Jogadores da ‘geração anos 90’ do Bragantino relembram conquistas e histórias com Luxemburgo e Parreira
Na segunda matéria da série especial sobre o clube de Bragança, LANCE! ouviu personagens do time que ganhou destaque no futebol nacional entre 1989 e 1991
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O LANCE! dá sequência nesta segunda-feira (11) à série especial sobre o Bragantino. O clube, que adquiriu fama nos anos 90 com um título paulista e boas campanhas no Brasileirão, voltou a figurar na elite do futebol brasileiro após firmar parceria com a Red Bull. No próximo dia 20 de novembro, a equipe fará a final da Copa Sul-Americana contra o Athletico-PR, podendo levantar o primeiro troféu internacional de sua história.
A reportagem esteve em Bragança Paulista e conversou com personagens que marcaram época no Bragantino entre o final dos anos 80 e o começo dos anos 90, como Marcelo Martelotte, Souza, Luiz Muller, Junior e Alberto. Os três últimos reuniram-se no restaurante localizado dentro do estádio Nabi Abi Chedid para relembrar histórias do grupo que fez frente a potências nacionais e ganhou as manchetes do noticiário esportivo.
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As apostas no então 'desconhecido' Bragantino
Em 1988, o Bragantino iniciou sua ascensão nos cenários paulista e brasileiro. Impulsionado pelas eleições para prefeito da cidade de Bragança Paulista, Jesus Abi Chedid, então presidente do clube tinha o plano de montar um time competitivo para a disputa do Paulista e do Brasileiro da Série B.
Foi nesse período que o Bragantino envolveu-se em uma negociação curiosa. O clube vendeu o zagueiro Vitor Hugo ao Guarani e recebeu em troca seis jogadores: os zagueiros Nei e Junior, o lateral direito Gil Baiano, o volante Mauro Silva, o meia Zé Rubens e o atacante Mário. Junior relembrou a sua chegada ao time, fato que ele tratou como um recomeço para sua carreira.
- Para mim, mesmo com 20 anos idade foi um recomeço. Fiz minha base toda no Guarani, entrei lá com 14 anos. Fui um dos jogadores incluidos na troca pelo Vitor Hugo, seis jogadores por um. Por mais que você tenha confiança no seu trabalho, eu vim para mostrar que tive sucesso na base não por acaso. Com a chegada do Vanderlei (Luxemburgo), que também ninguém conhecia, foi tudo novo para nós. Falei com o Gil Baiano, que me deu boas referências e vim. Poderia ter ficado no Guarani sendo reserva do reserva. Mas vim para cá e deu tudo certo - relembrou o zagueiro campeão paulista de 1990 e vice brasileiro em 1991.
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Aposta que o ex-meia Luiz Muller também fez ao sair da Portuguesa para defender o Bragantino, ainda em 1988. Muller relembra a influência política no clube de Bragança na época.
- Eu fui o primeiro a vir para o Bragantino. Vim em 1988, era o projeto do Jesus Chedid. A família Chedid comandava na época e tinha um projeto de subir o clube atrelado à política. Eles foram atrás de mim na Portuguesa, com vários jogadores de renome. Na época, o Bragantino não disputava há muitos anos praticamente nada. Eu estava sete meses sem poder jogar na Portuguesa, o antigo presidente já tinha me afastado. Vim ao Bragantino para recuperar o estágio que eu já havia tido na carreira. Foi uma aposta e graças a Deus o time foi evoluindo e crescendo - contou.
Luxemburgo 'jogador'? O técnico campeão
Para comandar o time que tinha grandes ambições, a diretoria foi atrás do Vanderlei Luxemburgo, ex-jogador do Flamengo que vinha de uma experiência como técnico no futebol árabe. Quando o treinador chegou, com apenas 37 anos, o elenco do Massa Bruta pensou que se tratava de um novo jogador, segundo Luiz Muller.
