, não tem espaço. Isso é um problema que o Tite também esta preocupado, essa medida de força com europeus, França, Inglaterra, Itália, Bélgica... Isso não vamos ter. Acho que quem rivaliza no momento com nós é a Argentina, os jogos são sempre muito disputados. Esse ano, pela pandemia, não tem como, o calendário foi atropelado. Nos anos anteriores até jogávamos, cobri pela Globo Brasil x Itália em Londres, Brasil x Inglaterra... Hoje, ninguém está conseguindo fazer isso porque não tem data. Isso é ruim para nós. Os europeus estão jogando entre eles, medindo forças, enquanto estamos medindo forças jogando na América do Sul. Os clubes europeus se enfrentam e isso pode ser uma vantagem para os jogadores da Seleção Brasileira que atuam na Europa, se eles observarem bem eles podem trazer isso para o grupo.
É a favor de técnicos estrangeiros na Seleção Brasileira?
Eu sou favorável à competência sempre. Não estou preocupado com a nacionalidade, se é estrangeiro ou não. É difícil o Brasil ter técnico estrangeiro, não tem esse perfil, assim como a seleção da Itália e da Argentina, que também não têm treinadores estrangeiros. Brasil não tem, Argentina não tem, Uruguai não tem. O Peru tem, Sampaoli dirigiu o Chile... Nessas seleções, nesses países com mais destaque é difícil você ter treinador estrangeiro, Alemanha, Itália, Espanha... Eu não lembro. É difícil um estrangeiro trabalhar em outra cultura.
'Nas Eliminatórias não tem o que falar, tem que bater palma. O Tite e a CBF estão preocupados com essas questões dos europeus, não tem espaço. Mas acredito que o Brasil possa chegar na Copa e desempenhar um bom papel. Estarei torcendo muito.'
Você vê a Seleção no mesmo nível dos grandes favoritos hoje? Como analisa essa fase do Brasil?
Nas Eliminatórias não tem o que falar, tem que bater palma. O Tite e a CBF estão preocupados com essas questões dos europeus, não tem espaço. Mas acredito que o Brasil possa chegar na Copa e desempenhar um bom papel. Estarei torcendo muito.
Como você analisa o mercado de técnicos no Brasil, que não dura um ano no cargo. Ainda assim, acha que vale a pena? Tem alguma ideia para que isso possa mudar, já que a nova medida de demitir só um técnico no Brasileirão se mostrou uma grande balela?
Na realidade, eu tinha sugerido, sendo um dos diretores da Federação Brasileira de Treinadores, independente de pedir demissão ou ser demitido, não poderia ter mais do que dois treinadores. Acharam ,melhor não, se não for demitido pode ter mais que dois. Então, abriram espaço para fazer isso. Na realidade, o meu voto foi contrário disso. Na minha ideia, facilitaria o trabalho do clube, que poderia escolher melhor o profissional, sabatinar o primeiro que ele for contratar, quando tirar esse treinador, ele saberia que teria que escolher alguém que possa ficar o resto do campeonato. Além disso, preserva a diretoria do clube caso o segundo treinador não desse certo, porque teria que seguir o regulamento.
Nos últimos anos, vimos um crescimento de técnicos estrangeiros no futebol brasileiro, conquistando títulos, como Abel Ferreira no Palmeiras e Jorge Jesus no Flamengo. Como você enxerga a presença deles no futebol nacional?
Mostraram competência. O que eu não gosto e desaprovo é o modismo. Contratar um treinador de uma determinada nacionalidade porque está dando certo em outros clubes. às vezes foge da convicção para 'ir na moda'. Para você ter um profissional tem que passar por isso. Tem que pensar se aquele profissional pode dar certo. Tem times que contrataram técnicos estrangeiros no meio do campeonato, tendo que se adaptar, conhecer o grupo. Ai é modismo, não é convicção.
Qual seu estilo de jogo preferido como treinador?
Depende dos jogadores que eu tiver. Gosto do time que tenha a posse da bola, quero fazer meu time jogar por 15 bolas, não por uma. Não gosto do chutão do goleiro, temos algumas coisas no futebol brasileiro: 'Ah, tem que tirar a bola da defesa'. Às vezes, tem que tirar mesmo, mas em outras situações, não, tem que ter noção disso, saber o momento. Dar condições para que o time jogue com calma. Eu gosto de ter dois jogadores na frente, não gosto de um homem só na frente, a não ser que você tenha dois atletas muito fortes por fora para encostar. Mas não gosto é meio relativo. O Liverpool mesmo, joga com somente um na frente, mas tem Mané e Salah chegando dos lados. Não tenho uma definição, mas quero um jogo que eu tenha a bola. Sei que vou correr riscos, mas se for para perder que seja assim, correndo riscos. Agora, eu vou ter 20 bolas para fazer o gol, adversário terá duas. E que tenha um plano B. às vezes, o plano B é mais importante do que o A. Estamos jogando assim, não deu, treinamos de outra maneira e mudamos. A minha ideia como treinador é montar um time que ganha jogando bem e que emocione. Se ganhar sem jogar bem, você não dura. Jogar um futebol bonito para que as pessoas que vão assistir, aplaudem, ver um futebol bonito, ainda mais depois da pandemia, que eles ficaram afastados do estádio. Isso está muito claro para mim.
Qual o seu objetivo para o futuro? Está nos planos voltar a ser treinador?
O objetivo é esse. Hoje em dia, para ser treinador, você precisa ser um 'manager'. Gosto do campo, do treino, depende do convite, da situação, para ser responsável da organização do futebol escolher as contratações. Talvez algo assim.
Se viesse um convite para ser treinador do Internacional, aceitaria?
Eu não pensei mais nisso. Depois do que fizeram das últimas duas vezes comigo, foi um desrespeito, de classe, de tudo. Saí de lá com 25 dias de trabalho, foi frustrante, nem pelo fato de ter jogado lá, mas uma falta de respeito com o treinador. Não tem como mudar em 25 dias. Faltou respeito, se mistura um pouquinho do ex-atleta, um cara que praticamente levou o clube para a Europa, ninguém sabia quem era o Internacional. Em 1980, quando fui jogar na Roma, fiz questão que o Inter fosse fazer o primeiro jogo. Depois, quando vim para o São Paulo, jogamos São Paulo x Inter, sempre tive relação com o torcedor, não muito com dirigentes. Da minha época sim, na época que os dirigentes não tinham a facilidade que tem hoje. Hoje, a televisão banca muito, antes os times viviam da torcida, do associado, não tinha aporte de televisão, premiação. Hoje é mais fácil. Naquela época, era mais difícil.
Como foi a sua passagem na TV Globo e as relações com os profissionais de lá?
No final de 94, depois que treinei o Japão, ia começar a fazer um talk-show e o pessoal da RBS, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul, acabou descobrindo. Me convidaram para a emissora. A convivência com o pessoal da Globo foi muito boa, com o Galvão, Cléber Machado, Mauro, Uchôa, Tino... vou até parar senão capaz de esquecer alguém (risos). Não sei se a Globo está perdendo alguns direitos ou se ela não quer essas transmissões. Está abrindo espaço para outros players, mudando, não sei se para melhor ou para pior.
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