Zé Maria lamenta a conduta diante do coronavírus: ‘Precisou ficar muito grave para pararem as competições’
Ao LANCE!, ex-lateral admite preocupação com a forma como a pandemia assola a Itália, país no qual atuou. Além disto, ele recorda-se de seu ciclo no gramado e fala sobre desafios que enfrentou como treinador
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A escalada do novo coronavírus pela Itália vem comovendo também esportistas que têm uma relação antiga com o país. Ao falar sobre o local que o viu jogar como lateral-direito pelo Parma, Perugia e a Inter de Milão, e que abriu as portas para seu começo de trajetória como técnico, Zé Maria não esconde sua frustração por ver os italianos cercados da tristeza causada pelos efeitos devastadores da pandemia.
- É muito difícil. Vivi lá por muitos anos, meus filhos têm cidadania italiana. A Itália já enfrentou muitas crises, mas nenhuma em um nível tão grande como este. Os italianos são geralmente pessoas alegres, que gostam de se confraternizar, de estar por perto. Mas hoje muitos estão com medo de sair nas ruas. É doloroso saber deste impacto do coronavírus por lá - e, em seguida, contou que a doença teve de mudar planos de sua família:
- Um dos meus filhos estava para começar faculdade na Itália. Mas, diante disto tudo, tivemos de reprogramar e ficar no Brasil. Neste momento, o importante é todos se mobilizarem, ficar em suas casas, atender ao que os infectologistas mandam... - completou.
Ao LANCE!, o ex-jogador reflete sobre o momento do futebol e faz um balanço sobre seus trabalhos como treinador em vários cantos da bola.
LANCE!: A pandemia do novo coronavírus trouxe mudanças bem significativas no calendário do futebol mundial. O que você acha da maneira como os dirigentes lidam com situações drásticas como esta pela qual a gente vem passando?
Zé Maria: Na verdade, a gravidade do problema foi medida pelo futebol. Dificilmente as competições param. Sinceramente, acho que paralisaram tarde demais. Tenho visto pelo mundo, e especialmente na Itália, jogadores e treinadores infectados com o coronavírus. As pessoas esquecem que os atletas, por mais que tenham um controle mais alto devido à prática de esporte, não deixam de ficar sujeitas a problemas de saúde.
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'Os atletas, por mais que sejam pessoas com um controle mais alto devido à prática de esporte, não deixam de estar sujeitas a problemas de saúde'
L!: Você atuou por três clubes no futebol italiano. Onde sentiu que consolidou seu futebol no país?
Acho que meu grande momento foi no Perugia. Fiquei lá por quatro anos seguidos, cheguei a ser capitão e, curiosamente, fazia muitos gols por lá. Isto contribuiu muito para que eu fosse contratado pela Inter de Milão (em 2004) e já chegasse com status de titular.
L!: Qual contraste você percebeu entre atuar no Perugia e na Inter?
Na verdade, o Perugia era um clube no qual os jogadores atuavam para buscar projeção. Joguei no mesmo período que o Materazzi e o Grosso,... Na Inter há um nível muito alto, exigem muito de você. A pressão no clube e na torcida por resultados é grande, tem de encarar adversários como Milan e Juventus com intensidade em um San Siro com 80 mil pessoas. Mas foi um privilégio. Joguei com Verón, Figo, fui campeão italiano, venci duas vezes a Supercopa da Itália.
L!: E você contabiliza passagens muito emblemáticas pelo futebol nacional também...
Costumo dizer que convivi a melhor geração que passou pelo futebol brasileiro (risos). Na Portuguesa, onde comecei minha carreira, joguei com Dener, Maurício, subi com Zé Roberto, Rodrigo Fabri. Depois fui campeão carioca com um time de craques no Flamengo, que tinha Romário, Sávio, Marques e Amoroso. No Vasco, fui campeão do Rio-São Paulo com Carlos Germano, Mauro Galvão, Juninho, Felipe, Ramón, Donizete, Luizão... No Palmeiras, tinha César Sampaio, Zinho, Paulo Nunes, Evair, no Cruzeiro tinha Sorín, Oséas. Seria injusto falar bem só de um time, né?! Sou grato a todos.
L!: Depois de ter pendurado as chuteiras, você começou seu trabalho como técnico em clubes de divisões inferiores na Itália. O que pesou para a sua decisão?
Por mais que seja o sonho de qualquer jogador logo começar sua carreira como técnico, meu objetivo era me preparar muito para isso. A Itália tem os cursos mais completos e achei que assumir o comando do Città di Castello (na Série D do país) seria uma forma de comprovar se eu queria realmente seguir o caminho na beira do campo. Terminamos em terceiro. Depois veio o convite do Catanzaro (na Série C), um time que estava para falir. Nosso objetivo inicial era evitar o rebaixamento, mas fizemos uma campanha muito satisfatória, que impediu a falência do time.
'O sonho de qualquer jogador é se tornar técnico. Mas optei por comandar uma equipe de divisão inferior (na Itália) para saber se era o que eu realmente queria'
L!: Como chegou a oportunidade para você desembarcar no futebol romeno?
