Relembre o caso Tifanny, primeira atleta trans a disputar a Superliga

A polêmica entre a jogadora do Bauru e o técnico Bernardinho, na última semana, trouxe de volta à tona as discussões em torno do caso, que divide opiniões

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A polêmica entre a jogadora Tifanny e o técnico Bernardinho, na última semana, trouxe de volta à tona as discussões em torno do caso, que divide opiniões, da primeira transexual brasileira a disputar a Superliga, competição de elite do vôlei nacional. 

Após Tifanny marcar um ponto pelo Bauru contra o Sesi-RJ em jogo das quartas de final da Superliga, o ex-treinador da Seleção Brasileira comentou irritado na lateral da quadra: "Um homem, é f*". A reação do técnico foi flagrada pelas câmeras da transmissão da TV. Depois da grande repercussão do caso nas redes sociais, o  técnico pediu desculpas à atleta. Mas as polêmicas não cessaram. Relembre algumas delas.

TIFANNY FOI PIONEIRA 

Caso Tifanny divide opiniões (Foto: Divulgação)

Tifanny Abreu nasceu no dia 29 de Outubro de 1984, caçula de sete irmãos de uma família da pequena cidade de Conceição do Araguaia, no interior do Pará. Ainda com o primeiro nome de registro, Rodrigo, profissionalizou-se no voleibol e defendeu o Juiz de Fora e o Foz do Iguaçu na Superliga masculina B. No final de 2012, decidiu iniciar uma transição de gênero fora do país. Passou por duas cirurgias e um tratamento hormonal para a diminuição dos seus teores de testosterona, um hormônio caracteristicamente masculino. Na época, não imaginou que voltaria a jogar vôlei, mas, em 2017 recebeu da Federação Internacional de Vôlei (FIVB), a entidade reguladora do Voleibol no planeta, uma autorização formal para se inscrever em ligas femininas. No final daquele ano, se tornou a primeira atleta transexual a atuar na Superliga feminina, a elite do vôlei brasileiro, pelo Bauru. 

O QUE DIZ A REGRA

Tifanny cumpre os requisitos do COI (Foto: Neide Carlos/Vôlei Bauru)

De acordo com regulamentação do COI de novembro 2015, mulheres trans, como Tifanny, precisam se declarar sob o novo gênero (reconhecimento civil) e ter a quantidade de testosterona controlada para poder competir em equipes femininas. O nível permitido é de até 10 nanomol de testosterona por litro de sangue nos 12 meses anteriores à competição. Os testes da jogadora de Bauru, por exemplo, costumam apontar 0,2 nanomol/l.
A maioria das federações segue a recomendação do Comitê Olímpico Internacional (COI). A FIVB anunciou no ano passado a criação de um grupo de trabalho encarregado de consultar o COI e outras entidades esportivas para “estudar e definir os critérios de elegibilidade dos atletas trans nas competições internacionais”. Com isso, Tifanny não pode atuar, por ora, pela Seleção Brasileira.
No Brasil, a CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) liberou a participação de Tifanny na Superliga feminina, após exames da comissão médica atestarem que ela atendia às determinações do COI.

ZÉ ROBERTO CONVOCARIA PARA A SELEÇÃO

Zé Roberto quer Tifanny na Seleção (Foto: Pedro de Souza/Vôlei Amil)

No ano passado, o técnico da Seleção Brasileira feminina de vôlei, Zé Roberto, chegou a cogitar a convocação de Tifanny, depois do bom desempenho da oposta na Superliga pelo Bauru. Para ele, basta que ela esteja “elegível”.
– Uma questão simples. Se dentro de quadra fizer o esperado e fizer a diferença, tecnicamente falando, passa a interessar como qualquer outra atleta. Eu quero o melhor. Se for o caso, consultarei a CBV. Não vejo problema nenhum na convocação. Basta que esteja elegível – declarou à época.

