Driblando a crise venezuelana! Conheça a saga de Junior Osias, imigrante que está no São Raimundo

Após ter trabalhado como vendedor, ajudante de pedreiro e pedreiro, venezuelano que saiu de seu país em busca de situação melhor, estreou com gol pelo Mundão no Estadual 

Escrito por

Ter de driblar as incertezas de seu país para desbravar fronteiras e garantir um espaço no futebol fez Junior Osias lidar com muitos desafios. Mas, após ter feito trabalhos variados (entre eles, de pedreiro e ajudante de pedreiro) em Roraima, o venezuelano de 26 anos não só conseguiu seu espaço no São Raimundo-RR, como mostrou serviço logo na sua estreia pelo clube: o atacante anotou um gol no 5 a 0 sobre o Rio Negro.

- Graças a Deus, tive este privilégio de estrear marcando gol pelo São Raimundo. Sou muito grato aos meus companheiros e ao treinador, que tiveram fé em mim, mesmo sabendo que sou venezuelano. Sei que são poucos compatriotas que vêm tendo este privilégio que vivo hoje. Com esta camisa, estou pensando grande, estou pensando no futuro, por ter o apoio da minha família e também dos meus companheiros - afirmou, ao LANCE!.

Vivendo no Brasil (onde desembarcou ao fim de 2018 com sua esposa e sua filha), o atacante não esconde seu alento após as dificuldades pelas quais passou:

- Não foi fácil, passamos por muita coisa também devido à situação econômica que atravessa a Venezuela. Mas sou muito abençoado por me sentir, hoje, em uma família.

DO ÁRDUO COMEÇO NO BRASIL À CHANCE NO SÃO RAIMUNDO

'Trabalhei como pedreiro, ajudante de pedreiro e vendedor no Brasil' (Reprodução / Rede Amazônica)

A situação calamitosa da Venezuela fez Osias e sua família desembarcarem em solo brasileiro em outubro de 2018.

- Decidi vir porque estava em um momento muito apertado na Venezuela. Com um lar, uma família para sustentar...


No entanto, inicialmente, estar nos gramados não fazia parte do seu horizonte:

'Vim para o Brasil porque tinha uma família para sustentar'


- Tive de trabalhar como catador, fiz trabalhos como pedreiro, ajudante de pedreiro, vendendo coisas nas ruas. Essa parte era mais difícil, porque o sol é muito forte (risos). Mas nunca me omiti de trabalhar. Embora seja Bacharel em Investigação Penal, trabalhei no meu país como garçom, comerciante...


No início de 2019, veio a chance de treinar no Mundão. Aos olhos do jogador de 26 anos, houve uma certa dose de preocupação antes de entrar em campo:

- Fiquei um pouco preocupado em não ser aceito por ser venezuelano. Foi difícil na parte mental, embora na parte física eu soubesse que estava bem. 

'MENTALMENTE, PENSEI QUE NÃO ESTAVA COM DOR': TESTE NO MUNDÃO

'No fim do treino, meus pés estavam cheios de bolhas, mas não me importei' (Divulgação)

Junior Osias teve de encarar um desafio no decorrer de seus testes no São Raimundo. O venezuelano treinou com uma chuteira menor do que o tamanho dos seus pés:

- Foi bastante incômodo, difícil, já que eu calço 43 e me deram uma chuteira de número 40. Não tinha do meu número.

Mas, de acordo com o atacante, sua cabeça estava voltada para outra coisa:

- Eu queria somente mostrar o meu futebol. Não me importava se eu forçava, se os meus pés estavam doendo. O importante era que eu conseguisse chutar a bola e que eu estava me esforçando. 

'Calço 43 e me deram de número 40. Mas o importante era que eu me esforçasse'


Técnico do São Raimundo, Chiquinho Viana revelou que ficou surpreso ao perceber como estava a situação dos pés de Osias:

- Eu tinha notado que o Junior Osias era bom jogador, que vinha bem, mas cobrei mais movimentação dele, mais rapidez no passe. Quando acabou o treino, vi que os pés dele estavam em "carne viva". Foi aí que ele contou que tinha usado as chuteiras com um número menor que os pés dele. Ao ver que ele tinha jogado bem, mesmo no sacrifício, não pensei duas vezes em pedir para que ele fosse contratado - disse e, em seguida, enalteceu o venezuelano:

- É um cara muito guerreiro, está vivendo um sonho de jogar aqui no Brasil.

