Luiz Gomes: O fim da aflição dos Aflitos e o drama de arena da Copa

A Arena Pernambuco transforma-se em mais um elefante branco herdado da Copa. O Maracanã, as vésperas da posse de um novo governo no Estado, ainda pode ser salvo

imagem cameraNáutico bateu o Newell's Old Boys em retorno ao Estádio dos Aflitos (Foto: Divulgação/Náutico)
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Lance!
São Paulo (SP)
Dia 17/12/2018
11:44
Atualizado em 18/12/2018
07:30
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Há momentos na vida de um clube que se tornam inesquecíveis. São aqueles em que o torcedor, dos mais novos aos mais veteranos, enche o peito para dizer "Eu estava lá". E isso, não necessariamente, significa uma vitória, a disputa de um título. Às vezes, um simples jogo amistoso, independentemente do resultado em campo pode valer mais do que a conquista de um campeonato. Foi isso o que se viu neste fim de semana, no Recife, quando mais de 17 mil alvirrubros - mais gente do que a capacidade autorizada pelos bombeiros, registre-se - celebraram a volta do Náutico ao velho Estádio dos Aflitos após cinco anos de uma sofrida ausência.

Vale um pouco de história. O campo da Avenida Conselheiro Rosa e Silva foi inaugurado em 1917 e pertencia, no início, a Liga Sportiva Pernambucana. Quando, atolada em dívidas, a entidade decidiu passar adiante o terreno surgiu o interesse do Náutico. O clube pagou 250 mil réis e construiu ali seu estádio. O nome oficial, Eládio de Barros Carvalho, é uma homenagem a um ex-presidente do clube. O apelido Aflitos vem do bairro em que está localizado. Mas poderia muito bem ser referência ao sentimento que a palavra transmite: aflição, nas vitórias ou nas derrotas, é o que nunca faltou na longa relação do torcedor do Timbu com o seu estádio.

Sim, as arquibancadas dos Aflitos assistiram a momentos mágicos. Tão mágicos como a festa de domingo - que durou mais de 10 horas numa mistura de homenagens, músicas e futebol, coroada com a vitória por 1 a 0 do Náutico sobre o Newell's Old Boys, da Argentina. Foi ali que o clube conquistou marcas até hoje imbatíveis: o único hexacampeonato pernambucano, o gol mais rápido da história do campeonato brasileiro - Nivaldo, aos oito segundos de jogo numa vitória contra o Atlético-MG por 3 a 2 em 1989 - e o feito de ter sido um dos poucos, se não o único, dos principais estádios do país onde Pelé jogou sem nunca balançar as redes.

Mas nem tudo engrandece a história do Timbu. Também foram escritas páginas com tristezas, uma delas imortalizada nas telas de cinema: a Batalha dos Aflitos, em novembro de 2005, quando o Náutico perdeu (1 a 0) para o Grêmio o acesso à Série A do Brasileirão numa partida marcada por tumultos em campo e um festival de atitudes antiesportivas fora dele, como a pintura do vestiário dos visitantes poucas horas antes e a água cortada durante a partida.

O último jogo do Náutico nos Aflitos havia sido em maio de 2014, uma derrota por 1 a 0 para o Avaí pela Série B. De lá para cá o clube se meteu numa aventura, assinando um desastrado contrato para mandar seus jogos na Arena Pernambuco. Foi um salto maior do que as pernas. A distância do estádio da Copa e as dificuldades de acesso proporcionam uma sucessão de prejuízos. O descumprimento pela concessionária de repasses previstos no contrato e o envolvimento da arena nas investigações da Lava-Jato indicavam que o clube deveria voltar as suas origens, o que acabou decidido pela diretoria atual.

Este período do Náutico fora de sua casa deixa algumas mensagens importantes. A maior delas é que ter um estádio é ser dono do próprio destino e isso faz toda a diferença. Nos quatro anos de Arena Pernambuco, o time caiu para a Série C. Rompeu, e não é exagero dizer, o cordão umbilical que o unia a boa parte de sua torcida - 40% do público ia a pé para o velho estádio. O simples anúncio da volta transformou esse cenário: uma campanha de arrecadação de fundos custeou parte das obras - cadeiras, pedaços do alambrado, a grama e até os antigos portões foram vendidos. E nas últimas semanas, com a proximidade da reinauguração, mais de 7 mil novos sócios torcedores se inscreveram no programa de fidelidade. Um impulso para que o clube se reinvente também no campo e possa voltar a ocupar o lugar de destaque que merece no futebol brasileiro.

Mas se o Náutico vive a perspetiva de dias melhores, a situação da Arena Pernambuco aponta para o contrário. E aqui há uma outra lição: não se viabiliza um estádio sem ter um clube que, mais do que jogar nele, possa participar efetivamente de sua gestão, decidindo o que é bom e ruim e compartilhando de suas receitas. Modelos como o de Recife - onde o Náutico era coadjuvante, um usuário somente - ou o que se criou no Maracanã onde os clubes, o Flamengo em especial, foram impedidos de participar do consórcio, estão e sempre estarão fadados ao fracasso.

A Arena Pernambuco, sem o Timbu, transforma-se de forma definitiva em mais um elefante branco herdado da Copa. O Maracanã, as vésperas da posse de um novo governo no Estado, ainda pode ser salvo. Mas é preciso mudar o modelo. E dar aos clubes o papel e o poder que devem ter. Que venha logo a licitação!

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