Apesar de permanecer alto, o número de partidas suspeitas de manipulação de resultados caiu 17% no mundo todo em 2024. Foram 721 casos, ante 881 no ano anterior. No Brasil, a redução foi ainda mais acentuada, de 48%. Os dados constam no relatório anual da Sportradar Integrity Services, que integra o Sport Radar Group e é referência mundial em monitoramento de partidas.
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Em entrevista exclusiva ao Lance!, Felippe Marchetti, gerente de Parcerias da Sportradar na América Latina, afirma que o Brasil tem apresentado avanços significativos no combate à manipulação de apostas. A empresa é parceira da CBF desde 2017, e vem expandindo sua atuação também junto a federações estaduais.
— O futebol brasileiro viu uma queda expressiva, de 48% dos casos. Desses jogos (57), apenas quatro foram em competições organizadas pela CBF, contra 15 em 2023 — ressalta Marchetti.
— Com relação aos torneios estaduais, tivemos uma redução de 44% no número de casos (de 95 para 53). Notadamente, essa redução se acentuou no segundo semestre, com 17 federações estaduais aumentando sua cobertura através da assinatura de contratos para o monitoramento.
LANCE! - A Sportradar registrou queda no número de partidas suspeitas de manipulação no mundo tempo, e isso num contexto em que as apostas esportivas apresentam crescimento. As duas coisas estão ligadas, no sentido de que houve um aumento da fiscalização pelas próprias casas de apostas? Ou não é possível fazer essa correlação?
FELIPPE MARCHETTI - Quanto mais o tema da manipulação de resultados ganha visibilidade e é discutido, mais conseguimos conscientizar clubes, federações e empresas de apostas sobre a importância da integridade no esporte. Embora ainda haja muito a ser feito, já observamos avanços significativos.
Mesmo que seja o país com o maior número de partidas de futebol disputadas ao redor do mundo — o que pode levar a uma tendência à liderança em números absolutos, visto que a Sportradar monitorou mais de nove mil partidas de futebol em 2024 no País —, não estamos mais na liderança global em números totais e proporcionais. Esse progresso reflete os esforços da CBF, clubes, federações estaduais e operadoras de apostas esportivas, que têm implementado práticas de prevenção e combate à manipulação de resultados.
Não podemos afirmar que essa redução é inteiramente consequência dessas iniciativas, mas elas são um passo importante no combate à manipulação de resultados e, sem dúvida, colaboram com essa melhora. O trabalho para fortalecer as medidas de integridade precisa continuar de forma consistente e colaborativa entre todos os envolvidos.
Essa queda pode ter relação com novas estratégias de manipulação? A Sportradar tem notado mudanças no perfil de apostas suspeitas?
É natural que a máfia das apostas migre de uma região para outra. A Sportradar tem experiência em parcerias com ligas esportivas e autoridades policiais em todo o mundo e identificamos este comportamento. Quando o combate a fraudes na Europa se tornou mais rigoroso, os manipuladores de resultados descobriram melhores oportunidades na América Latina.
A América Latina tem um mix de países com apostas esportivas regulamentadas e não regulamentadas. No caso do Brasil, com a entrada em vigor das regras estabelecidas na regulamentação, esperamos um cenário mais estruturado e transparente, o que deve contribuir significativamente para o fortalecimento da integridade no esporte. Com a regulamentação, espera-se que haja mais controle sobre as operações, maior fiscalização e um ambiente mais seguro para atletas, clubes, empresas de apostas e torcedores.
No entanto, eu gostaria de enfatizar que o sucesso desse enfrentamento depende de uma colaboração contínua entre todos os envolvidos. Iniciativas como as feitas pelas empresas Rei do Pitaco, NGX e Lampionsbet, de financiarem serviços de monitoramento da Sportradar para federações estaduais, estão alinhadas com o conceito de trabalho colaborativo entre todos os stakeholders.
O futebol está no topo de casos suspeitos. Isso se deve ao fato de ter mais jogos? Mais possibilidades de apostas?