Um presidente italiano viu meu trabalho no Catanzaro e me chamou para trabalhar no Ceahlăul. Peguei a equipe brigando para não cair e com muitas dificuldades, mas consegui revelar muitos jogadores para a seleção sub-21, o que acho importantíssimo. É um campeonato muito equilibrado, com atletas de qualidade. A Romênia tem bons jogadores em sua história, como o Hagi (meia que se destacou na Copa do Mundo de 1994).
L!: Em 2016, veio a grande guinada do seu período como treinador. O que ficou de mais marcante do seu período no GOR Mahia?
Foi bem interessante trabalhar no Quênia, apesar de todas as dificuldades. A gente tinha problemas para se deslocar em Nairóbi, devido aos transportes locais, os gramados também eram precários... Mas conseguimos fazer um grande campeonato. Também vencemos a Supercopa do Quênia. Treinador vive disto, de títulos. Outra coisa pela qual sou muito grato nestes 18 meses de trabalho lá é que pude revelar jogadores. Um atleta meu chegou a ir para o futebol russo.
L!: Foi neste período que você recebeu o convite para comandar a seleção do Quênia. Por que esta ideia não foi adiante?
Mesmo indo bem no GOR Mahia, achei que não era o momento de treinar uma seleção. Em uma seleção você não tem o mesmo período para entrosar os jogadores. Eu quero estar durante a semana, vivenciar o dia a dia, passando o máximo de intensidade a quem esteja sob o meu comando.
'Mesmo indo bem no GOR Mahia, achei que não era o momento para assumir uma seleção', disse Zé Maria, sobre convite do Quênia
L!: O que chamou sua atenção no futebol queniano?
O Quênia tem jogadores de qualidade, que merecem uma projeção maior. Ao falar do continente africano, lembram muito como o futebol ganês, nigeriano... Mas há no Quênia, há muitos atletas que merecem oportunidade em grandes centros.
L!: Quando veio o convite para você comandar um time na Albânia?
Eu estava com vontade de voltar à Europa, aí me propuseram assumir o Tirana. É um dos mais tradicionais clubes do país, mas tinha caído quando eu cheguei lá. Foi curiosa a situação, porque o clube disputou a Copa da Albânia e a segunda divisão no mesmo ano. Perdemos a Copa, mas fomos campeões com folga da Série B.
L!: Sua primeira oportunidade como treinador no Brasil foi na Portuguesa, clube no qual você começou a carreira. O quanto foi significativo assumir a equipe, ainda mais no momento de crise financeira da lusa?
Olha, minha relação com a Portuguesa é de muito carinho. Joguei lá dos 11 aos 22 anos, encerrei minha carreira no futebol também lá (em 2008) e torço para que o clube encontre dias melhores. Lá trabalhei com muitas dificuldades, por amor mesmo à Lusa. O presidente (da época, Alexandre Barros) falou que não conseguiria me pagar nada além de uma ajuda de custo. Os jogadores não recebem salários em dia.
L!: O que acha que faltou para a equipe não ter um bom rendimento na Copa Paulista?
Faltou ao presidente encontrar a única contratação que eu exigi: um fazedor de gols. Nós criávamos muitas chances, mas não conseguíamos concluir com tranquilidade. Isso trouxe consequências para a gente.
'Houve uma série de decisões erradas', diz Zé Maria sobre medidas da diretoria da Lusa no ano de 2019
L!: A Lusa passou por algumas situações curiosas durante a disputa da Copa Paulista, como fazer um amistoso na Bolívia (0 a 0 contra o Oriente Petrolero) e o fato de não contar com o Canindé em alguns jogos. Como isto pesou para o elenco?
Foi uma coisa muito mal programada, houve uma série de de decisões erradas. Esta viagem na Bolívia, por mais que tenham dito que a diretoria marcou antes e que poderia ajudar financeiramente, só desgastou o elenco. E o valor que a Portuguesa ganhou pode nem ter chegado aos cofres do clube, que está com muitas contas bloqueadas. A falta do Canindé também pesou muito. No nosso estádio, ganhamos jogos importantes como as partidas com o Juventus e o Nacional, mas perdemos quando mandamos partidas longe (no Estádio Prefeito José Liberati). E também não sei se a decisão (de alugar o Canindé em para festas junina e julina) foi boa financeiramente. Mas em campo, tivemos resultados ruins.
L!: O que chamou sua atenção em relação aos jogadores brasileiros?
Encontrei muita dificuldade em quererem sair da zona de conforto. É uma mudança de mentalidade necessária, que faz falta. O Flamengo do Jorge Jesus é um exemplo disto. Trata-se de uma equipe que não se acomoda, que quer aprender com intensidade. Já havia sentido muito isso entre os jogadores italianos. Há um desejo de aprendizado contínuo. Espero que chegue aqui também.
L!: Quais são seus planos como treinador?
Bom, quero me fixar no Brasil, implementar meu modo de trabalhar. Procuro adequar a técnica do futebol brasileiro com a tática que aprendi na Itália e nos países nos quais trabalhei. Gostaria muito de encontrar um clube que busque crescer.
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