O atacante contou como "driblou" as dores no treino:

- Mentalmente, eu dizia: "não está doendo, não estou com dor". Quando todo mundo viu que eu estava com bolhas nos pés, ficaram surpresos - recordou para, em seguida, dizer em tom emocionado:

- Foi legal, porque eles me deram uma chuteira nova de presente.

UM MUNDÃO DE SOLIDARIEDADE

Clube se une para doar alimentos ao atleta de 26 anos (Divulgação)

O acolhimento dos jogadores rendeu outra situação comovente envolvendo o venezuelano. Após ter passado mal em um treino, o jogador de 26 anos recebeu um gesto de solidariedade dos seus companheiros:

- A gente detectou que ele estava muito fraco, não se alimentando bem. Aí um dos atletas sugeriu doações. Decidimos então mobilizar para que tanto os jogadores quanto o clube doassem alimentos para ele e a família. Ele se emocionou bastante, foi muito bonito o dia - contou Chiquinho Viana.

Junior Osias revelou que, antes de desembarcar no São Raimundo, passara por dificuldades de alimentação ao lado de sua família:

'A gente detectou que ele estava muito fraco, sem se alimentar', diz treinador


- Depois que terminou meu período de trabalho como pedreiro, eu tinha basicamente arroz para alimentar minha família. Além disto, tinha dificuldade para conseguir um trabalho, em algumas vezes por ser venezuelano. 

O venezuelano  não esconde sua gratidão ao falar sobre as doações que recebeu do clube:

- Foi um dia maravilhoso. A equipe, o Chiquinho (Viana),  fizeram algo muito amável, muito grande. Por isto, espero que Deus abençoe a todos.  

A PREOCUPAÇÃO COM A CRISE DA VENEZUELA

'O governo venezuelano não dá dignidade às pessoas' (Yuri Cortez/AFP)

Mesmo vivendo no Brasil, o atacante mantém sua preocupação com seu país de origem. Osias, que vivia em Miranda (a 85km de Caracas) lamenta a situação da Venezuela e diz que sua família está afetada pelo fechamento das fronteiras imposto pelo atual presidente, Nicolás Maduro:

- É um momento muito forte e sentimental. Não é fácil cruzar a fronteira, muitas pessoas não têm dinheiro para fazer esta rota. Além disto, o governo venezuelano praticamente impede a saída das pessoas para outros lugares. Minha mãe segue lá na Venezuela, mas não pode vir para cá devido a esta fronteira fechada.

'É um momento muito forte e sentimental', fala o atleta sobre a crise  da Venezuela


O jogador de 26 anos contou que a perspectiva com a situação do país segue delicada:

- Na Venezuela não há sustento, não há oportunidade. As pessoas não têm a sensação de que, ao acordar, poderão dar condições para sua família se alimentar ou suprir suas necessidades. Mas tem uma coisa: a Venezuela não é um mal país. O governo que está agora na Venezuela é que não permite uma dignidade às pessoas. A sensação é de uma ditadura. isso é muito difícil.

Em colapso econômico e com forte crise política, o país lida com hiperinflação e precariedade de serviços. No momento, há problemas de energia, água e remédios.

Já em relação ao Brasil, Junior Osias esbanja gratidão:

- Desde o momento que cheguei aqui, me senti muito contente. Só de abrir meus olhos e saber que tenho acessos com mais facilidade a remédios, alimentos, sustento para minha filha, fiquei muito feliz. Por mais que eu tenha passado por alguns momentos de tristeza e até me rebaixado no início aqui, se depender de mim, não saio mais daqui do Brasil.

NO SEU 'MUNDÃO': JUNIOR OSIAS VISA ALÇAR VOOS MAIORES NO CLUBE

'A equipe me estendeu a mão', diz Junior Osyas (Divulgação

Após encontrar o rumo de seu primeiro gol, Junior Osias almeja caminhos ainda mais extensos com a camisa do São Raimundo. O venezuelano declarou que ajudar a equipe na luta pelo tetracampeonato roraimense será uma retribuição e tanto:

- A equipe me apoiou muito, me estendeu a mão e estou preparado física e mentalmente para fazer o que puder na busca pelo título roraimense.

Sentindo-se acolhido,  mesmo distante de seu país de origem, o venezuelano destaca:

- É um presente para mim estar no São Raimundo, contar com o apoio de tantas pessoas carismáticas, amadas. Eu me sinto muito contente e, por este motivo, lutarei a cada dia nesta campanha no Campeonato Roraimense.

Após um período de incerteza, a sensação é de que há um Mundão à espera do bom futebol de Junior Osias.

Siga o Lance! no Google News