Enquanto a bola não rola, decisões importantes são tomadas nos bastidores. Na sexta-feira, clubes das séries A e B e a CBF escolheram as empresas que vão cuidar das negociações dos direitos de TV do Brasileirão no exterior, entre 2020 e 2023. É um processo necessário e que já vinha se arrastando há anos – passou por sucessivas idas e vindas, acordos que acabaram na Justiça, como o da BR Foot, em 2017 - e que jamais recebeu da entidade e dos próprios clubes, a devida atenção.
A escolha, contudo, mais uma vez parece arriscada.
A vencedora da licitação foi a Global Sports Rights Management , que ficará com os direitos de transmissão em TV aberta, TV fechada, pay per view e streaming em todo o mundo, exceto nos países de língua portuguesa, que pertencem ao Grupo Globo. Independentemente de ter apresentado a melhor proposta, a GSRM é uma aposta perigosa, recentemente foi acusada de fraudar a concorrência de direitos internacionais do campeonato argentino, tendo sido inclusive afastada do processo pelos clubes hermanos e pela AFA.
Segundo a CBF, a concorrência aqui não está concluída, entrará agora em uma segunda fase, "quando as empresas selecionadas passarão por validação do escopo de trabalho, atendimento às normas de governança e conformidade, apresentação das garantias financeiras e formalização dos instrumentos contratuais". Resta saber até onde o passado da GSRM – que já se chamou inclusive Argentina Sports Rights Management -, vai pesar nessa análise final e dar a segurança que o processo precisa.
Os riscos de uma negociação como essa com a Global, não chegam a ser uma novidade por aqui. Clubes brasileiros, individual ou coletivamente, são useiros e vezeiros de fazer escolhas erradas em relações com empresas e investidores estrangeiros. Há os casos do Flamengo com a ISL, que levou ao impeachment do ex-presidente Edmundo Santos Silva, do Vasco com Bank of América, do Corinthians com a MSI do iraniano Kia Joorabchian. Todas acabaram sem um final feliz.
O futebol brasileiro, em que pese nosso calendário jabuticaba e o fuso horário ingrato para os mercados do Hemisfério Norte, tem potencial de crescer lá fora. O Flamengo de 2019, ainda que sendo um ponto fora da curva, tendo um treinador europeu e jogadores que fizeram história por lá, mostrou um razoável grau de interesse e de audiência - ainda que com jogos tarde da noite, especialmente em países como Portugal e Espanha.
O sucesso virá se trabalharmos direito. O lado bom da negociação dos clubes – apenas o Athletico Paranaense não participou por não concordar com os valores oferecidos – é que pela primeira vez privilegiou-se a exposição do Brasileirão na Europa e na Ásia, mesmo recebendo um preço mais baixo do que poderiam almejar. Isso, como afirma o jornalista Paulo Vinícius Coelho, no Blog do PVC, vai funcionar como uma degustação, vai formar audiência, permitindo contrato mais vantajoso daqui a quatro anos – uma estratégia semelhante a que foi adotada pela Premier League em sua globalização.
O momento para que uma negociação desse porte se conclua não é dos melhores. A pandemia do coronavírus que parou o esporte mundial, ainda alimenta a incerteza de como o futebol vai se reerguer aqui e lá fora. Como será o calendário, como estará a disposição de patrocinadores para investir, manter e renovar contratos, e qual será o interesse efetivo dos players de exibição e das grandes plataformas de mídia digital, são incógnitas que persistem.
E certo, porém, que a TV terá papel primordial na reconstrução do que será este novo mundo. Talvez uma influência ainda maior do que teve até aqui. Sem ela, a globalização das marcas - uma possibilidade real para um seleto grupo de clubes brasileiros - simplesmente não existirá. Que a decisão tomada pela cartolagem não roube mais uma vez as expectativas dos clubes, possa representar, de fato, um passo à frente para o futebol brasileiro.