Dos entendedores de futebol de plantão, não conheço quem não tenha se assustado com as cifras altíssimas envolvendo as recentes contratações do Flamengo. Contudo, o estranhamento e a indagação acerca de como uma instituição sem dinheiro de uma década atrás se consolida como protagonista na atual janela de transferência do mercado da bola, logo podem ser explicados se analisarmos a corrente ordem econômica do jogo observado na Europa: a concentração de riqueza consolidada na figura do “predador” do mercado interno.
Exemplos como os de Bayern de Munique, Manchester City e do Paris Saint-Germain, este último, não na mesma escala dos dois primeiros, explicam o fenômeno em sua versão brasileira. Para que o leitor tenha ideia, somando-se os jogadores do elenco atual bávaro ao recém contratado Pavard (35 milhões de euros), o atual hexacampeão da Bundesliga ultrapassa mais de € 100 milhões pagos aos concorrentes alemães, desde o início dessa década, por nomes como o goleiro Neuer (18 milhões), o zagueiro Hummels (35 milhões) e o atacante Sandro Wagner (13 milhões). Fora os que chegaram à Bavária, a custo zero – os casos do meia Goretzka e Lewandowski, que deixaram Schalke 04 e Borussia Dortmund, respectivamente. A bola da vez, apesar de não defender um clube alemão, é o jovem atacante inglês Hudson-Odoi, de 18 anos, do Chelsea (a mídia inglesa aponta que a proposta seria de € 39 milhões).
O Manchester City, por sua vez, gastou apenas no mercado interno, nos últimos quatro anos, mais de € 200 milhões para se reforçar com o zagueiro Stones (do Everton), o lateral Walker (Tottenham), o meia Mahrez (Leicester) e o atacante Sterling, justamente do seu maior rival na atualidade, o Liverpool, que lidera a Premier League. E o que falar do Paris Saint-Germain, que há menos de um ano, desembolsou € 180 milhões para tirar o atacante Mbappé (campeão mundial pela França na Copa da Rússia) do até então rival Monaco, que enfraqueceu absurdamente desde a temporada passada. Nota-se a riqueza concentrada numa elite de clubes, que pulveriza os seus adversários nacionais ao retirar destes os seus principais destaques.
Pois bem. O fim desta década, ao que parece, vem reservando a dois clubes do Brasil a figura do “predador implacável”. Ao compararmos números e cifras no mercado doméstico desde a temporada passada até agora podemos notar que o trio formado por Flamengo, Palmeiras e incluo também o São Paulo (mesmo em menor intensidade, porém com um papel importante neste cenário) lideram o ranking de compra no mercado nacional. De espectador, o futebol brasileiro passou a experimentar uma nova realidade que parecia tão distante pouco tempo atrás.
Cabe salientar para os pessimistas por natureza que esse movimento no mercado ao que vemos está muito bem embasado. Apesar de as cifras altas causarem certa inquietação, ainda estão muito aquém da receita dos clubes mais ricos do país. Em dezembro de 2017, o Flamengo era o 20º colocado em faturamento no mundo e já se planejava para ser o “Bayern do Brasil”. O jornalista Rodrigo Capelo, então da revista “Época”, publicara em 2017, no seu blog, detalhes do plano, iniciado em 2013, após o triunfo nas eleições da gestão comandada pelo então presidente rubro-negro, Eduardo Bandeira de Mello.
Detalhe: o plano compreendia os anos de 2013 a 2020. O próprio Capelo afirmara em entrevista ao canal “SporTV” naquele mês de dezembro que “em 2013, 2014 e 2015, foi um período de pagar dívida, cortar gastos, colocar a casa em ordem financeiramente. Em 2016 e 2017 já foram anos que ainda têm muita dívida para pagar, mas começaram a fazer muitos investimentos. O plano é que, a partir de 2018, então 2018, 2019 e 2020, seja um círculo virtuoso, que o Flamengo comece a colher os resultados desse empenho financeiro e comece a traduzir isso em títulos”
Definitivamente Mengão e Verdão não chegaram à toa a tal patamar. Sofreram processos de reestruturação em suas gestões com a ampliação significativa de receitas (direitos de TV, publicidade e patrocínio, transação de atletas, bilheteria/sócio torcedor, social, entre outros) entrelaçadas ao poderio de torcidas, alavancam o passo a passo dos clubes sem que estes avancem além de suas forças.
Nota-se, porém, que a disparidade entre os gigantes paulistas não é tão latente quanto no Rio de Janeiro, onde o Rubro-Negro caminha sem concorrência. Pelo menos fora das quatro linhas. O certo mesmo é a tendência de que o empoderamento dos clubes fique cada vez mais restrito e os campeonatos no Brasil se tornem, num futuro breve e se nada for mudado, uma nova versão de La Liga e/ou Bundesliga, entre outros, com pouquíssima concorrência. Novas abordagens, agressividade nos investimentos para reforços de planteis e estratégias são esperados. Do ponto de vista das finanças, Flamengo e Palmeiras estão prontos para encarar o futuro. Preparemo-nos, então, para os novos tempos.
Um abraço a todos, e até semana que vem.