- O Luxemburgo chegou como um desconhecido, veio atrás de um objetivo, uma possibilidade de dar um passo à frente profissionalmente. Eu já tinha 27 anos, saí de um time maior, que era vice-campeão paulista e vim para cá. O Vanderlei é mais ou menos esse perfil, já tinha trabalhado na Arábia, não tinha muita experiência. Tanto é que no dia que ele se apresentou aqui, pensamos que ele era um jogador. Na verdade, era o treinador (risos). Ele precisava da oportunidade porque era um Campeonato Paulista, que é uma janela para qualquer profissional que está começando. Aí vem a competência, a empatia, o jeito dele trabalhar e motivar o elenco. Encaixou o trabalho dele com o elenco que tinha - afirmou.
- O Vanderlei é mais ou menos esse perfil, já tinha trabalhado na Arábia, não tinha muita experiência. Tanto é que no dia que ele se apresentou aqui, pensamos que ele era um jogador. Na verdade, era o treinador (risos). Ele precisava da oportunidade porque era um Campeonato Paulista, que é uma janela para qualquer profissional que está começando - relembrou Luiz Muller.
No entanto, mesmo com o seu jeito carrancudo e sem muita experiência, Luxemburgo soube cativar os jogadores. Junior relembra algumas brincadeiras com Luxa, que gostava de interagir com os atletas pela cidade de Bragança Paulista.
- Ele tinha um Galaxie vermelho, você imagina um carro desses em Bragança em 89, se hoje já é uma cidade pequena, imagina naquela época? Ele pegava esse carro e ficava caçando os jogadores à noite. Quando nós víamos que era ele, já fugíamos (risos). Eu tinha duas motos uma RD 350, uma moto sem freio. Faltava uma semana para a final do Campeonato Paulista e os jogadores ficavam sentados na frente do estádio. Chegando perto do estádio, eu costumava dar uma acelerada para brincar. Peguei, acelerei e quando eu olhei, ele estava parado do lado dos caras. Na época, tinha um outro jogador chamado Marco Aurélio e o Luxemburgo falou: ‘Sabe pilotar Marco Aurélio?’. O Marco falou: ‘Sei professor’. O Luxa disse: ‘Então pega a moto’. Dei a chave pro Marco e o Luxa falou para mim: ‘Você só vai pegar essa moto depois da final’. Nós gostávamos muito dele, ele tinha aquele jeito meio marrento, mas com a gente era bem legal - diz.
Essa união dos jogadores com o treinador foi preponderante para a conquista da Série B de 1989 e do Campeonato Paulista de 1990. O Bragantino não ia bem no estadual, mas quem participou daquela campanha sabia que o time tinha qualidade e a qualquer momento poderia 'engatar'. E isso aconteceu.
- Tínhamos um time de grandes jogadores. Eu era o jogador mais velho e contávamos muitos jogadores jovens, o Mauro Silva (campeão do mundo em 94 pela Seleção Brasileira), por exemplo, tinha 20 anos de idade. O Vanderlei deixou o time na ‘ponta do casco’, bem entusiasmado, acreditando. Era difícil jogar contra a gente, os times grandes sabiam que éramos chatos, marcávamos muito. O Vanderlei dava muita confiança pra gente - explicou Souza, volante do Bragantino na época.
- Eu não joguei os últimos jogos porque fui negociado com o Japão, mas fui o artilheiro do time no campeonato. Nós vínhamos tropeçando, não começamos bem. Eu lembro bem que a partir do jogo contra o Juventus, que ganhamos de 4 a 0, pensamos: ‘Acho que agora vai’. Esse foi o jogo de referência, que começamos a ter mais confiança, o Luxemburgo também. Ali, estruturou o time de um jeito que até o pessoal que estava fora jogava bem. Tínhamos cinco seis jogadores que quando entravam, mantinham o nível do time - conta Luiz Muller.
A final do Paulista de 1990 foi contra o Novorizontino, que ficou conhecida como "Final Caipira", por envolver dois clubes do interior que desbancaram os grandes do estado. Junior, zagueiro titular da equipe, relembrou a decisão e o gol decisivo marcado por Tiba.
