Bicampeão nacional pelo Cruzeiro, Marcelo Oliveira explica ano inativo e fala de desafios atuais para técnicos
Sem clube desde o fim de 2020, treinador fala ao LANCE! sobre estruturas de clubes, faz balanço de trabalhos recentes e comenta 'migração' da Raposa para SAF
Bicampeão brasileiro pelo Cruzeiro em 2013 e 2014, Marcelo Oliveira tenta retomar seu espaço no futebol nacional. Sem clube desde que foi demitido da Ponte Preta em dezembro de 2020, o treinador conta ao LANCE! como tenta ajustar seus modelos de jogo e se readaptar em um momento no qual clubes brasileiros abrem espaço para comandantes estrangeiros.
Na entrevista, o treinador também detalha sua frustração com o rebaixamento do Cruzeiro em 2019, avalia a entrada da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) em âmbito nacional e faz críticas à forma como alguns clubes do país são administrados.
LANCE!: Você não comandou nenhum clube durante o ano de 2021. O que fez neste período no qual não emendou trabalhos?
Marcelo Oliveira: Inicialmente, optei por ficar um tempo parado, me dedicar um pouco à família. Vinha de 12, 15 anos direto trabalhando intensamente e achava que era importante dar uma segurada. Depois, quando tentei voltar, tive propostas que achava que não eram interessantes. Equipes que estavam com salários atrasados, na zona de rebaixamento. Houve propostas nas quais não chegamos a acordos financeiros e também equipes que achei que poderiam me convidar, mas acabaram optando por outros técnicos.
Além de me dedicar à família, naturalmente vejo tudo sobre futebol. Estamos atentos a tudo do futebol europeu, do futebol brasileiro, que tem mudado bastante. Faço reuniões virtuais com a minha comissão técnica para bolar novas formas de treinos, treinos mais dinâmicos, atrativos, treinos relacionados a situações de jogos. Pretendo neste ano começar a voltar a trabalhar, desde que seja um grande projeto.
L!: Quais mudanças você vem percebendo no futebol brasileiro?
A princípio, a evolução da parte tática. O físico melhorou muito nos últimos anos e o Brasil continua formando bons jogadores tecnicamente, embora não tenha tantos extraclasse. São jogadores acima da média que saem do país muito cedo. Percebo que a parte tática melhorou. Com o advento da Internet, das informações do mundo todo, evoluímos taticamente. Entendíamos que tínhamos jogadores habilidosos, mas não com tanta ênfase.
As equipes hoje se postam muito bem, fazem uma pressão maior no campo. Isso diminui um pouco o peso da diferença entre as grandes equipes, de porte médio e menores. Mas sei que vai prevalecer a técnica. Acho que no Brasil, a tendência é que haja supremacia de times bem administrados e com organização melhor, como é o caso do Palmeiras, do Atlético-MG e do Flamengo.
L!: A propósito, Flamengo e Atlético-MG voltaram a depositar fichas em técnicos estrangeiros nesta temporada (o português Paulo Sousa no Rubro-Negro e o argentino Antonio Mohamed comanda o Galo). O que acha da chegada de treinadores do exterior ao futebol brasileiro?
Não vejo nada de mais em técnicos estrangeiros. A competência não está no país no qual ele nasceu. Técnicos brasileiros também já trabalharam fora. Comigo nunca aconteceu, mas já fui convidado para ir para o Japão, para a China, para a Arábia (Saudita). O (Carlos Alberto) Parreira, Abel (Braga), Felipão, Ricardo Gomes, além de tantos outros que ainda estão fora. Acho saudável.
Quando vem um técnico estrangeiro, especialmente europeu, com uma cultura diferente, sempre vai trazer aqui e aprendeu alguma coisa positiva que podemos aproveitar. O que aconteceu foi que o Jorge Jesus teve um período brilhante, tudo deu certo naturalmente por muito mérito dele também, aí criou-se essa nova moda. Mas acho que os brasileiros são competentes, são capazes. O que eles precisam é de salário em dia, organização, composição boa de elenco, estrutura física e administrativa ideal para se trabalhar. E, além disso, que tenham com o técnico brasileiro a mesma paciência com o técnico estrangeiro. Os brasileiros são demitidos facilmente.
L!: O Abel Ferreira vai comandar o Palmeiras em mais uma disputa de Mundial de Clubes. Onde acha que ele conseguiu fazer o Verdão engrenar desta maneira?
Percebemos à distância que ele é um técnico exigente, que faz a equipe partir para cima, mas tendo estrutura defensiva também e é necessária a convicção. Lembro de um período no qual o Abel teve dificuldades porque o Palmeiras perdeu uma ou outra competição, teve problemas por optar por time alternativo. Por questão de rivalidade, foi criticado e, às vezes, se precipita. Se ele saísse, o Palmeiras talvez não se tornaria bicampeão da Libertadores.
