Falar de arbitragem é uma chatice. Mas como não falar de arbitragem, quando, no Brasileirão, um jogo que transcorre normalmente, é decidido na bola, se tornou a exceção. Sim, pois a regra, como tem se visto, passou a ser a polêmica, os erros grotescos cometidos pelos sopradores de apito que estão comandando o futebol tupiniquim.
Ainda que tardiamente, a CBF decidiu agir, com o afastamento de Leonardo Gaciba da presidência da comissão de arbitragem. Mas, que ninguém se iluda, isto está longe de ser a solução do problema. Muuuuito longe! Não adianta trocar nomes, é preciso mudar conceitos, fazer uma reforma estrutural que realmente mude o cenário caótico em que está mergulhada a arbitragem nacional.
É preciso ter coragem e vontade política para fazer não uma reforma, mas uma revolução! No mundo ideal, a comissão de arbitragem deveria ser independente, desvinculada da CBF, com uma governança profissionalizada, mandatos de presidente com prazos estabelecidos e critérios exclusivamente técnicos, sem interferências políticas em suas decisões
O modelo que rege a atividade de juiz de futebol no Brasil é cruel. A profissão até é regulamentada por uma lei federal, de 2013, que garante alguns direitos, inclusive a possibilidade de organizar associações e sindicatos da categoria. Mas é uma outra legislação, a Lei Pelé, de 1998, que determina que árbitros não podem ter vínculo empregatício com ligas, federações estaduais ou com a CBF, recebendo apenas um pró-labore por jogo apitado. Em outras palavras: num ambiente em que os salários de jogadores e treinadores chegam a valores estratosféricos – ao menos entre os grandes clubes – os juízes são os únicos personagens que não são, de fato, profissionais, dentro de um campo de futebol.
E esse é o X da questão.
Há juízes que atuam como corretores de imóveis, comerciantes, professores, funcionários públicos e trabalhadores autônomos nas mais diversas áreas. Não ser profissional é um empecilho real ao melhor exercício da arbitragem. Reduz a concentração, afeta a parte física e, não raramente, o equilíbrio emocional. Mas, principalmente, impede a dedicação que deveriam ter ao desenvolvimento da carreira, à atualização permanente, ao treinamento constante.
Não é assim no restante do mundo. Em boa parte dos países europeus, Portugal, Espanha, França, Inglaterra, aqui na vizinha Argentina, os árbitros são contratados das confederações nacionais, recebem salário fixo e um adicional por partida apitada. Em todos eles, quando a mudança de regime trabalhista foi adotada, registrou-se uma melhoria no nível das arbitragens. E aumentou a confiança dos clubes, de jogadores e de torcedores. Erros existem – e continuarão a existir sempre e em qualquer situação. Mas são a exceção e não a regra como por aqui.
A ideia, já levantada na CBF, como revelou o blog do jornalista Rodrigo Mattos, de promover um intercâmbio de árbitros, trazendo europeus para inclusive apitar partidas como parte de uma reciclagem geral da arbitragem brasileira, não é ruim. O aprendizado pelo exemplo sempre será a melhor forma. E há um abismo entre os dois lados do Oceano Atlântico. Basta ver, como exemplo, a forma como o VAR tem sido usado por lá, com critérios claros, auxiliando o juiz do campo em decisões rápidas e precisas, em contraponto aos absurdos desmoralizantes que têm ocorrido no Brasileirão.
A arbitragem brasileira nunca inspirou confiança. A obrigatoriedade de sorteio, estabelecida pelo Estatuto do Torcedor, foi uma demonstração clara disso, buscando afastar suspeitas de favorecimentos políticos e de negociações escusas na escalação de juízes. Qualidade técnica também nunca foi uma virtude do conjunto de nossos árbitros. Mas o que se vive agora, o show de horrores dos erros que se repetem a cada jogo, não por má fé, mas por incompetência ou despreparo, ultrapassa limites e já pode ser considerada uma das piores – se não a pior – fase de todos os tempos. Gaciba não vai deixar saudades. Mas que ele não seja tão somente o bode expiatório dessa história.