Quando a Seleção Brasileira, pentacampeã mundial e uma das mais fortes do mundo, enfrenta uma equipe como Honduras, atual 61ª colocada no ranking da Fifa, espera-se que o escrete canarinho goleie e jogue bem. Neste domingo, porém, enquanto cumpria com folga a sua missão, vencendo por 7 a 0, no Beira Rio, a equipe de Tite foi além e apresentou alternativas que podem ser úteis não só para a Copa América, mas durante todo ciclo até a Copa do Mundo de 2022, no Qatar.
O time hondurenho, no mínimo inofensivo, ainda teve o meia Quioto expulso aos 29 minutos do primeiro tempo, é verdade. Mas naquela altura, a Seleção já vencia por 2 a 0 e, além de manter o ímpeto até o último minuto do confronto, teve méritos em fazer do treino de luxo um enorme laboratório.
A Seleção com Neymar
À medida que os anos se passaram e Neymar ganhou protagonismo na Seleção Brasileira - com méritos, diga-se - o atleta foi cada vez mais poupado das responsabilidades defensivas inerentes a jogadores de extremidade do campo no futebol atual. Principalmente a partir da Copa das Confederações de 2013, vencida pelo Brasil de Felipão, nota-se o ex-Santos cumprindo menos funções táticas.
A pratica manteve-se com Dunga, e agora Tite. Quando tem Neymar, o Brasil ataca num 4-3-3, onde o jogador do Paris St-Germain é o atacante mais à esquerda, partindo da extremidade. Mas, sem a bola, para livrar a estrela das obrigações defensivas, a Seleção se aproxima de um 4-4-2, em que Ney compõe a linha de ataque, e não o lado esquerdo do setor de meio-campo.
As versões de Coutinho
Para comportar Neymar e Philippe Coutinho no time titular, Tite sacrificava o segundo. Era o jogador de Barcelona quem fechava o setor esquerdo na hora de defender. Sem o craque do PSG, cortado por lesão do elenco que se prepara para a Copa América, Coutinho ganha liberdade.
Protegido pela dedicação de Richarlison e David Neres na recomposição pelas pontas, o camisa 11 foca seus esforços na articulação do jogo e se posiciona, quase na integridade do tempo, na região onde mais rende: o meio-campo. Contra Honduras, dois gols, uma assistência, e duas bolas na trave.
Marcação pressão
Dar liberdade à Coutinho não é o único efeito causado pela disciplina de David Neres e Richarlison sem a bola. Os dois dão equilíbrio ao momento defensivo do Brasil e isso, somado à disposição de Gabriel Jesus, traz a solidez necessária para que Tite implemente a marcação pressão, no campo de ataque adversário - vista durante todo jogo neste domingo.
A fragilidade da Seleção Hondurenha, sem dúvidas, contribuiu para a experiência. A estratégia do "perde e pressiona", porém, que exige muita aplicação tática dos jogadores de frente, prova-se funcional em clubes bem sucedidos no mais alto nível atual, como o Liverpool e Tottenham, e pode ser apropriada pelo time canarinho em momentos oportunos.
"Chef" Richarlison oferece 4-4-2 à moda inglesa
Ainda no primeiro tempo, chamou atenção a variação tática oferecida por Richarlison. O jogador do Everton-ING, que atuou pela ponta direita, mas que pelo tipo físico e de movimentação, é nitidamente um segundo atacante de origem, por vezes fez companhia à Gabriel Jesus na grande área. Assim, Daniel Alves ocupou a faixa direita, enquanto Casemiro portou-se como um terceiro zagueiro, com Marquinhos cobrindo as subidas do lateral-direito.
Na prática, um 4-4-2 à inglesa, com duas linhas de quatro e dois atacantes. O esquema que, por um período, parecia abandonado - principalmente pela invasão dos técnicos estrangeiros na Inglaterra - voltou a ganhar força no cenário internacional com o Tottenham de Pochettino e o Atlético de Madrid de Simeone. A tática casa perfeitamente com o estilo atacantes do Brasil. Firmino, Richarlison e Gabriel Jesus, por características, são jogadores que poderiam adaptar-se a uma dupla de ataque.
Mais variações
O laboratório de Tite, neste domingo, nos brindou com mais uma experiência. Quando Everton substituiu Coutinho, Firmino, que já havia substituído Jesus, deu um passo atrás para atuar como um ponta-de-lança, atrás de Richarlison, que ocupou a "centroavância". O jogador do Grêmio, pela esquerda, e Neres, pela direita, completaram o 4-2-3-1 a partir da metade do segundo tempo.
É preciso ser cuidadoso na análise, pois naquele momento, Honduras já estava entregue. Com este esquema, porém, a Seleção Brasileira viveu ótimos momentos durante o confronto, e sem dúvidas, fez sorrir Adenor - que ganha mais uma alternativa.
Mudanças por necessidade
Em declarações após a Copa do Mundo de 2018, Tite não disfarçou a consternação. Desde que foi dominado por Roberto Martinez nas quartas-de-final, quando o técnico belga lançou Lukaku na ponta direita, nas costas de Marcelo, e Vertoghen na lateral-esquerda, no combate à Neymar, o comandante gaúcho nunca disfarçou a necessidade de ampliar seu repertório.
Neste domingo, as preocupações do treinador, aliadas às mais de duas semanas de treinamentos na Granja Comary, deram resultados. Resta saber se diante de equipes de melhor nível, Tite lançará mão de suas experiências e, o mais importante, obterá êxito com elas.