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Luiz Gomes: ‘Modelo que o Flamengo quer enterrou o futebol português’

'O Flamengo conquistou uma vitória jurídica relevante. Mas se o resultado será bom ou ruim, para o clube e para o futebol brasileiro, só o tempo dirá'

Arte - Flamengo x Globo
imagem cameraFlamengo travou choque com a Globo e exibiu jogo do Carioca, contra o Boavista, na FlaTV (Foto: Arte LANCE!)
Dia 04/07/2020
19:34
Atualizado em 05/07/2020
08:00

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O entusiasmo como o que os rubro-negros comemoraram o direito de transmitir os jogos do Flamengo no Estadual pela FlaTV, aplicando o que consideraram uma rasteira na poderosa TV Globo, foi à altura da conquista de um título. O Flamengo, na prática, conquistou uma vitória jurídica relevante que pode influenciar definitivamente as transmissões esportivas no Brasil. Isso é um fato. Mas se o resultado será bom ou ruim, para o clube e para o futebol brasileiro, só o tempo dirá.

Boa parte da euforia dos flamenguistas é sustentada por argumentos frágeis, incapazes de resistir a uma análise um pouco mais cuidadosa do assunto. Em primeiro lugar, foi construída em cima de uma Medida Provisória absolutamente contrária aos princípios do jogo democrático e republicano, uma vez que baixada sem ter nenhum senso de urgência ou interesse público. E o pior, sem nenhuma discussão prévia com os interessados, surpreendendo clubes – exceto o próprio Flamengo, seu maior articulador - e até, quem diria, a própria CBF.


Fruto do bolsolandinismo – a incômoda aproximação de Rodolfo Landim e Bolsonaro - não há nenhuma garantia de que essa MP seja aprovada pelo Congresso e vire lei, dentro dos prazos previstos, ainda mais considerando-se o clima de enfrentamento político e os ânimos acirrados entre executivo e o legislativo federal. A chance de caducar é imensa.

Landim, inspirado pelo seu vice-presidente de relações externas, Luiz Eduardo Baptista, uma espécie de primeiro ministro rubro-negro, comprou uma briga gigantesca em cima de quase nada. Só se houvesse um louco no comando a Globo pagaria o que o clube pedia por seus jogos em um campeonato falido e desacreditado. O contrato do Brasileirão, isso sim que interessa, ainda dura quatro temporadas. E nesse tempo Landim e Bap vão ter de engolir a Globo. Já na Copa do Brasil, e na Libertadores, outros produtos que o clube poderia negociar, os direitos também não pertencem ao Flamengo, uma vez que são cedidos aos organizadores, a CBF e a Conmebol, e por eles negociados de forma conjunta. Ou seja: o Flamengo hoje tem muito pouco a oferecer a eventuais parceiros e menos ainda o que passar na FlaTV.

Mas vamos à transmissão da partida com o Boavista. No discurso ufanista, alimentado pela arrogância da cartolagem vermelho-e-preta, foi a maior live esportiva da história do youtube no mundo. O pico de acessos simultâneos na FlaTV superou os 2,2 milhões, com a transmissão alcançando 14 milhões de visualizações e impulsionando as inscrições no canal - agora com 4,2 milhões de seguidores, cerca de 400 mil a mais em relação ao início da partida. Realmente impressionante. Mas qual foi o jogo do Barcelona, do Real, do Bayern ou dos times ingleses que foi transmitido dessa forma. Qual o parâmetro de comparação para comemorar esse recorde, então? A irritação do torcedor e a pichação dos muros da Gávea contra a cobrança de R$ 10 pela transmissão da semifinal da Taça Rio já demonstra que o céu não é tão azul quanto parece.

O modelo que o rubro-negro vislumbra não tem nada de inédito. E a inspiração, vem do outro lado do Atlântico, de Portugal. Em 2013, insatisfeito com a oferta do canal SporTV, que não é o SporTV do Grupo Globo, para adquirir seus direitos, o Benfica assumiu ele próprio a transmissão de seus jogos como mandante no campeonato português, através da BenficaTV, um canal que já era exibido nas principais TVs por assinatura do país (o que não acontece com a Fla TV). No primeiro ano, a BTV deu ao clube um lucro de 17 milhões euros, quase 10 milhões a mais do que o faturamento da temporada anterior, mas 5 milhões menos do que era oferecido pela SportTV.

O canal praticamente ganhou vida própria, passou a transmitir os jogos do Benfica B e de todas as outras modalidades e comprou diretos de transmissão de ligas de outros países – inclusive o Brasileirão. O que parecia um caminho sem volta, contudo, começou a desmoronar em 2015 quando o Benfica, sufocado, vendeu o direito de seus jogos – e de distribuição e exibição da própria BTV - para uma operadora de comunicação.

A aventura custou caro. E longe de representar uma independência, deixou o Benfica mais refém do que nunca dos detentores de seus direitos. No ano passado, o clube já havia antecipado quase 164 milhões de euros do valor que teria a receber até a temporada de 2025 para quitar dívidas e evitar punições pela federação portuguesa e a Uefa.

Mas o modelo de negociação individual de direitos – que também fracassou na Espanha e a MP bolsolandinista quer implementar no Brasil – abriu em Portugal feridas que vão muito além do estádio da Luz. É um dos fatores principais da derrocada do próprio futebol português – onde a disparidade do que recebem Benfica, Porto e Boavista em relação aos outros clubes chega a 12 vezes, a maior do mundo. Um desequilíbrio que enfraqueceu o conjunto dos clubes –inclusive os grandes, há muito sem resultados relevantes nas ligas continentais - e abriu um hiato entre a liga nacional e os outros campeonatos europeus. Uma demonstração do risco que corremos aqui.

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