Na disputa entre renúncias fiscais, desoneração e benefícios sociais, o governo federal divulgou que 54,9 mil contribuintes que utilizam créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais declararam ter usufruído R$ 97,7 bilhões em renúncias fiscais este ano. Em média, cada beneficiário deixou de pagar R$ 1,78 milhão no período.
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Um dos mecanismos usados para conseguir os benefícios foi o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Criado durante a pandemia da Covid-19, o Perse suspende a cobrança de impostos como PIS/Pasep, Cofins, CSLL e IRPJ para as empresas beneficiadas.
Levantamento do Lance! mostra que o setor esportivo foi contemplado com mais de R$ 111 milhões em benefícios fiscais. São 72 empresas na lista, a maioria de eventos esportivos, gestão de marketing esportivo e agências que assessoram atletas em suas carreiras. Vale ressaltar que não há nenhuma ilegalidade em utilizar renúncias fiscais, desde que as empresas estejam regulares com os requisitos propostos por cada programa.
— Quando você concede algum benefício, é para incentivar a economia, algum setor ou comportamento. Você pode deduzir o investimento em educação ou saúde no Imposto de Renda, por exemplo, como forma de compensação por um serviço não atendido pelo governo onde você mora — explicou Natália Ferreira de Carvalho Rodrigues, pesquisadora de políticas públicas que envolvem renúncias fiscais.
Os gastos tributários no Brasil representam uma proporção significativa dos gastos públicos, correspondendo a 4,78% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, considerando somente o nível federal. Se os gastos tributários de nível estadual forem incluídos, a proporção chega a 7,2% do PIB em 2023.
— A sociedade não tem muito conhecimento. Perde-se até mais. Não tem transparência na concessão de benefícios. É assustador o montante. O problema principal é que eles não passam pelo processo orçamentário. A política não é desenhada de forma a tornar comparáveis os gastos diretos, orçamentários, e os gastos indiretos, os benefícios fiscais — continuou a pesquisadora.
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Entre as empresas do setor esportivo, lideram a lista a BRAX, com R$ 39 milhões e a Link Assessoria Esportiva, com R$ 18,5 milhões. A BRAX é uma empresa de marketing esportivo que cuida das transmissões e exploração comercial das arenas de times das Séries A e B, enquanto a Link gerencia carreira de jogadores de futebol. A reportagem procurou os citados, mas não obteve resposta até o momento da publicação. O texto será atualizado assim que eles se manifestarem.
As empresas não estão cometendo crimes, nem contravenção. Usufruem da lei, criada por meio de um grande lobby, que beneficiou até aquelas que não foram afetadas pela pandemia.
— O requisito está na lei, mas muitas vezes existem brechas. E o contribuinte vai usar essas brechas — argumentou Natália.
A lista apresenta detalhes das empresas que mais deixam de pagar tributos no país.
O valor total do Perse foi de R$ 9,6 bilhões. Desse valor, cerca de R$ 5 bilhões se referem ao período a partir de abril, quando passou a existir o novo teto de R$ 15 bilhões. O iFood é a empresa que mais recebeu incentivo do Perse, num total de R$ 336 milhões. Na sequência, estão a Azul Linhas Aéreas (R$ 303 milhões) e a Enotel Hotel e Resorts (R$ 171 milhões).
Perguntada sobre a motivação do governo federal ao divulgar a lista, se foi para angariar apoio da opinião pública para evitar cortes sociais, a pesquisadora acredita que não.
— Não sei se foi com esse objetivo, mas desde o início do governo em 2023 existe a proposta de endurecimento, um maior controle destes gastos indiretos. O efeito foi amplificado por essa divulgação — analisou Natália.
A Lei nº 14.859, de 22 de maio de 2024, estabeleceu nova regulamentação para o Perse. De acordo com o novo regramento, o benefício terá o seu custo fiscal (gasto tributário) limitado a R$ 15 bilhões, contados a partir de abril de 2024. A partir de 2025, a redução de impostos será limitada a empresas com lucro real, afetando o Imposto de Renda e a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL). O governo estima que, se o programa fosse mantido integralmente em 2024, o impacto nos cofres públicos seria de R$ 16 bilhões.