'Além da convicção da diretoria no bom técnico, o profissional que chega do exterior tem de entender que é o futebol brasileiro é bem diferente em relação ao resto do mundo', diz Marcelo Oliveira
É necessária a convicção naquilo que o dirigente está fazendo. De contratar não só porque é estrangeiro, mas por ser um técnico que tenha o perfil do clube. Por exemplo: pode ser um europeu, mas se ele chegar ao Flamengo com uma postura defensiva, jogando no contra-ataque, jogando por uma bola, a tendência é que não dê certo. Ou caso chegue ao Atlético-MG e jogue por uma bola, cadenciado, com jogo só com posse de bola, mas sem agredir, possivelmente não vai durar muito.
Além da convicção da diretoria no bom técnico, o profissional que chega do exterior tem de entender que é o futebol brasileiro é bem diferente em relação ao resto do mundo. Aqui se joga muito mais durante o ano, especialmente os times que vão bem, como no meu período do Cruzeiro entre 2013 e 2014. Os atletas chegavam no fim do ano esgotados, pois disputavam final da Copa do Brasil, lutavam para disputar as primeiras colocações. Esses técnicos têm dificuldade imensa no futebol brasileiro devido ao cenário desorganizado. A pré-temporada é curta, se joga muito e há muita viagem aqui, por ser um país continental.
L!: No bicampeonato brasileiro que você teve como técnico do Cruzeiro pesou a estrutura que o clube oferecia naquele período?
Não se ganham dois campeonatos brasileiros antecipadamente só pelo trabalho do técnico, ou da diretoria, ou dos jogadores. Na verdade, foi um conjunto de ações, de um grupo muito compacto, onde a estrutura física foi fundamental. Acho que os clubes já se orientaram para isso. As grandes equipes têm CTs modernos que dão condições para os atletas competirem.
O Cruzeiro deu todas as condições que a gente precisava para chegar àquelas conquistas tão importantes. Houve uma participação muito importante do Alexandre Mattos, que é um dirigente que está sempre muito atento a todas as coisas e nos ajudou muito naquele período.
L!: Cinco anos depois, o Cruzeiro amargou um inédito descenso e, inclusive, estavam no elenco do clube atletas que você comandou. Como vê a mudança tão drástica da Raposa, que neste 2022 disputará mais uma vez a Série B?
Pois é, é realmente muito triste a situação atual do Cruzeiro. Lembro quando saímos em 2015 (foram 168 jogos na Raposa, com 105 vitórias, 32 empates e 31 derrotas) e tínhamos agregado não só conquistas, mas valores também. O Cruzeiro adquiriu direitos de jogadores como Everton Ribeiro e Ricardo Goulart, que foram indicados por valores muito baixos e depois vendidos por dez vezes do valor que tinham vindo do clube. O Lucas Silva, jogador reserva, foi vendido para o Real Madrid por um valor bem alto. O Cruzeiro tinha seus compromissos todos sanados...
'Quando saímos em 2015, tínhamos agregado valores para o Cruzeiro. Mas, por más administrações que visam só interesse, o clube chegou nesta situação', declarou sobre o declínio celeste
Por más administrações, administrações que visam só interesses, o clube chegou nesta situação e na mudança drástica que todo mundo conhece. Quando clube tem dono, investidor forte, atento às situações, a tendência é que não chegue a esta situação terrível.
L!: Acredita que a "migração" para a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) seja um bom caminho para o Cruzeiro começar a se reerguer?
Olha, em termos de administração seria importante o clube se organizar, gastar apenas a receita que tem, sem problemas mais sérios. Mas temos o confronto com a parte emocional, como o que aconteceu recentemente no Cruzeiro. De um lado, um ídolo que estava há muitos anos no Cruzeiro, como é o caso do Fábio. Já do outro lado, o pessoal querendo cortar custos e sanear o clube que estava precisando. É um procedimento que demanda mais tempo.
L!: Depois do Cruzeiro, você trabalhou no Palmeiras. Como foi engatar um trabalho e conduzir a equipe até a conquista da Copa do Brasil (de 2015)?
Como no Brasil se demite muito por qualquer sequência de resultados negativos, os treinadores pegam no meio da temporada. O ideal mesmo era que você fizesse planejamento antecipado de elenco, de programação de trabalho, estudando as competições. Mas talvez seja impossível o técnico exigir isso. Acaba a gente pegando no meio da temporada. De qualquer forma, acho que foi produtivo. Em oito meses (em 53 partidas no Verdão, a equipe obteve 24 vitórias, 11 empates e 18 derrotas), ganhamos um campeonato importante, que foi a Copa do Brasil, uma das competições nacionais e foi uma honra, principalmente com a conquista deste torneio.
L!: Quais qualidades tinha este time do Verdão?
Era um grupo muito unido, muito intenso nas atividades do dia a dia... Tinha um goleiro que exercia uma liderança de postura de fala, como o Fernando Prass. Alguma dificuldade na linha de defesa, mas um time muito bom no meio para frente. Contava com o Gabriel Jesus que, quando cheguei, não estava jogando, mas depois eu o efetivei e ele foi bem por méritos próprios. Tinha o Dudu, Robinho ainda em boa forma, outros bons jogadores...
