Consciência Negra: diretor de entidade pede que atletas denunciem casos de racismo
Segundo Marcelo Carvalho, diretor-executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, agressões racistas ainda são frequentes nos campos de futebol
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Este 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra - data instituída em 2003 e que relembra a morte de Zumbi dos Palmares. É um dia especial de reflexão a respeito da luta pelos direitos dos negros no Brasil e de combate ao racismo, algo ainda muito presente na sociedade brasileira.
No futebol, o racismo ainda está presente, como no episódio que envolveu o goleiro Aranha, no ano passado, em partida entre Grêmio e Santos, em Porto Alegre. No início da prática do futebol no Brasil, os negros não eram aceitos, sendo o esporte uma modalidade restrita à elite branca. Segundo o livro clássico "O negro no futebol brasileiro", do jornalista Mario Filho - que dá nome ao Maracanã -, o Bangu foi o primeiro clube a aceitar um atleta negro, Francisco Carregal. Já o Vasco foi aquele que escalou um time efetivamente misto, com grande quantidade de atletas negros e pardos, na década de 20.
A Ponte Preta de Campinas, porém, reivindica a primazia. Segundo o site oficial do clube, em 1900, ano de sua fundação, surgiu o primeiro jogador negro do futebol brasileiro. Miguel do Carmo, um fiscal ferroviário de Campinas, foi meia-atacante do clube até 1904.
De acordo com um relatório de monitoramento feito pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, só em 2014 foram registrados 20 casos de racismo no esportes no Brasil. Até o final do relatório, quatro desses casos não possuíam informações de punição e dois ainda estavam com processo em andamento.
- O principal pedido que faço aos atletas é que denunciem! A denúncia tem que partir primeiramente do atleta, para que esse tipo de coisa não se repita - afirma Marcelo Carvalho, diretor-executivo do Observatório, afirmou em conversa com o LANCE!
Ainda sobre a importância das denúncias, Marcelo diz que quando um atleta é famoso a necessidade da queixa é maior, pois o ato pode influenciar os torcedores a entenderem a gravidade do problema e motivar as pessoas que se sentirem ofendidas com esse tipo de atitude a também fazerem denúncias.
Mas se por um lado, há um certo receio por parte dos atletas em denunciarem atitudes racistas, por outro existe a falta de punição adequada para crimes de racismo no meio esportivo. Marcelo afirma que existem brechas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) que colaboram para que os clubes saiam impunes nesse tipo de situação.
- O código diz que caso um ato racista seja praticado por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida, mas ele (o código) não especifica qual a quantidade, essa é uma das principais brechas que os advogados dos clubes utilizam.
Ao ser indagado sobre qual deveria ser a atitude dos clubes em relação a esse tipo de situação, o diretor do observatório afirma:
- Os clubes precisam estar mais engajados na causa, precisam participar mais na luta, não somente com ações, mas com campanhas. Precisamos de campanhas que trabalhem com os funcionários, uma ação é só uma faixa, uma mensagem, uma campanha é fazer palestras para os funcionários, para as categorias de base. Os clubes deveriam fazer um estatuto referente à punição para os sócios que cometam atos racistas. O clube não pode punir torcedor, mas pode punir o sócio, isso já influencia muito. No japão, um torcedor do Yokohama Marinos insultou um jogador brasileiro numa partida contra o Kawasaki Frontale com gestos racistas. Como punição, o Yokohama excluiu o torcedor do quadro de sócios.
ALVO DE RACISMO, EX-ÁRBITRO DIZ QUE FALTAM NEGROS EM CARGOS REPRESENTATIVOS
Um dos casos de maior destaque no Brasil foi o do ex-árbitro Márcio Chagas, no Campeonato Gaúcho de 2014. Durante uma partida entre Esportivo e Veranópolis, no Estádio Montanha dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS), Márcio foi alvo de insultos racistas e, após a partida, encontrou seu veículo depredado e com bananas no vidro dianteiro. Depois do ocorrido, o juiz largou a profissão e se tornou comentarista esportivo em uma emissora do Rio Grande do Sul. Em entrevista ao LANCE!, ele contou sobre as denúncias que fez e sobre a importância desse tipo de atitude no universo esportivo. Confira:
Você acha justa a pena que o TJD (Tribunal de Justiça Desportiva) gaúcho aplicou ao Esportivo?
Houve uma redução da pena, o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) reduziu de nove para três pontos a pena que o TJD havia aplicado. Eu não sei qual pena seria a mais correta, mas o fato da impunidade faz com que esses casos continuem acontecendo.
Se houvesse mais pessoas negras na liderança de clubes, tribunais e federações, você acha que as punições seriam levadas mais a sério?
Com certeza, teríamos referências e pessoas de identificação. Não estou dizendo que o branco não seja capacitado, mas enquanto não houver representatividade fica difícil. Precisamos de árbitros negros , mas também precisamos de advogados, técnicos, diretores, enfim, líderes negros. Se a população do Brasil é de aproximadamente 56% de negros e pardos, é inconcebível que quase não haja negros em cargos de liderança.
Você chegou a prestar algum tipo de queixa, além da súmula à Federação Gaucha de Futebol?
Eu tenho na justiça um processo civil contra o Esportivo, pelo fato de não terem entregue os envolvidos e por não terem feito nem mesmo um pedido de desculpas. Tenho também um processo criminal de identificação com os caras que depredaram meu veículo.
O caso de racismo influenciou na sua decisão em deixar a arbitragem para virar comentarista?
Pesou bastante, fiquei com receio de que esses casos de racismo voltassem a acontecer. Quando aconteceu o fato de 2014, houve uma manifestação contraria ao fato de eu ter explicitado tudo isso. Nos bastidores da arbitragem, não gostaram de eu ter levado a história adiante. Eles queriam que eu ficasse calado. Acharam que era só pagar o dano do meu veículo e já era. Eu senti que a partir dali haveriam represálias. Quando surgiu o convite, diziam que eu tinha me beneficiado com isso. Os brancos gostam de ver os negros por baixo, nessas situações. Eu ganhava muito mais como árbitro, mas resolvi ir até o fim da competição (campeonato gaúcho de 2014) e depois migrei para a TV.
Você acha que a semana de consciência negra pode auxiliar no combate ao racismo no futebol?
Poderia, mas eu acho que muitos negros deveriam engajar mais essa campanha, principalmente os que estão em evidência nos esportes, na política, na mídia em geral.
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