A emocionante cerimônia de Medellin, e as outras manifestações mundo afora, acabaram por exaltar o futebol como força benfazeja que congrega pessoas em período tão difícil para todos.
Foi bonito, pungente. Comoveu. Enalteceu o viés promissor.
Porém, o futebol é atividade submetida à condição humana. Possui o outro lado, a sombra inconveniente: discriminação no estádio, sobretudo racial; violência, ilicitude, compra de resultado, interesses pessoais escusos, grupos que o dominam mafiosamente, conforme relata o livro “Como o futebol explica o mundo”.
Não se restringe a empresários e dirigentes desleais. Infelizmente, muitos mais se utilizam dele no lado obscuro. Tentar isolar o momento e olhá-lo apenas pelo aspecto solidário que o açambarcou é equívoco perigoso.
A FIFA e a CBF não são frutos de acaso ou de algum administrador desviado. São consequências de um processo abastecido por muita gente fora do palco principal, a contribuir conscientemente.
Um conjunto pago a peso de ouro trabalha a favor da manutenção do status quo, uma boa parte da mídia que tolera e se omite. A omissão é forma veemente de estimular o erro. A pergunta que não se faz nas entrevistas cala alto. Na azáfama do cotidiano, a omissão passa batida.
“Não é a consciência da humanidade (seus valores) que determina a sua existência. Ao contrário, é a existência social (as relações) que determina a consciência das pessoas”, conforme a interpretação econômica da história.
A sociedade brasileira, em grande parte, submeteu-se às relações que vigoram no futebol, envolvendo a consciência de muitos.
O futebol só é um fim para suas competições e resultados. Para efeito social, ele é um meio que pode mostrar e incentivar-nos o bem ou o mal. Depende da hierarquia de valores que determinarmos.
Na Sociologia cunhou-se o termo “horror ao presente”. Não há ordenamento, hierarquia de princípios, o sobrelevar das referências positivas. A fragmentação é geral e irrestrita. Pequenos grupos se impõem ao que parece ser a consciência da maioria; o cidadão se sente autônomo diante do uso da tecnologia, mas o domina um medo intrínseco, uma insegurança, um vazio que o fragiliza e apavora.
São os nossos dias.
O futebol pode mudar o Brasil, sempre acreditei. Exatamente pela amplidão que contém, pela comoção que causa, pela clareza com que transmite.
A noite de Medellin que nos uniu em tão triste marco, não pode esmaecer-se como essas imagens fugidias que a memória, aos poucos, move para o inconsciente.
O futebol não pode nos alçar nem juntar-nos só na tristeza.
Que o sentimento doce e afetivo dos colombianos nos encha de coragem para mudar o que tem que ser mudado. E que todos nós sabemos.
Esse é o papel inefável que o futebol precisa assumir.
“UNDERDOG”
Antonio Conte está roubando a cena na Premier League. Diante do celebrado Guardiola, do mitificado Mourinho e do festejado Klopp, ele se sai, até agora, melhor. Com mais simplicidade, sem sofisticações midiáticas e sem falsa modéstia. Tem muito técnico que se passa por humilde. E funciona como o milionário que dá contribuição anônima para uma causa nobre e depois deixa vazar na imprensa para todos saberem. Conte não é mais importante que os jogadores como os outros técnicos também não o são. Comparado na mesma proporção, surpreende os rivais, por enquanto.
A NOSSA FACE
As colocações constrangedoras do Brasil nos rankings educacionais são a exata dimensão do pouco respeito que temos a nós mesmos. Não é culpa só das autoridades responsáveis. Para atingir tão degradante posto, é preciso que a grande maioria no País não leve o assunto a sério. É o mesmo caso do futebol, aludido no artigo acima.
Se somos assim, por que o mundo nos respeitaria?