Meninos da Vila, Garotos de Xerém, crias de Cotia, Meninos do Ninho... Muito se tem falado da ascensão da garotada em alguns clubes brasileiro. Há boas e más notícias nisso tudo.
O lado positivo é quando essa renovação se dá por motivos técnicos, quando uma geração de talentos surge – o que é cada vez mais raro - com potencial para de fato fazer a diferença no time de cima. O Flamengo, que acaba de vencer a sua quarta Copinha, está diante dessa situação. Um ótimo dilema para Paulo César Carpegiani – a força da garotada x os pesos pesados dos profissionais, alguns comprados a peso de ouro. Vinícius Júnior, vendido ao Real Madrid por 45 milhões de euros (cerca de R$ 170 milhões), na maior transação da história no futebol brasileiro abaixo dos 20 anos, é apenas a cereja desse bolo. Traz, atrás dele, nomes como Paquetá, Vizeu, Lincoln, Jean Luca, Léo e Hugo, que começaram a ser lapidados ainda à época de Zé Ricardo e foram ganhando espaço com Rueda e com o atual comandante
O lado ruim fica com exemplos como o do Fluminense, aqueles em que a promoção ao time principal, para jogar entre os profissionais, não se dá por razões técnicas, mas tão somente por pressão do orçamento. É um passo para desperdiçar-se talentos. Jogar às feras quem ainda não estava preparado para sair do ninho geralmente constitui-se no chamado tiro n’água em que perde-se um bom menino para ganhar um mal ou sofrível profissional. Ainda que Abel Braga possa ser alguém habilitado para a essa tarefa, a balança dos prós e contras sempre pesa para o segundo lado.
E incrível, mas mesmo com o grau de profissionalismo que o futebol exige hoje em dia, uma olhada nos últimos anos na relação dos clubes certificados como formadores pela CBF costuma apresentar surpresas. Botafogo e Vasco, por exemplo, são alguns dos clubes da elite que já figuraram fora da lista, por problemas que vão de questões meramente burocráticas até o descumprimento de itens obrigatórios como instalações adequadas e equipes multidisciplinares necessárias à formação dos novos talentos. Isso tem um custo, hoje, e que pode ser ainda maior no futuro. Na relação de 2018, clubes de tradição como Santa Cruz e Náutico de Pernambuco, só para citar dois, continuam de fora.
Os clubes brasileiros são tradicionais fornecedores de mão de obra qualificada – e em boa parte das vezes, muito barata - para o futebol europeu. O investimento e a certificação na base garantem, ao menos, um consolo futuro quando se concretizam transações milionárias que envolvem jogadores que revelaram e não tiveram condições – ou competência – para manter. Foi uma semana farta de eventos nessa área. A venda de Lucas Moura do PSG para o Tottenham (ING) formalizada no final da janela de transferências europeias, fará São Paulo e Corinthians receberem parte dos 28 milhões de libras (cerca de R$ 111 milhões) que segundo a imprensa inglesa foram desembolsados pelos Spurs. A razão é o mecanismo de solidariedade da Fifa, que diz que os clubes formadores de jogadores (até os 23 anos) têm direito a dividir 5% de uma futura transferência.
A conta é simples: como Lucas atuou dos 13 aos 20 anos no Morumbi, o Tricolor paulistano receberá cerca de R$ 3 milhões, correspondentes a 2,75% da negociação. Já o Timão terá direito a 0,5%, cerca de R$ 550 mil, porque o atacante ficou no clube dos 10 aos 13 anos. Da mesma situação se beneficiará o Santos – que brigou para receber R$ 33 milhões pela transferência de Neymar do Barcelona para o PSG – que agora terá direito a quase R$ 2 milhões pela venda, também anunciada esta semana, do lateral-esquerdo Emerson Palmieri da Roma para o Chelsea.
O mecanismo de solidariedade é só mais um ponto a mostrar o quanto vale o investimento na base. É ele o que permite aos clubes, em um momento qualquer, serem surpreendidos com um dinheiro extra, o que sem dúvidas é sempre bom. Mas, convenhamos, muito melhor seria poder manter, por maior tempo possível, os jovens talentos por aqui. Recuperando no campo, com a bola rolando, e na identificação com o torcedor, o tempo e os recursos gastos na sua formação. Um dia, quem sabe, ainda chegamos lá.