- Começamos meio tropeçando, mas na hora que entrosou ninguém segurou mias. Até tentaram dificultar, colocaram um jogo nosso contra o Botafogo-SP, lá em Sertãozinho, às 11h da manhã. Foi feito para prejudicar, ainda ganhamos de 2 a 1. Sentíamos confiança, concentramos em Atibaia, sentíamos uma leveza. Sem alegria, você não consegue jogar. Foi um jogo difícil, tomamos 1 a 0, o Tiba fez o gol de empate. Sabíamos que seria difícil, mas que ganharíamos - recordou Junior.
O estilo calmo de Carlos Alberto Parreira
Pouco tempo depois, o Bragantino veria Luxemburgo deixar o time para dirigir o Flamengo. Para o lugar dele, o clube contratou um técnico experiente, que já tinha título nacional pelo Fluminense, em 1984, e seria campeão do mundo em 1994: Carlos Alberto Parreira.
O ex-atacante Alberto, que chegou ao Bragantino por indicação de Luxemburgo e tornou-se um dos grandes ídolos da história da agremiação, falou com a reportagem sobre a passagem de Parreira. Alberto havia sido um dos artilheiros do Paulistão de 1990 jogando pelo Ituano. Além disso, foi carrasco do Bragantino, ao marcar o gol da vitória do Galo de Itu sobre o Massa Bruta em Bragança Paulista. Foi a única derrota da equipe de Vanderlei Luxemburgo em casa na competição.
- Apesar de não ter trabalhado com o Luxemburgo aqui no Bragantino, ele foi meu treinador no Fluminense. Aliás, o Bragantino me contratou por indicação dele. Tem essa história da negociação com sete jogadores e há essa história do grupo de jogadores do Fluminense que veio para cá e eu fazia parte desse grupo - explicou Alberto, que em seguida falou das diferenças de estilo entre os treinadores.
- O Parreira é completamente diferente ao Luxemburgo, mais tranquilo. São opostos. Até na metodologia de trabalho é diferente, o Luxa conseguia alternar esquema tático no meio do jogo. Já o Parreira seria um treinador mais moderno, ele tem um modelo de trabalho próprio, bate em cima daquilo e aperfeiçoa. Sabe dar ao time um bom entrosamento. Esses estilos são diferentes - falou Alberto.
- Ele era mais fechado, não aquele carrancudo, era solto, alegre, mas não era muito de brincadeira. Eu me lembro que algumas atitudes dele serviam de lição, já cheguei atrasado ao treino aqui e o Parreira mandou eu ir embora (risos) - Alberto, ex-atacante do Bragantino.
No entanto, apesar do estilo mais calmo de Parreira, Alberto não escapou das broncas do treinador, principalmente pelos atrasos nos treinamentos.
- Ele era mais fechado, não aquele carrancudo, era solto, alegre, mas não era muito de brincadeira. Eu me lembro que algumas atitudes dele serviam de lição, já cheguei atrasado ao treino aqui e o Parreira mandou eu ir embora (risos). Mas mesmo com esses acontecimentos, ele não era de dar muita dura como o Luxemburgo. Sem falar nada ele já mostrava que tínhamos tido uma atitude errada - relembrou.
Em 1991, O Bragantino fez uma campanha consistente, com o melhor ataque da competição - 29 gols. Na primeira fase, teve vitórias marcantes sobre o Cruzeiro (3 a 1) e o Palmeiras (2 a 0), fora de casa. Ao fim de 19 jogos, com apenas duas derrotas, o time tinha os mesmos 26 pontos do São Paulo. Só ficou em segundo por ter duas vitórias a menos que o Tricolor.
Nas semifinais, a equipe superou o Fluminense e encontrou o próprio São Paulo, que já encantava o país com futebol envolvente sob a batuta de Telê Santana. Após derrota por 1 a 0, no Morumbi, e empate por 0 a 0 no Marcelo Stéfani (atual Nabi Abi Chedid), o Massa Bruta ficou em segundo lugar e perdeu a chance de disputar a Libertadores - na época, apenas os campeões brasileiro e da Copa do Brasil classificavam-se para o torneio continental.
