O desejo de manter a chama do Paraná acesa teve mais um capítulo na sexta-feira passada (16). Após deslanchar no segundo tempo, a equipe tricolor derrotou o Araucária por 3 a 0 na Vila Capanema e se manteve na briga por uma vaga na semifinal da Divisão de Acesso (Segunda Divisão) do Campeonato Paranaense. Uma realidade bem modesta para um clube que, em 2018, estava disputando a Série A do Campeonato Brasileiro.
O clube paranista luta dentro e fora de campo para se reerguer em meio ao caos. Após anos mergulhado em dívidas e com resultados nada expressivos, o Tricolor da Vila tenta ajeitar a casa.
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Em 6 de novembro de 2018, o Paraná se tornou o primeiro rebaixado daquela edição do Brasileirão. A equipe tinha 18 pontos, e caiu com seis rodadas de antecedência pois não alcançaria mais o Sport, que tinha 36 e era o primeiro fora do Z4.
Os paranistas ficaram na sexta colocação da Série B em 2019. Porém, a edição de 2020 trouxe um momento doloroso para a torcida: ao perder por 1 a 0 para o Oeste, na penúltima rodada da competição, o tricolor amargou uma então inédita queda para a Série C.
Em 2021, no decorrer da disputa da Terceirona, teve início o mandato de Rubens Ferreira, que está à frente do clube neste momento.
- Tivemos de assumir o clube de forma antecipada, em cerca de 90 dias, pois a gestão temporária estava prestes a renunciar. Então, tudo isso impactou nas decisões que eram cirúrgicas, e com um espaço de tempo curtíssimo. Sempre trabalhamos com pressão e com recursos financeiros limitadíssimos, pois todas as receitas do clube tinham sido antecipadas. Com todos esses aspectos, a dificuldade em contratar atletas e até mesmo treinador tornou-se algo de extrema dificuldade. Quem está alocado e tem qualidade, dificilmente aceita proposta de divisão inferior e com menos tempo de contrato. É um jogo dificílimo de se ajustar - afirmou o mandatário ao Lance!.
O dirigente detalhou os desafios que encarou para a disputa da Série C.
- Quando assumimos o clube, a Série C estava quase chegando ao fim. Tentamos de todas formas impedir a queda da divisão, mas não tínhamos tempo para novas contratações. Com todo o esforço que aplicamos extracampo, ainda assim, o resultado não veio em campo - disse.
Para o ano seguinte, o clube apostou em uma parceria.
- O Conselho Deliberativo do Clube aprovou a parceria com a empresa L.A. Sports, que nos auxiliou na montagem dos elencos do Campeonato Paranaense e da Série D e da comissão técnica. Em função de toda expertise, posso garantir que sem esta parceria, não teríamos como contratarmos os profissionais - declarou Rubens Ferreira.
O ano de 2022, porém, trouxe frustrações. Logo no início, o Paraná derrapou no Estadual: com apenas uma vitória em 11 jogos, a equipe foi rebaixada na lanterna. A campanha na Série D chegou a ter um início promissor.
- Tivemos uma passagem confortável na fase de classificação e, depois, vencemos a disputa em penalidades contra a equipe do Cascavel-PR na segunda fase. Daríamos sequência na luta pelo acesso se passássemos pelo Pouso Alegre. No primeiro jogo, empatamos mas, com uma infelicidade imensa, um gol contra, perdemos a chance do acesso no jogo da volta fora de casa, em Minas - destacou o dirigente.
'INTERVALO' EM CAMPO DE OITO MESES
A eliminação na terceira fase da Série D do Brasileiro, em 13 de agosto de 2022, trouxe outro solavanco na Vila Capanema. O Paraná teve de esperar longos 260 dias para voltar a campo. Em 30 de abril de 2022, a equipe estreou na Divisão de Acesso batendo o Toledo por 2 a 0.
De acordo com o presidente Rubens Ferreira, enquanto havia o período de inatividade paranista em campo, a diretoria arregaçava as mangas.
- O conselho gestor, denominado G5, trabalhou muito forte e em conjunto. O departamento financeiro trabalhou dentro do orçamento, reorganizando as contas a pagar. Em conjunto com o RH., foram negociadas dispensas, além da redução de custos e despesas e de renegociação de dívidas - e acrescentou:
- O departamento comercial, em trabalho incessante, foi à procura de patrocinadores, por meio de permutas nas placas no gramado, no estádio e no centro de treinamento, além de parcerias em todos sentidos para aumentar a arrecadação - garantiu.
CAMINHO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Em paralelo a isso, o Tricolor da Vila dava um passo desafiador na tentativa de sanear suas dívidas financeiras. O clube entrou em recuperação judicial.
- Assumimos a questão juridica do Paraná em novembro de 2021. Ao avaliarmos os números que a gente tinha, dissemos que cuidaríamos com o maior prazer do jurídico do clube. No entanto, para que o Paraná consiga sair desse local, havia dois caminhos: a transformação em sociedade anônima, para venda e posteriormente uma SAF e também entrarmos em uma recuperação judicial. O objetivo é o de sanear dívidas que temos com fornecedores, empregados, ex-empregados... A diretoria entendeu nosso pedido e concordou - destacou Sérgio Tedeschi, advogado do Paraná Clube.
