Luiz Fernando Gomes: ‘Jogo no Maraca, só de cena’
Colunista do LANCE! fala sobre o imbróglio do estádio e toda a briga comercial, política ou administrativa. Ele compara situação com o momento do Brasil atual
Desculpem voltar ao assunto. Mas a cada dia que passa, o imbróglio do Maracanã ganha proporções que extrapolam os limites do futebol, de uma briga comercial, política ou administrativa. A discussão sobre o futuro do estádio já é um retrato fiel do Brasil de hoje, o que temos sido como sociedade: as partes só olham para o próprio umbigo, o governo fica paralisado por suas próprias mazelas, a Justiça é chamada a decidir o que deveria ser senso comum e o interesse público vai ficando em segundo, terceiro ou sabe-se lá em que plano mais.
Só para relembrar, já aconteceu de tudo no estádio: peças do acervo histórico foram roubadas, cadeiras desapareceram, a limpeza e a manutenção, inclusive do gramado, foram suspensas, a Light cortou a energia por falta de pagamento, prestadores de serviço estão à beira da falência, sem ter como recuperar o investimento no que foi terceirizado pela concessionária, donos de camarotes e cadeiras não sabem o que vem pela frente e vai por aí. Flamengo e Fluminense, enquanto isso, vão pulando de galho e galho procurado um campo para jogar e caçar um níquel aqui outro acolá.
Independentemente da situação da Odebrecht, a inviabilidade da concessão do Maracanã era uma carta marcada desde antes da Copa. Quando cedeu às pressões e desistiu de derrubar o Celso de Barros onde seriam construídos um shopping e o edifício-garagem, o ex-governador Sérgio Cabral inviabilizou economicamente o modelo que ele mesmo havia criado. A pergunta que se faz é: como a concessionária aceitou uma situação assim? Certamente, confiante que - talvez usando os métodos nada republicanos que levaram o ex-mandatário à cadeia -, conseguiria resolver o problema lá na frente, ganhando outros tipos de vantagem na relação com o Estado. Mas foi atropelada pela Lava-Jato.
A incompetência e o descumprimento das normas contratuais pelo comité da Rio-2016 na devolução do Maracanã - absolutamente verdadeiros - foram apenas o pretexto que a concessionária achou para dividir a responsabilidade, pensando escapar de ser vista como a única vilã do caso. A historinha não colou, mas serviu de justificativa para que abandonasse o Maracanã à própria sorte, até ser obrigada a reassumir – ou fingir que reassumiu – a gestão do estádio, por uma decisão da Justiça.
Esse capítulo se encerra aí. O que se viu desde então e até aqui é pura enrolação do governo do Rio em resolver a questão. O caminho mais óbvio, a abertura de uma nova licitação que permitisse aos clubes fazerem parte dos consórcios candidatos, tendo participação ativa na gestão do estádio – como quer o Flamengo, e em parte o Fluminense – estranhamente, digamos assim, vem sendo refutado pelo governador Pezão. No mínimo, os motivos dessa resistência deveriam ser revelados, com transparência, evitando-se assim as mais variadas especulações, algumas comprometedoras, sobre as razões da demora.
O papel dos clubes no processo de privatização de estádios é essencial Ontem, no Pacaembu, um amistoso contra o Kenitra, do Marrocos, marcou o início da temporada 2017 do Santos. O jogo foi mais um passo na direção de fazer do velho estádio a casa do Peixe na capital, negociação que está em curso entra a diretoria e a nova administração municipal. A ideia do presidente Modesto Roma Júnior é mandar até oito jogos no Pacaembu, incluindo partidas decisivas da Libertadores, uma vez acertados os termos com a prefeitura. Sem um ‘dono’ desde que o Corinthians inaugurou a Arena de Itaquera, o Pacaembu precisa de um clube para se viabilizar. Não é uma questão ideológica, tanto o ex-prefeito petista Fernando Haddad, como o sucessor tucano João Dória sabem disso.
As diferenças, assim, são evidentes. Enquanto no Rio a inércia impera, em São Paulo, concorde-se ou não com a proposta na mesa, as negociações avançam. O Campeonato Carioca começa e não há mais tempo para o jogo de faz de conta. Sim, pois é mero faz de conta, a Ferj marcar para o Maracanã, a uma altura dessas, as partidas decisivas da Taça Guanabara, em fins de fevereiro, início de março. O que se espera, é ação de verdade e não mais jogo de cena.