ATLETAS QUE DEFENDEM TIFANNY

Thaisa já saiu em defesa de Tifanny (Foto: Divulgação/CEV)

Tifanny tem recebido o apoio de outros atletas da modalidade. A central Thaisa, bicampeã olímpica e jogadora do Barueri saiu em defesa do colega no ano passado, reconhecendo a pressão sofrida pela atleta trans "Imagina o que ela está passando. Eu penso muito no lado humano", comentou.
A oposta norte-americana Destinee Hooker, que atualmente joga no Osasco também é presença constante no Instagram de Tifanny.
A ex-líbero da Seleção Brasileira Fabi Alvim também sempre defendeu a atleta trans, afirmando inúmeras vezes que não via vantagem física dentro de quadra.
–Me sinto orgulhosa do vôlei ter acolhido a Tifany, ter dado a chance dela fazer o que ela queria fazer, viver do esporte. Eu não vi essa suposta vantagem física dela – disse Fabi, em entrevista ao Sportv, em fevereiro deste ano. 

POLÊMICA COM BERNARDINHO

Bernardinho fez comentário polêmico (Foto: Márcio Rodrigues/MPIX)

O treinador de vôlei Bernardinho, ex-Seleção masculina e atualmente no comando do time feminino do Sesc-RJ, foi flagrado pelas câmeras de transmissão do jogo de seu time contra o Sesi-Bauru, pelas quartas de final da Superliga, fazendo comentário polêmico ao se referir à Tifanny. Após mais um ponto da jogadora, que marcou 28 na partida, Bernardinho exclamou: 'um homem, é f...'.
Após a repercussão, Bernardinho pediu desculpas à atleta.
- Peço desculpas a todos. Não foi minha intenção de forma alguma ofendê-la. Me referia ao gesto técnico e ao controle físico que ela tem, comum aos jogadores do masculino e que a maior parte das jogadoras não tem. Sempre trabalhei e tentei ajudar com meu trabalho diversos jogadores e jogadoras sem qualquer tipo de preconceito. À Tifanny dou meus parabéns pela grande atuação e conquista e a todos que se sentiram ofendidos reitero minhas desculpas, pois jamais foi minha intenção - disse o técnico.

POLÊMICA COM ANA PAULA

Ex-jogadora é contra trans no esporte feminino (Foto: Arte / Lance! )

A ex- jogadora Ana Paula, medalhista de bronze em Atlanta-1996  já criticou a situação de Tifanny em diversas ocasiões. A última delas, após a polêmica com Bernardinho:
- Leio que a militância a favor de trans no esporte feminino, e contra as mulheres, atacou Bernardinho por ele ter dito a verdade, que Tifanny tem um ataque de homem. Minoria barulhenta que quer empurrar a todo custo que sentimentos são mais importantes que fatos e biologia. Não são. Num post de um perfil LGBT que ataca brutalmente Bernardinho por ter dito a verdade, a lucidez é mostrada exatamente nos comentários da própria comunidade gay que, em absoluta maioria, não concorda com homens biológicos competindo, vencendo e batendo recordes de mulheres - escreveu em seu perfil do Twitter.
Tifanny rebateu dois dias depois:
–Eu não cheguei e implorei: ‘tenho que jogar na Superliga Feminina’. É lei que já existe, para todas as mulheres trans, porque todas as mulheres são mulheres. E não é qualquer mulher trans que pode jogar: primeiro você tem que ter talento, segundo tem que ter nível, terceiro tem que estar nas regras. Não é toda a mulher trans que está nas regras, não é toda mulher trans que tem nível, nem toda mulher trans que está apta a jogar voleibol na Superliga. Então, antes de falar sobre o assunto, vão estudar sobre o assunto. E a senhora dona Ana Paula: vá cuidar das trans que jogam nos EUA, porque você não é brasileira mais, você tem passaporte americano. Vá cuidar das trans de lá e me deixe em paz. E olha: beijo para você, para mim você não existe e vai continuar não existindo – disse Tifanny, por Twitter. 

PROJETO DE LEI EM SÃO PAULO

Projeto de lei visa proibir atletas trans em SP (Foto: Divulgação/Bauru)

Um projeto de lei do deputado estadual Altair Moraes (PRB), publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo na última terça-feira, estabelece o sexo biológico como o único critério para a definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no Estado de São Paulo. Ele propõe que seja vedada a atuação de atletas transexuais. Se aprovada, a nova lei vetaria a presença de Tifanny, em seu time atual, o Sesi Bauru.
O deputado se apoia na tese do fisiologista Turíbio Barros, que atesta que o hormônio é um anabolizante que faz com que a massa muscular do homem seja maior do que a da mulher, influenciando na velocidade, na força e na potência do indivíduo .

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