Antes do segundo jogo, resolvemos passar uma semana em Atibaia, fazer uma concentração específica. Os jogadores compreenderam bem isso, se cuidaram e entendíamos que quando o Santos não fez o resultado na Vila Belmiro (o Peixe venceu por 1 a 0), deu oportunidade de a gente ganhar a competição em casa. E assim aconteceu (o Verdão venceu no tempo normal por 2 a 1 e, posteriormente, levou a melhor nos pênaltis). A participação da torcida foi fantástica. A nossa chegada no Allianz Parque está bem viva na minha memória. Milhares de pessoas chegando, fazendo barulho. Alguns jogadores cresceram, prosperaram, outros nem tanto. Era um time de boa qualidade, principalmente o ataque e o goleiro, que foi premiado com o gol do campeonato, principalmente porque treinava muito e tinha aproveitamento alto.
L!: Você mais tarde voltou a Minas Gerais para comandar o Atlético-MG. Como foi esse retorno e, principalmente, a maneira como você foi demitido, após o primeiro jogo da final da Copa do Brasil?
Voltei ao Atlético, clube no qual joguei por muito tempo e que fui técnico das categorias de base e profissional durante um tempo com uma expectativa muito grande. Foram sete meses de muito trabalho, o clube não se classificava há algum tempo. Nos classificamos de forma direta para a fase de grupos e fomos para a final de Copa do Brasil (de 2016).
Acredito que a definição da demissão tenha acontecido no calor da emoção. Conhecemos alguns dirigentes do Atlético que podem ter este tipo de atitude. Estávamos perdendo no Mineirão para o Grêmio que mais tarde foi campeão da Copa Libertadores. O jogo estava 2 a 1 no segundo tempo e, quando levamos o contra-ataque, perdemos (o Tricolor gaúcho venceu por 3 a 1). Alguém que tinha ascendência no clube, resolveu transferir a culpa para o técnico e acabou trocando (o clube teve 18 vitórias, 14 empates e 10 derrotas sob seu comando). Lamentei muito porque era um trabalho que tinha tudo para dar certo. Com sete meses, conseguimos a classificação direta para a Libertadores e para a final da Copa do Brasil só fazendo ajustes no time! Lembro que falava com o presidente do clube na época, Daniel Nepomuceno, que o time era muito bom, mas tinha média de idade alta. Tínhamos de revigorar um pouco, trazendo jogadores da base ou contratar, pois com a idade média de 31,9 era impossível fazer jogos fortes durante o ano.
L!: Você sentiu essa mesma frustração ao ir mal no seu trabalho mais recente no Coritiba, clube do qual também guardava boas lembranças?
Muitos amigos tinham me ligado pedindo pedindo para eu retornar ao Coritiba. Tinha deixado um ótimo ambiente lá, fomos muito felizes lá (o clube foi bicampeão paranaense em 2011 e 2012 e foi a duas finais de Copa do Brasil). O Coritiba estava numa situação de rebaixamento e fomos com esse intuito de salvar a equipe. Mas não foi possível, encontramos um cenário muito ruim.
'Nunca pensei na minha carreira ter um rebaixamento com o Coritiba, que é um clube que eu gosto tanto', contou o treinador
O Coritiba tinha no elenco 40 jogadores, dificuldades de salários e foi uma frustração. Nunca pensei na minha carreira ter um rebaixamento com o Coritiba, que é um clube que eu gosto tanto (em 22 jogos, foram seis vitórias, seis empates e dez derrotas). Mas faz parte da profissão de técnico. Nem sempre um trabalho vai dar certo. Felizmente, o Coritiba voltou (foi terceiro da Série B em 2021), espero que possa permanecer na Série A.
L!: Em seus trabalhos mais recentes, no Fluminense e na Ponte Preta, você chegou no meio de uma temporada. Teve de lidar mais com a urgência por bons resultados?
Exatamente. Muita pressão por resultados mas em clubes mal administrados. Salários atrasados, tendo de mobilizar jogadores o tempo todo para treinarem dentro da capacidade máxima. Tanto que acionei os dois clubes na Justiça para receber. E olha que são clubes de marca forte, camisa forte e com grandes torcidas.
L!: Você também passou por um período de dois anos entre ter saído do clube das Laranjeiras (em novembro de 2018), até aceitar o cargo na Ponte Preta em outubro de 2020. Foi opção sua?
Inicialmente sim. Mas depois porque só recebia convites de clubes que estavam na zona de rebaixamento (quando ele chegou à Ponte, o clube estava no G4 da Série B, mas ao fim de seu ciclo de 16 partidas, a equipe havia caído para o nono lugar).
L!: Quais são seus planos para voltar a comandar um clube?
Caso seja convidado para um bom projeto, irei com maior prazer.
L!: O que considera essencial para que um projeto atraia você?
Estar em um clube equilibrado na parte administrativa, com boa estrutura e possibilidade de formação de elenco, além de salários em dia.