‘Meninos do Acre’: a história de um acesso que parece inacreditável

Por falta de estrutura, Atlético-AC chegou a usar caixa d’água como banheira. No domingo, time subiu da Série D para C. LANCE! conta como um elenco de garotos fez história

imagem camera(Imagem: Reprodução/Rede Amazônica Acre)
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Lance!
Rio Branco (AC)
Dia 16/08/2017
08:50
Atualizado em 16/08/2017
12:59
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Uma história que parece inacreditável tem agitado a capital do Acre, Rio Branco. Não, não é a saga de Bruno Borges, o "Menino do Acre", que ficou desaparecido por cinco meses após deixar longos textos escritos em linguagem criptografada. Nossa narrativa fala de outros "Meninos do Acre", protagonistas de uma promoção heroica na Série D. No último domingo, o Atlético Acreano conseguiu subir para a Série C, naquela que é a primeira vez que um clube do estado consegue o acesso por estar entre os quatro primeiros colocados da Série D. Um elenco formado basicamente por atletas de 22 anos, com muitos jogadores deste time atuando junto desde a categoria mirim e infantil. Um grupo que superou as mais diversas dificuldades e falta de estrutura. O LANCE! detalha a dura caminhada da equipe que chegou a usar uma caixa d’água como banheira de gelo dias antes de jogo decisivo, e ainda assim venceu.

O ponto mais inusitado na caminhada do Atlético Acreano é, sem dúvidas, o trabalho regenerativo em uma caixa d’água no começo da preparação para as quartas de final da Série D, contra o São José-RS. Há duas semanas, os jogadores estavam treinando no campo da Federação de Futebol do Acre (FFAC) e precisavam relaxar em um local com gelo. Sem um lugar próprio para a atividade, a solução foi improvisar com uma caixa d’água que estava por ali. Os atletas entraram de dois em dois, enquanto algumas imagens foram feitas. Elas viralizaram e chocaram a internet. No fim das contas, o Atlético-AC bateu o São José por 1 a 0, no Rio Grande do Sul. Oito dias depois, um empate por 1 a 1 em Rio Branco selou a promoção do clube acreano, que não disputava a Série C desde 1995 - na época, a Terceira Divisão era a mais baixa do futebol nacional.

'É a nossa realidade, pra gente aqui é normal... Os jogadores viram essa situação como uma motivação a mais para a gente mudar nossa história'

- É a nossa realidade, pra gente aqui é normal. São nossas condições, a gente não tem outra. Foi no campo da Federação, nosso campo de treino não está em condições ideais. Naquele momento tinha aquela caixa lá e a gente precisava fazer aquele trabalho com gelo. Jogaram a foto na internet, viralizou e mostrou nossa realidade. Acho que os jogadores viram essa situação como uma motivação a mais para a gente mudar nossa história e assim melhorar as condições de trabalho nos próximos anos - disse o presidente do Atlético-AC, Elison Azevedo.


Atualmente, o elenco do Atlético-AC, apelidado carinhosamente como Galo Carijó, conta com 25 jogadores. Mais da metade tem outra ocupação além do futebol. Há professor de educação física, vendedor, assistente administrativo...

- Alguns jogadores que a gente tem joga futebol como "bico", por que têm outros trabalhos. Tem gente que trabalha fora e pega o tempo que sobra para vir treinar e ajudar a gente - comentou Elison Azevedo, destacando que todos os salários do clube estão em dia, apesar das limitações no caixa do clube:

'Nossa folha gira em torno de R$ 60 mil mensais, é uma das menores da Série D... Os patrocinadores cobrem só a metade'

- Está tudo em dia, apesar de ser pouco perante a folha salarial do Sul do país. A gente tem honrado os compromissos, mesmo com as dificuldades. Chegou a premiação por jogar a Copa do Brasil, a gente logo colocou para os salários. Nossa folha gira em torno de R$ 60 mil mensais, é uma das menores da Série D. Os patrocinadores cobrem só a metade, mas a gente separa o que dá do restante da receita para não deixar o salário atrasar.

Apesar das adversidades, o Atlético-AC conseguiu arrumar a casa nos últimos dois anos. Fundado em 1952, o clube sequer tinha condições para disputar o Campeonato Acreano de 2016. Elison Azevedo assumiu o departamento de futebol e conseguiu garantias financeiras para colocar o time em campo. O esforço foi coroado com o sétimo título estadual do clube, o primeiro em 25 anos. Na Série D do ano passado, o time também fez bela campanha e "bateu na trave" pelo acesso, caindo nas quartas de final, contra o Moto Club-MA.

Elison Azevedo, de 42 anos, foi eleito presidente do Atlético-AC em dezembro do ano passado. Nascido em Rio Branco e ex-jogador de sucesso na região, hoje ele é formado em gestão de projetos, direito e educação física. Neste ano, o Galo Carijó sagrou-se campeão estadual de novo e, enfim, subiu na Série D.

Elenco comemora o título estadual deste ano (Foto: Atlético Acreano)

- O segredo do sucesso é ter mantido a base do ano passado. Muitos dos nossos jogadores foram assediados pela boa campanha no ano passado, mas conseguimos segurar fazendo contratos longos, até 2018, 2019 e 2020. Muitos destes jogadores e o técnico (Álvaro Miguéis) estão juntos aqui desde 2009, ainda na categoria mirim e infantil. Foram subindo junto. A gente valoriza nossa base, só três jogadores vieram de fora - detalhou Elison Azevedo, que jogava pelo Rio Branco-AC na conquista da Copa Norte de 1997, em final contra o Remo, naquele que é considerado o maior título do futebol acreano.

O maior destaque entre as pratas da casa do Atlético-AC é o meia Polaco, autor de quatro gols na Série D. Após jogar a Copa São Paulo de 2011 pelo Galo Carijó, ele chamou a atenção do Santos, que o contratou para jogar na base. O jogador não se firmou no Peixe, mas hoje está em alta no Acre. Dentre os atletas que chegaram no clube já profissionais, o grande nome é o meia Careca, camisa 10 do time e autor de seis gols na Série D. Ele acertou nesta semana com o Cruzeiro, onde passará por período de testes nos próximos meses.

A geração fez história. O último clube do Acre na Série C foi o Rio Branco, em 2013. Agora, a meta é fechar o ano com o título, que seria o primeiro de um clube acreano em âmbito nacional. Na semi, o time vai encarar o Operário-PR. Até onde vai o Galo Carijó? A meta é subir cada vez mais, afirma o presidente:

- Costumo dizer que o nosso problema aqui é geográfico, pois a gente está longe dos grandes centros. Talentos sempre tivemos, mas nunca foram usados da maneira certa. Aqui no Atlético a gente valoriza o que é da casa, ao contrário de outros clubes da região. Os resultados estão mostrando que o potencial e o talento nós temos em casa. Queremos conquistar cada vez mais espaço. Se nos derem a oportunidade de disputar o acesso à Série B, vamos correr atrás disso.

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