O futebol é o esporte mais popular do mundo e consequentemente o mais acompanhado, gerando interesse nos apostadores. Em 2024, o futebol mundial apresentou considerável melhora, com 721 partidas suspeitas — uma redução de 18% frente às 881 partidas de 2023. Na América Latina, o futebol brasileiro, que foi afetado por casos de manipulação de resultados nos últimos anos, viu uma queda
expressiva de 48%. Desses jogos, apenas quatro foram em competições organizadas pela CBF, contra 15 em 2023 — uma redução de 74%. A média para jogos organizados pela CBF foi de 0,18%, enquanto a média global do futebol mundial foi de 0,43, o que mostra os resultados do trabalho cooperativo que
vem sendo realizado pela entidade máxima do futebol brasileiro em parceria com a Sportradar
e com as autoridades públicas.
Já com relação aos torneios estaduais, tivemos uma redução de 44% no número de casos (de 95
para 53). Notadamente, essa redução se acentuou no segundo semestre, com 17 federações
estaduais aumentando sua cobertura através da assinatura de contratos para o monitoramento
de torneios estaduais Série A, Série B, femininos, sub-20 e copas. Essa maior proteção afugenta
os manipuladores, pois eles sabem que, caso cometam irregularidades, estarão muito suscetíveis
a serem detectados. Além disso, esse engajamento dos estados aumenta o fluxo de informações
de inteligência e compartilhamento de dados importantes, que auxiliam no combate ao
problema.
Há uma percepção popular de que no futebol as tentativas de manipulação seriam mais comuns em divisões inferiores, por serem menos midiáticas, mas o levantamento da Sportradar mostra que ele é maior na elite do futebol. Por quê?
Como comentei, a popularidade do futebol e o imenso número de partidas realizadas em todo o mundo impactam as estatísticas. Falando especificamente do Brasil, as competições que mais estão em risco são as menores, onde os atletas têm uma vulnerabilidade financeira muito maior e também têm um monitoramento mais deficitário, no sentido de menos transmissões dos jogos e menos público nos estádios.
'Passaporte do atleta' mantém histórico de suspeita de manipulação de apostas
A Sportradar é parceira da CBF. Como é esse trabalho?
A Sportradar trabalha em parceria com a CBF desde 2017 no monitoramento e supervisão dos principais jogos do futebol brasileiro. Ao longo dos anos, novas iniciativas foram sendo implementadas pela entidade, sempre com o objetivo de proteger o futebol brasileiro.
A CBF desenvolveu, com auxílio técnico da Sportradar, o passaporte do atleta, instrumento que apresenta o histórico de jogadores profissionais, sendo capaz de indicar a eventual participação deles em esquemas de manipulação. Com o passaporte, a gente consegue ver todos os atletas que tiveram envolvimento em partidas manipuladas. E, a partir daí, a gente estabelece uma lista com jogadores que mais aparecem relacionados a manipulações. Quando esse atleta trocar de clube, surgirá um alerta no sistema. Isso ajudou, por exemplo, no fluxo de inteligência e identificação precoce relacionado ao caso da equipe da Patrocinense-MG, no Campeonato Brasileiro Série D, mostrando a eficácia de tal ação.
O que pode ser feito para diminuir ainda mais o número de casos?
A educação e a conscientização dos jogadores são fundamentais no combate à manipulação de resultados. Acreditamos que, além de utilizar tecnologias avançadas para o monitoramento, é crucial adotar uma abordagem preventiva, capacitando os atletas com o conhecimento necessário para identificar e resistir a tentativas de manipulação.
Nosso objetivo é ampliar a compreensão dos atletas sobre como agir diante de situações suspeitas, incentivando a denúncia e promovendo uma cultura de ética e transparência. A confiança do público na imprevisibilidade do esporte é vital, e acreditamos que a conscientização é a ferramenta mais poderosa para empoderar atletas e preservar essa confiança. Os atletas já vivem em um ambiente onde são muito cobrados e existem muitas regras, nosso lugar nesse processo não é o de sermos um simples reprodutor de normas, mas sim de sermos um aliado para expandir suas visões e garantir que possam exercer sua profissão de maneira segura e honesta.
Nesse contexto, destaca-se a adoção de plataformas de educação digital antimanipulação de resultados por 13 federações estaduais, workshops online realizados para Tribunais de Justiça Desportiva (TJDs) de três estados e treinamentos presenciais para clubes de grande relevância no cenário nacional, como Atlético-MG e Palmeiras.