O presidente do clube, Rubens Ferreira, contou o que levou a diretoria a aceitar o processo de recuperação judicial.
- Era a nossa única alternativa. Com o Ato Trabalhista (centralização de penhoras) que garantia ao clube utilização de 80% dos recursos disponíveis, surgiram bloqueios na conta judicial dificultando e inviabilizando ainda mais as operações do clube. Em tempo recorde, registramos a SAF, pois sem ela não conseguiríamos entrar com pedido de Recuperação Judicial, que foi aprovado pelos credores na Assembleia ocorrida em 12 de junho por procuração., e que se aguarda a homologação por parte do juízo - disse.
O dirigente apontou que o cenário trazia um alerta financeiro desde o seu início de mandato.
- Havia intimações, notificações e cobranças de dívidas quase que diariamente. Empresas fornecedoras, prestadores de serviços, ex-funcionários, atletas e comissões técnicas queriam receber valores ajustados e negociados anteriormente, e o nosso caixa estava sem recursos para fazer frente a todas demandas. Aliado a isso, o momento totalmente desfavorável e conturbado, com o elenco não apresentando resultados positivos dentro de campo - afirmou.
SAF AO HORIZONTE
O levantamento feito na recuperação judicial estabeleceu em torno de 428 credores, entre a classe trabalhista, micro e pequenos empresários. Na semana passada, o Paraná conseguiu um feito significativo.
- Tivemos a continuação da Assembleia Geral de Credores que tinha começado no dia 12 de abril. E o plano inicial que o Paraná tinha apresentado foi aprovado por 70% dos credores. Agora, esse plano vai para homologação da juíza que está conduzindo a recuperação judicial. A gente imagina que até meados de julho seja homologado - disse Tedeschi.
A dívida, que inicialmente era de R$ 119 milhões, passou para cerca de R$ 60 milhões. A Sede da Kennedy (sede administrativa do clube, localizada na Rua Kennedy, no bairro Guaíra, em Curitiba) foi colocada como garantia.
- Sabemos exatamente a ideia de quanto o clube está devendo para os credores e qual será a forma de pagamento também - garantiu o advogado:
- Diante disso, agora nós vamos retornar as conversas com os que manifestaram interesse em comprar o clube. Os investidores estavam esperando a aprovação do plano de recuperação judicial. Agora, aguardamos as propostas - disse Sérgio Tedeschi.
Os rumores são de que há nove investidores interessados em adquirir as ações do Paraná. De acordo com o "ge.com", um grupo é formado por uma distribuidora de alimentos, uma loja de varejos e uma igreja presbiteriana. O clube não confirma nada abertamente.
- Estamos à espera de uma proposta condizente com o que planejamos - afirmou o advogado da equipe paranista.
EM CAMPO, PEDRAS NO CAMINHO
Enquanto as propostas não chegam, o Paraná continua a ser administrado pelo presidente Rubens Ferreira, pelo vice-presidente Ailton Barboza de Souza e pela diretoria do clube associativo. O clube também encontra outras formas de garantir suas finanças.
- Temos os valores destinados pelos patrocinadores, além do material esportivo - destacou Sérgio Tedeschi.
Anunciado como patrocionador máster do Tricolor da Vila, o Evidence 5000 causou controvérsia. A torcida feminina Gralhas da Vila repudiou o fato da "casa de entretenimento adulto" estampar a parte frontal da camisa paranista. O vínculo dura até o fim da disputa da Divisão de Acesso.
Comandada por Fahel Júnior (treinador que substituiu Marcão no decorrer da disputa da Divisão de Acesso), a equipe tem como destaque o goleiro Felipe, que foi campeão da Copa do Brasil por Corinthians e Flamengo, e deposita as fichas no meia Romarinho e no atacante Lucas Gadelha e Diogo Carlos. O Paraná, porém, arca com outras consequências.
Em todos os jogos nos quais a equipe foi mandante na primeira fase, a Vila Capanema não recebeu público. Os paranistas receberam punição de cinco jogos pois, na derrota por 3 a 1 para o União Beltrão, que culminou no rebaixamento no Estadual de 2022, torcedores invadiram o campo e agrediram jogadores no fim do segundo tempo.
Na atual edição da Divisão de Acesso, o Tricolor da Vila chegou a levar torcida à Vila Capanema no 2 a 2 com o Andraus, em jogo com mando da equipe adversária. O caso parou no TJD-PR e as duas equipes foram absolvidas da suspeita de "inversão de mando".
O Paraná agora chega à última rodada em situação crítica. A equipe tem de derrotar o Patriotas em casa. Além disso, torce por um tropeço de Iguaçu ou Apucarana para obter uma vaga na semifinal da Divisão de Acesso. Tudo para continuar sua caminhada em 2023 e, principalmente, em um momento no qual possa vislumbrar sonhos mais altos.
- Nós podemos afirmar que agora o clube possui uma gestão administrativa funcional e organizada, além da consolidação da dívida real, pois anteriormente não tínhamos todas as informações - assegurou o mandatário Rubens Ferreira.
Em meio ao turbilhão, o Paraná tenta, enfim, achar uma brecha para voltar a conseguir uma projeção nacional.