‘Nasci para brilhar’: artilheiros da Quarta Divisão do Paulista sonham
Nem idade, falta de estrutura, dinheiro ou campos esburacados atrapalham os planos dos goleadores da último degrau do futebol de São Paulo
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Jogar na Segunda Divisão do Campeonato Paulista é ter esperança como profissão. Nos gramados esburacados, na falta de dinheiro e na ausência de estrutura, existem apenas sonhos. A maioria vai fracassar pelo caminho, mas alguns poucos correm com a fé cega de que vão sair do último degrau do futebol do Estado para o estrelato.
Apesar da nomenclatura, o torneio é a quarta divisão de São Paulo.
- A gente vê tanto jogador com mais de 30 anos em time grande. Por que não posso conseguir também? Eu acredito nisso. O futebol ainda pode me trazer muita coisa, um contrato melhor, a chance de ganhar dinheiro...
Quem mais sonham são os artilheiros porque acreditam que estão na linha de frente dos jogadores a serem "descobertos". O autor da frase acima é Wellington Rodrigo Viana de Almeida, o Billy, goleador do Vocem, de Assis. São 17 marcados até agora. Aos 29 anos e sem nunca ter passado por uma equipe de ponta, os gols e o possível acesso da equipe o fazem acreditar que, como ele mesmo diz, “a idade é apenas um número”. Em um campeonato em que cada time pode ter apenas três atletas com mais de 23, são os veteranos quem mais sonham.
- Eu estou com 27. Uma idade madura para ir para a Europa. Vou conseguir comprar uma casa para os meus pais em Caroalina, o povoado em que nasci em Pernambuco. Acho que posso jogar mais dez anos em alto nível - afirma José Itamar dos Santos Sousa, o Itamar, responsável por 16 gols do Tanabi no torneio. Ele era o principal artilheiro da Segunda Divisão até a equipe ser eliminada.
Na passagem pelo interior, Itamar conseguiu um empresário. Garante que ele vai colocá-lo no futebol do exterior. Talvez a China, o que vai viabilizar, pelo menos financeiramente, o desejo de ajudar a família, a mulher Daniela e a filha Melissa.
É o mesmo sonho partilhado por Jorge, matador da Mauaense, de 29 anos. São 16 gols na Segunda Divisão.
Itamar chegou a abandonar o futebol. Largou depois de uma sequência do que ele mesmo define como “decepções.” Passou fome no Paraguai. Foi para Portugal na esperança de brilhar até chegar lá e descobrir que a janela de transferências estava fechada. Ficou meses sem receber salário no Fernandópolis, época em que já era casado. Tropeçou em uma série de clubes do interior, em que teve muitas dores de cabeça e pouca recompensa financeira. Ficou doente por causa de um parasita da carne de porco semanas antes da filha nascer.
- Eu já estava de saco cheio. Olhava para minha filha e via que tinha de levar a minha vida longe do futebol. Olhava para ela e pensava: tenho de ir trabalhar. Não era o que eu gostava, mas tinha de fazer - diz Itamar.
Empregou-se como operador de máquina em uma siderúrgica de Guarulhos. Os gols pareciam ser sonhos que não deram certo.
Pensamento que até agora sequer passou pela cabeça da maior revelação do torneio. Willian, 22 anos, tem 17 gols pela Portuguesa Santista, um dos times mais tradicionais do futebol paulista e que tenta renascer.
- Eu vim para o clube porque era uma oportunidade de jogar. Tenho de aparecer, ser visto. Isso a Portuguesa me ofereceu. Quero muitas coisas na vida. O futebol faz a gente sonhar - diz o jogador revelado pela base do Náutico, mas que pertence ao Santos.
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Menino da Vila, Willian está emprestado para o clube conhecido na Baixada Santista como Briosa. Em 2017, quer ser aproveitado pelo Peixe.
- O auxiliar da Portuguesa é o Marcelo Passos, que é funcionário do Santos. Ele passa um relatório do meu desempenho. Acredito que estou indo bem - afirma o garoto, que mora com Taís, a namorada de Caruru que veio com o artilheiro para São Paulo.
Willian é uma aposta do Santos. Itamar apostou no Tanabi. Foi um convite do clube que o fez largar a metalurgia e acreditar novamente no futebol. Como consequência, desandou a fazer gols. Operar máquinas dava um salário, mas não dava esperança.
- Eu acredito. Nasci para brilhar - conclui o jogador que está de malas prontas para a China.
É a mesma crença que faz Billy ter certeza de que tem tempo para chegar a um clube grande. Maior do que o Boa Esporte, o único de certa projeção nacional em que passou. Atualmente, está na Série C do Campeonato Brasileiro. Ele mesmo se perde quando lista as camisas que vestiu. Rio Preto, Bonifácio, Olímpia, Inter de Limeira, Mogi Guaçu, Barueri, Rio Branco. Santa Cruz do Rio Pardo, Flamengo de Guarulhos...
- Foram 18 até agora - conclui.
Billy dá de ombros para isso.
- Eu sou atacante de área. Centroavante clássico e pela primeira vez estou sendo artilheiro. Estou crescendo de rendimento e tenho muito a mostrar ainda - jura.
Willian garante a mesma coisa. Itamar espera a proposta do exterior para provar que a Segunda Divisão é apenas um trampolim, a idade apenas um número e que, como dizia a música “Clube da Esquina II”, de Milton Nascimento:
Os sonhos não envelhecem.
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