- O Parreira complementou o trabalho do Luxemburgo. Muita gente dizia que ele era retranqueiro, mas a gente jogava pra frente. Nossa marcação era forte, mas dificilmente saíamos de campo sem marcar gol - diz Marcelo Martelotte, goleiro do Bragantino na época de Parreira.
A parceria com a Red Bull e a final da Sul-Americana
Agora, o Bragantino vive o seu segundo periodo de destaque. A parceria com a Red Bull promoveu uma reestruturação no clube, que conseguindo o título da Série B de 2019, fez uma boa campanha no Brasileirão de 2020 e chega à final da Copa Sul-Americana dessa temporada.
Para Alberto, a chegada da empresa foi muito benéfica, tanto para o time quanto para a cidade de Bragança Paulista.
- Foi uma situação muito bem-feita, uma ideia que deu resultado cedo demais. Eu acredito que seja o ideal para o momento, os clubes estão carentes de uma gestão profissional, um clube-empresa, o estilo que o Red Bull trabalha. Foi altamente positivo, os resultados chegaram cedo demais e isso veio comprovar o quanto isso é eficaz e importante. Só tenho elogios e torcer para que cresça cada vez mais. A torcida abraçou o clube, foi um sucesso, um vínculo que casou perfeitamente - afirmou o ex-atacante.
Luiz Muller foi além. Segundo o ex-meia, o Bragantino teria dificuldades para se manter se não tivesse aceitado essa 'dobradinha' com a empresa austríaca. Luiz destacou também o começo da Red Bull no Brasil, na época do RB Brasil, em Campinas e a falta de sintonia com os habitantes da cidade campineira.
- Eu acompanhei o RB Brasil, às vezes eu ia ver o jogo lá em Campinas e o pessoal tinha que puxar as pessoas para assistir o jogo, não tinha identificação. Aquela falta de torcida, o jogador se sente incomodado. Aqui já tem cobrança, quando os jogadores não vão bem, os torcedores já dão uma reclamada - Luiz Muller.
- Temos muitos exemplos que era uma tendência de acontecer com o Bragantino, que muitos clubes nem disputam uma Série D do Brasileiro. Hoje o futebol está muito caro. Se não tivesse essa parceria, não sei o que seria. Hoje, não tem um clube do interior que não se mantenha sem um apoiador alto. Eles pensavam essas boas campanhas em três para quatro anos, mas já está acontecendo. Eu acompanhei o RB Brasil, às vezes eu ia ver o jogo lá em Campinas e o pessoal tinha que puxar as pessoas para assistir o jogo, não tinha identificação. Aquela falta de torcida, o jogador se sente incomodado. Aqui já tem cobrança, quando os jogadores não vão bem, os torcedores já dão uma reclamada, então tem essa mudança - disse Luiz.
Agora, a expectativa é para a final da Copa Sul-Americana, marcada para o dia 20 de novembro, entre Red Bull Bragantino e Athletico-PR, em Montevidéu-URU. O ex-zagueiro Junior acredita que será um jogo equilibrado, sem favoritismo.
- A torcida é grande (pelo Bragantino), acho que o time está em um momento melhor, uma energia melhor, até por esse crescimento. O Athletico já está mais acostumado. Será meio a meio, muito disputado - projetou o ídolo do Massa Bruta.
Souza também deu sua opinião sobre a decisão da competição continental. Para ele, o planejamento do Red Bull Bragantino pode fazer a diferença na final.
- Em se tratando de Red Bull, a gente acredita, estão construindo um CT, uma arena, então os caras estão querendo, esse é o objetivo deles - disse Souza.
- Em se tratando de Red Bull, a gente acredita, estão construindo um CT, uma arena para 20 mil pessoas, então os caras estão querendo, esse é o objetivo deles. Uma camisa forte e com tradição, apesar de ser do interior, com uma mídia boa. E está dando certo, investindo em jogadores jovens. Acho que vai ser campeão da Sula, estou na torcida - afirmou.
Com a torcida de jogadores que fizeram parte da primeira geração vitoriosa do clube, o Red Bull Bragantino pode ter mais um 'ingrediente' para vencer a Copa Sul-Americana e conseguir um inédito título internacional.
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